SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Lula (PT) não incluiu o Ministério da Defesa e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) na rede de assessorias de participação e diversidade do governo, apesar de essas estruturas terem sido criadas em quase todas as pastas.

Essas assessorias têm entre as suas competências a articulação das relações dos respectivos ministérios com os diferentes segmentos da sociedade civil, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência.

Também estão no rol das responsabilidades do posto assessorar o ministro da pasta a respeito da formulação de políticas e diretrizes de proteção dos direitos humanos e de igualdade de gênero, étnica e racial.

A Secretaria-Geral afirmou que, dadas as especificidades de atuação das pastas da Defesa e do GSI na estrutura do Estado e do governo, a decisão na transição governamental foi a de que não faria sentido ter assessorias com a característica de "articular os conselhos internos e fazer gestão com movimentos".

O Ministério da Defesa e o GSI não responderam.

"O debate que veio da transição [de governo] é que na Defesa não teria muito espaço para esse tipo de participação, enfim, de atuação, considerando o caráter do ministério", disse a secretária-executiva adjunta da pasta, Tânia Maria de Oliveira, em entrevista à Folha de S.Paulo.

A secretária-executiva da Secretaria-Geral, Maria Fernanda Coelho, complementou afirmando que a decisão considerou a fotografia que se tinha em dezembro e em janeiro, quando o sistema de participação social foi instituído.

O argumento, na época, era o de que, pelas atribuições das pastas, não caberiam tais competências.

"Não quer dizer que a gente não possa em algum momento revisitar isso e ter uma outra proposta, mas realmente, no primeiro momento, não caberia no âmbito dessa relação com a sociedade civil e com a implementação das políticas públicas", disse.

Pesquisadores do tema ouvidos pela reportagem, bem como servidores que já atuaram na Defesa ouvidos sob anonimato, avaliam que a natureza do ministério não é impeditivo para uma política de participação social, muito menos para discussão sobre direitos humanos ou igualdade de gênero e racial.

A falta de criação da assessoria nas pastas é entendida como uma forma de não criar atrito com os militares. Tal postura é vista como negativa. O entendimento geral é de que é importante haver maior acompanhamento, controle e participação democrática na formulação das políticas de defesa.

Outra indicação de que o governo evitou desagradar militares com a iniciativa foi o fato de não ter havido um grupo técnico sobre a Defesa na equipe de transição. O GT até chegou a ser anunciado, mas os integrantes nunca foram nomeados.

Além da Defesa e do GSI, as únicas pastas que não têm oficialmente essas assessorias são a CGU (Controladoria-Geral da União) e a Secretaria das Relações Institucionais da Presidência.

Procurada pela reportagem, a CGU respondeu que, apesar de não ter a assessoria em sua estrutura formal, está realizando as atividades relacionadas e que a formalização da estrutura está prevista em minuta de decreto para reformular a estrutura do órgão.

A Secretaria-Geral afirmou que o diálogo do Sistema de Participação Social com a Secretaria das Relações Institucionais se dá por meio do Conselhão, colegiado que está em sua estrutura. A pasta, por sua vez, não respondeu.

Para Marina Vitelli, professora adjunta da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e pesquisadora da área, ainda que pudessem ser feitas eventuais adaptações para contemplar especificidades da pasta, não há justificativa para não incluir a Defesa na política de participação.

Ela, que integra o Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), avalia que há um problema anterior, que é a falta de participação de civis na formulação e implementação das políticas de defesa, tarefa que acaba ficando sob o monopólio dos militares.

"A correlação de forças hoje para o governo Lula não é favorável", diz, "só que por enquanto o governo praticamente parece que não comprou nenhuma briga".

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, afirma ser importante ter esse tipo de assessoria na Defesa por ser um canal útil para se pensar como pode ser articulada a participação social na pasta.

"Não significa que a sociedade civil vai invadir o Exército. Ter a assessoria é importante para pensar que tipo de participação é necessária. Porque, se não tem a assessoria, quer dizer que não cabe nenhum tipo de participação e diversidade", afirma.

"No caso do Exército, qual a discussão que está sendo feita sobre o papel da mulher? E a questão da igualdade racial? É começar a discutir isso."

Para ela, há questões sigilosas de segurança nacional que não podem ser compartilhadas, mas há outras discussões em que a sociedade civil pode ajudar. Como exemplo, ela cita as informações sobre registro e controle de armas.

Ana Penido, que tem doutorado em relações internacionais e mestrado em estudos estratégicos da defesa e da segurança, defende a necessidade de debate sobre, entre outras questões, orçamento, regras de recrutamento, atualização das regras gerais que norteiam a política e a estratégia nacional de defesa.

"Tem um conjunto de questões que dizem respeito à defesa nacional que não são necessariamente questões militares", diz ela, que é pesquisadora do Gedes e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. "A política militar é aquela que diz respeito ao emprego das tropas no terreno, é literalmente pensar estratégia de combate."

Quanto à diversidade, Ana aponta, inclusive, questões que poderiam favorecer os militares, como discussão sobre licença-paternidade ou avaliação sobre funções que não precisariam de mudança de local de trabalho todo ano. Para além da questão de gênero e racial, no caso da Amazônia, por exemplo, a inclusão de indígenas é também ponto de atenção.

Um episódio visto como exemplo da resistência de militares com a pauta da diversidade foi a Comissão de Gênero criada na pasta em 2014, durante a gestão Dilma Rousseff (PT).

As Forças Armadas pressionaram para impedir, em 2015, a realização de uma pesquisa que abordaria a ocorrência de assédio sexual entre militares --projeto que era uma das prioridades do grupo. A comissão foi extinta em 2019, na gestão Jair Bolsonaro (PL), e o atual ministro José Múcio Monteiro disse estar avaliando sua recriação.


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