BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Marinha articula com o senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do principal partido de oposição ao governo Lula (PT), o avanço de uma PEC (proposta de emenda Constitucional) para garantir que o orçamento de defesa do Brasil seja igual ou superior a 2% do PIB (Produto Interno Bruto).
A proposta foi protocolada por Portinho, ex-líder do governo Jair Bolsonaro (PL) no Senado, em 30 de outubro deste ano, com a assinatura de 30 senadores ?a maioria formada por oposicionistas, entre eles Eduardo Girão (Novo-CE) e Jorge Seif (PL-SC), bolsonarista que foi secretário da Pesca.
Horas depois de a proposta entrar no protocolo do Senado, oficiais do Estado-Maior da Marinha passaram a pedir que fossem repassadas mensagens para que marinheiros votassem favoravelmente à PEC na página do Congresso, numa demonstração de apoio popular à proposta.
"Bom dia. Peço aos amigos que visitem a página do Senado e votem favoravelmente à matéria. Divulgando a pedido. Fonte: EMA (Estado-Maior da Armada)", diz uma das mensagens obtidas pela reportagem.
Com menos de uma semana, a PEC contava com o apoio de 199 pessoas no site do Senado contra 4 opositores.
O comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen, afirmou à reportagem que, mesmo favorável à PEC, ainda não conversou pessoalmente com Portinho por incompatibilidade de agendas.
"Não obstante, a Assessoria de Relações Institucionais do gabinete do comandante da Marinha acompanhou o processo de obtenção de assinaturas para a proposta ser numerada e começar a tramitar. A assessoria permanece à inteira disposição dos parlamentares para prestar eventuais esclarecimentos que venham a contribuir para o aperfeiçoamento do texto da PEC 55/2023", disse Olsen.
O comandante da Força, porém, afirmou que a sugestão de se criar a PEC não foi proposta por ele ao líder do PL.
"Acredito que as audiências ocorridas no Senado e na Câmara, particularmente no que diz respeito à necessidade premente de reaparelhamento das Forças, contribuíram para a disposição do senador Carlos Portinho em apresentar a PEC", disse.
O Ministério da Defesa trabalhava em uma minuta semelhante à proposta de Portinho e, segundo relatos, o ministro José Múcio (Defesa) foi pego de surpresa com o texto da PEC protocolada pelo senador oposicionista.
De acordo com interlocutores, o ministro avalia buscar apoio do governo ao projeto de Portinho. No entanto, auxiliares do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são contrários à indexação por considerarem que a proposta engessa ainda mais o Orçamento da União.
Lula ainda não foi consultado sobre a proposta. O líder do PL disse que ainda vai procurar o ministro da Defesa e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), para buscar apoio do Planalto à PEC.
Em maio, Múcio e os comandantes das Forças Armadas apresentaram no Senado os projetos prioritários definidos pelo Exército, Marinha e Aeronáutica.
Na ocasião, Olsen alertou sobre as restrições orçamentárias impostas pelo teto de gastos e previu que, até 2028, cerca de 40% das embarcações da Marinha serão descartadas sem a devida reposição.
"No Brasil, o orçamento de defesa representa 1,1% do PIB. Na verdade, não existe essa vinculação ?o 1,1% do PIB é decorrente do que é provisionado, a conta é feita de trás para frente [...]. Eu diria que é impositivo que nós tenhamos uma proposta de emenda Constitucional que abrigue isso, ainda que se faça de maneira gradativa, mas que efetivamente atrele o orçamento de defesa ao Produto Interno Bruto. É essa a condição", disse Olsen aos senadores.
A apresentação dos slides ainda mostrava uma linha divisória daqueles países que investem mais ou menos que 2% do PIB ?percentual estabelecido pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) como meta orçamentária de defesa.
Apesar de o Brasil não fazer parte da aliança militar ocidental, a meta dos 2% é abraçada pelas cúpulas das Forças Armadas, sob a justificativa de dar segurança aos investimentos de médio e longo prazo.
"Eu tenho uma relação muito próxima com as Forças Armadas, embora não seja militar", disse Portinho à reportagem. "Reconhecendo essa função importante que ela desempenha, eu já vinha conversando com as Forças sobre esses investimentos."
Portinho justifica que os 2% estão alinhados com a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e movimentam as Forças como "vetor para o desenvolvimento econômico e tecnológico".
"Eu conversei bastante com a assessoria parlamentar [da Marinha], para avançar com o texto, por iniciativa própria. Eu chamo de PEC das Forças Armadas. E essa proposição eu venho conversando há algumas semanas. Não cheguei a procurar os comandantes, foi uma conversa mais para validar a minha preocupação", completou Portinho.
A proposta prevê que o governo federal terá de aumentar gradativamente o orçamento do Ministério da Defesa em pelo menos 0,1 ponto percentual por ano até atingir o patamar dos 2%.
O texto ainda estabelece que 35% das despesas discricionárias do Ministério da Defesa serão destinadas ao planejamento e execução de projetos estratégicos das Forças Armadas, priorizando contratações da base industrial de defesa nacional.
Em nota, a Marinha afirmou que "o texto da PEC, conforme apresentado pelo Senador Carlos Portinho, guarda razoabilidade, observado o incremento percentual gradual (0,1%/ano), e atende aos interesses da Marinha".
"A proposta está, ainda, em sintonia com o cenário geopolítico atual, que tem incentivado grandes e médias potências a elevarem seus investimentos para renovar seus sistemas de Defesa [...]. Ressalta-se, também, que os investimentos em defesa são intensivos na geração de empregos e no desenvolvimento de ciência e tecnologia, trazendo inúmeros benefícios sociais para o Brasil."
Sobre as mensagens internas que pedem os apoios à proposta da oposição, a Marinha disse que "tem mantido o seu pessoal informado, dentre outros assuntos, das severas restrições orçamentárias impostas à Força Naval, sobretudo no que diz respeito à capacidade de investimentos".
"Nesse sentido, não causa estranheza manifestações de integrantes da Força em apoio à aprovação da PEC 55/2023, que busca estabelecer programação orçamentária mínima para o Ministério da Defesa", conclui a nota.
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