SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os recentes desdobramentos na investigação sobre o suposto desvio de joias e presentes recebidos por Jair Bolsonaro (PL) enquanto era presidente não justificariam neste momento uma eventual prisão preventiva do ex-mandatário.
O mesmo se aplica ao suposto plano contra as urnas relatado à CPI do 8 de janeiro pelo programador Walter Delgatti Neto. A avaliação é de professores e advogados criminalistas consultados pela Folha.
Entre os elementos que precisariam estar presentes para uma eventual decretação de prisão preventiva, além dos indícios de ocorrência de crime, está a existência de risco com a liberdade do investigado, como de coação de testemunhas ou destruição de provas.
No dia 11 de agosto, a Polícia Federal fez buscas contra pessoas próximas a Bolsonaro e apontou o ex-presidente como suspeito de um esquema para vender os bens no exterior e receber os valores em dinheiro vivo.
A PF pediu, inclusive, a quebra de seus sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro, bem como os da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o que foi autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), na quinta-feira (17).
Também na quinta, o novo advogado do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, disse que Cid decidira confessar a participação na venda das joias e declarar que havia agido por ordem de Bolsonaro. O defensor do militar, no entanto, já mudou a versão sobre o assunto diversas vezes em entrevistas.
A defesa do ex-presidente afirma que ele "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos".
Outro acontecimento que aumentou a pressão sobre Bolsonaro foi o depoimento do programador Walter Delgatti Neto, conhecido como hacker da Vaza Jato, à CPI do 8 de janeiro. Entre outras afirmações, ele disse que a campanha do ex-presidente planejou forjar a invasão de uma urna eletrônica durante as celebrações do 7 de Setembro de 2022.
A advogada criminalista Marina Coelho Araújo, que é também conselheira do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), não vê hoje fundamentos para uma prisão preventiva de Bolsonaro, fazendo a ressalva de que não conhece o processo na íntegra.
Ela aponta que o Código de Processo Penal, ao tratar das hipóteses de prisão preventiva, prevê a garantia da instrução criminal. Nesse caso, condutas como a coação de testemunhas são lidas como atos que afetam essa circunstância.
Além disso, ela aponta que a prisão preventiva exige contemporaneidade. "O que significa isso? Um perigo iminente e atual de que os crimes continuem acontecendo. E eu não vejo isso."
Vinicius de Souza Assumpção, advogado criminalista e segundo vice-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), diz que a prisão só deve ser adotada em caso de extrema necessidade e não vê justificativa para tanto, com base nas informações que se tem hoje sobre os casos envolvendo Bolsonaro.
Ele diz ainda que, mesmo em um cenário em que Mauro Cid fizesse uma confissão, nos termos afirmados por seu advogado, colocando Bolsonaro como mandante, não seria justificativa para prisão. "Não é a quantidade de elementos que vai determinar que a prisão seja feita agora", diz.
"Poderia haver uma prisão preventiva diante desse quadro que a gente tem se, por exemplo, se comprova uma tentativa de fuga do país. Isso de maneira comprovada, com elementos. Não basta especular que a pessoa pode fugir."
Antonio Santoro, professor de direito processual penal da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e advogado criminalista, do mesmo modo, não considera haver justificativa para prisão preventiva de Bolsonaro, com base no que foi noticiado.
"Levar uma pessoa a prisão sem ela ter sido julgada é algo que não pode deixar margem para dúvida", afirma. "E não é uma questão de deixar margem para dúvida se ele cometeu o crime ou não."
Ele afirma que, mesmo em casos em que se tem certeza que uma pessoa cometeu um crime, para que a prisão preventiva seja possível, em tese, é preciso que a medida tenha como objetivo garantir algo, como a ordem pública ou o andamento da investigação.
Ele diz que, antes de uma decretação de prisão preventiva, o que um juiz pode fazer é impor outras medidas cautelares, como determinar que o investigado não possa sair do país e a apreensão do passaporte, ou mesmo proibir o contato com alguma testemunha.
Moraes, que é o relator responsável pelas investigações que envolvem o ex-presidente, já decidiu anteriormente prender preventivamente alvos das apurações, incluindo Cid, o que levantou especulações, principalmente de aliados do presidente Lula (PT), sobre a possibilidade de prisão de Bolsonaro. Na época da detenção do tenente-coronel, em maio, foi citado eventual risco às investigações.
Outro caso de prisão preventiva recente envolvendo bolsonaristas foi a do ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, que é investigado por tentativa de impedir eleitores de votar e está detido desde o último dia 9. O ministro do STF entendeu que havia risco de influência sobre testemunhas se o suspeito continuasse em liberdade.
Raquel Scalcon, professora da FGV Direito São Paulo e advogada criminalista, afirma que, do que se conhece hoje, não há elementos para uma prisão preventiva de Bolsonaro.
Ela afirma que, para tanto, precisariam estar presentes dois critérios, sendo um deles os indícios de que há um crime e o segundo, de que há um risco de manter a pessoa em liberdade. Raquel avalia que, no caso de Bolsonaro, hoje ambos precisariam ser reforçados para justificar uma preventiva.
"Há uma série de medidas prévias que devem ser usadas sempre que possível porque a prisão preventiva tem que ser a exceção."
Davi Tangerino, que é advogado criminalista e professor de direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), também não vê motivos para prisão preventiva. Ele cita como argumento a inexistência de coação a testemunha, de destruição de documento ou tentativa de fuga.
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