BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Relatórios de inteligência produzidos pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) indicam a participação de transportadoras, donas de caminhões e de empresas suspeitas de envolvimento com garimpo ilegal nos atos de bolsonaristas contrários à eleição de Lula (PT).
Em documentos entregues à CPI do 8 de janeiro, os agentes afirmam que 272 caminhões entraram em Brasília a partir de novembro para participar das manifestações concentradas em frente ao quartel-general do Exército, além da destruição das sedes dos três Poderes.
Cerca de metade dos veículos pertencia a empresas, segundo o relatório. A maior parte da frota restante era nova ou seminova e registrada no nome de pessoas físicas com participação societária em empresas de médio porte do setor agropecuário.
Na leitura da Abin, essas características sinalizam baixa participação de caminhoneiros autônomos.
A Folha de S.Paulo mostrou, em novembro do ano passado, que empresários de diferentes estados bancaram o envio de caminhões para engrossar o protesto antidemocrático em frente ao QG do Exército.
A agência também cruzou dados de maquinário encontrado em operações contra crimes ambientais no Pará. Os agentes afirmam que Enric Juvenal da Costa Lauriano, empresário que participava do lobby pró-garimpo, teria ajudado a divulgar canais de arrecadação de dinheiro para o movimento golpista.
Lauriano teria participado do acampamento em Brasília e das invasões registradas em 8 de janeiro, ainda segundo relatório da Abin. O documento cita como conexão dele com o garimpo ilegal a apreensão de uma escavadeira em 2022, dentro da Terra Indígena Kayapó, no Pará, que pertenceria ao empresário.
Os documentos entregues ao Congresso também apontam que Lauriano teria divulgado a "rede de financiamento" dos golpistas a partir de Marabá (PA), por meio do Pix de uma empresa de informática.
O dono da empresa que teria recebido os pagamentos é Ricardo Pereira Cunha, que também é proprietário da Mineração Carajás Limitada, segundo o mesmo relatório.
Procurado, Pereira Cunha não se manifestou. A reportagem não localizou Lauriano.
O documento ainda afirma que Cunha foi citado por George Washington de Oliveira Souza, um dos envolvidos na tentativa de explodir uma bomba nas imediações do aeroporto de Brasília dias antes da posse de Lula.
O relatório não afirma em qual contexto o empresário foi citado por Souza.
"Essas conexões evidenciam o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais e a atuação de grupos extremistas contrários à eleição para a Presidência da República em 2022, além de permitirem identificar redes de práticas delituosas abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal de recursos naturais", afirma a Abin no relatório.
O relatório sobre possíveis conexões do garimpo ilegal com os atos golpistas foi elaborado em março pela Abin e distribuído para diversos órgãos do governo federal.
Já o documento intitulado "participação de grupos econômicos em comboios de caminhões com destino a Brasília" foi elaborado em fevereiro pela agência.
Nesse relatório, os agentes de inteligência afirmam que a ida de caminhões para Brasília ganhou corpo no começo de novembro.
Dos 272 veículos identificados, metade (136) tem registro de Mato Grosso. O resto tem placas da Bahia (46), de Goiás (46) e do Paraná (26), dentre outros estados.
Segundo a Abin, o perfil dos caminhões é similar ao das manifestações de 7 de setembro de 2021, pois, nos dois casos, os veículos eram ligados a empresas ou empresários.
Naquele momento, Bolsonaro atacou o STF (Supremo Tribunal Federal) e, dois dias depois, assinou uma carta de recuo para desmobilizar seus apoiadores que cobravam um golpe.
"O mesmo repertório de protestos, empregado de maneira combinada, foi utilizado nas duas ocasiões. Além disso, a base social mobilizada também apresentava aspectos comuns", afirma a agência.
"Em 6 e 7 de setembro de 2021, a maioria dos caminhões utilizados na invasão da Esplanada pertenciam a empresas agrícolas do ramo de transportes, sendo reduzida a participação de caminhoneiros autônomos. O mesmo pode ser dito dos caminhões enviados em comboio à Brasília a partir de 4 de novembro de 2022", aponta ainda o relatório.
A agência identificou que ao menos 12 empresas eram donas de mais de um caminhão usado na tentativa de golpe.
A Sipal Indústria e Comércio, de Paranaguá (PR), tinha dez veículos, maior número identificado pela Abin como de uma mesma empresa. O grupo havia tido contas bloqueadas pelo STF ainda em novembro de 2022, por causa de paralisações nas estradas.
O relatório também identificou que um empresário, Alexandro Lermen, era dono de sete caminhões que participaram dos atos golpistas. Ele também teve contas bloqueadas pelo Supremo. Procurados, a Sipal e Alexandro Lermen não se manifestaram.
Empresários de diferentes estados bancaram o envio de caminhões para engrossar o protesto antidemocrático em Brasília a partir de novembro.
Antes das manifestações na capital federal, caminhões bloquearam rodovias em mais de cem pontos pelo país. Em novembro, Bolsonaro chegou a pedir que os bloqueios fossem desfeitos, mas não pediu o fim dos atos golpistas e o reconhecimento da vitória do petista.
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