BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A PGR (Procuradoria-Geral da República) chefiada por Augusto Aras tentou por várias vezes barrar a investigação contra Jair Bolsonaro (PL) e seus assessores e familiares durante o governo do ex-presidente, mas mudou de postura e passou a apoiar a apuração após a chegada de Lula (PT) à Presidência da República.

Entre fevereiro e dezembro de 2022, sob o governo Bolsonaro, a PGR se manifestou ao menos seis vezes pedindo o arquivamento da investigação com o argumento de que as provas eram ilegais, inconstitucionais e que causavam constrangimento ilegal aos investigados.

Segundo a PGR, as decisões de Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizaram quebras dos sigilos bancário, fiscal e telemático de Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, e de outros assessores presidenciais violaram o sistema processual, uma vez que o ministro não ouviu o Ministério Público sobre os pedidos feitos pela Polícia Federal.

Procurada, a PGR afirmou que não houve "qualquer mudança de posicionamento" e que as manifestações são feitas de "forma técnico-jurídica, com base nas especificidades de cada momento procedimental".

No entendimento da Procuradoria na época do governo Bolsonaro, como já havia um pedido de arquivamento da investigação feito no início de 2022, todas as medidas autorizadas por Moraes eram inválidas e as provas, nulas.

A investigação contra Bolsonaro e seus assessores tem origem no caso do vazamento do inquérito do ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), utilizado pelo ex-presidente para atacar a segurança das urnas eletrônicas.

O sigilo telemático de Mauro Cid foi quebrado nessa apuração, e a PF conseguiu acessar suas conversas armazenadas em nuvem e no seu celular. A partir daí, o delegado Fabio Shor, responsável pelo caso, pediu uma série de novas quebras de sigilos com base no material encontrado com Cid.

Foi com essas quebras que a PF encontrou áudios, conversas e fotos em que surgiram as suspeitas de desvio de dinheiro da Presidência reveladas em setembro de 2022 pela Folha de S.Paulo; e, mais recentemente, da fraude na inserção de dados no sistema de vacinação do Ministério da Saúde.

Ao longo de 2022, na gestão Bolsonaro, a PGR foi contra as quebras de sigilo e pediu que todo o material encontrado fosse anulado.

Em suas manifestações, Lindôra Araújo acusou Moraes e a PF de "fishing expedition" ou pescaria probatória. O termo é utilizado para designar quando investigadores vasculham a intimidade ou vida privada de um alvo sem objetivo específico, somente para tentar identificar fatos que possam ser usados contra essa pessoa.

A ação em parceria da PF com Moraes, disse a PGR sob o governo Bolsonaro, aparentou estar "disfarçada do possível intento de proceder uma busca desenfreada por quaisquer outros elementos que pudessem, de qualquer forma e mesmo hipoteticamente, abrir uma nova frente persecutória ampla e genérica em face do presidente da República e, eventualmente, de seus familiares".

Nesse cenário, afirmou a PGR ainda no governo Bolsonaro, dadas as "inconstitucionalidades e ilegalidades" constatadas, a investigação deveria ser extinta, já "que todas as provas colhidas e delas derivadas estão contaminadas por ilicitude, não podendo ser aproveitadas para a persecução penal".

A posição, no entanto, mudou completamente após Lula chegar à Presidência. A PGR deixou então de contestar as decisões e, em abril, foi favorável à utilização das provas --antes classificadas como nulas e ilícitas-- para realização de buscas e prisões no caso da suposta fraude nos cartões de vacinação.

Em 19 de dezembro de 2022, por exemplo, a PGR apresentou um recurso contra uma decisão de Moraes para autorizar a quebra de sigilo telemático de um ajudante de ordens de Bolsonaro.

Assim como havia feito ao menos outras cinco vezes antes, a PGR classificou as provas como ilegais e nulas para pedir o arquivamento do caso.

Um mês depois, em 19 de janeiro, PF pediu nova quebra de sigilo telemático de pessoas ligadas a Bolsonaro. Moraes autorizou as quebras em 26 de janeiro e, pela primeira vez, a PGR não apresentou recurso para questionar a decisão. Somente se manifestou para avisar que tomou ciência do despacho do ministro.

Com base nessa quebra de sigilo e em outras informações coletadas de forma até então considerada ilegal pela PGR, a PF pediu a busca e apreensão contra Bolsonaro e Michelle, além da prisão de Mauro Cid e outros ex-assessores em 18 de abril.

Três dias depois, em 21 de abril, a PGR se manifestou. No despacho, assim como os outros assinados por Lindôra Araújo, a PGR concordou com as medidas e em nenhum momento citou que as provas que as embasaram foram obtidas na investigação outrora classificada como ilegal e inconstitucional.

A PGR somente se opôs às buscas contra Bolsonaro e Michelle e às prisões de dois assessores do ex-presidente, mas aceitou os pedidos que miravam Mauro Cid e os outros citados na suposta inserção fraudulenta de dados no sistema de vacinação do Ministério da Saúde.

Procurada para comentar o caso, a PGR disse que não mudou de posição e que o Ministério Público "não se limita a atuar como órgão da acusação, titular privativo da ação penal pública, mas assume papel fundamental na fiscalização da regularidade do ordenamento jurídico e o próprio controle externo da atividade policial".

"A manifestação da PGR favorável ou desfavorável a medidas pleiteadas no curso de investigação pauta-se pela análise dos elementos contemporâneos produzidos nos autos. Da mesma forma, não significa postura de ratificação de qualquer ato que tenha sido praticado de forma irregular no curso de uma investigação", afirmou a Procuradoria em nota.

A PGR afirmou ainda que uma de suas atribuições é "garantir a higidez na produção de provas".

"Trata-se de atuação imparcial, voltada a respeitar formalismos necessários a impedir eventuais nulidades na construção de provas, problema registrado em mais de uma oportunidade em passado recente", disse a Procuradoria.


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