BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Verba federal destinada por Juscelino Filho (União Brasil-MA), atual ministro das Comunicações, para seu reduto no Maranhão pagou obra realizada pela Arco Construções, empresa que a Polícia Federal diz ter o próprio político como sócio oculto e verdadeiro dono.
Em 2017, como deputado federal, Juscelino Filho indicou R$ 2,56 milhões para reparos em estradas de terra de Vitorino Freire (MA), cidade comandada pela prefeita Luanna Rezende, irmã do ministro.
A defesa de Juscelino Filho nega que ele seja proprietário da Arco e classifica como ilação a suspeita de que tenha tido proveito pessoal por meio da atividade como deputado. Em nota, os advogados afirmam que se trata de "mais um ataque na tentativa de criminalizar as emendas parlamentares".
O envio da emenda e a contratação da empresa pelo município descobertos pela Folha de S.Paulo reforçam uma das linhas de investigação da PF --segundo a qual o ministro do governo Lula (PT), enquanto deputado, utilizou dinheiro proveniente de emendas para pagar uma empresa que de fato lhe pertence.
A PF afirma que a Arco é de Juscelino Filho com base em mensagens e documentos apreendidos na operação Odoacro, em julho de 2022. A empresa, no entanto, está formalmente em nome de Antônio Tito, amigo da família do ministro de Lula.
Juscelino Filho é investigado na operação, cuja terceira fase, batizada de Benesse, fez buscas em endereços de sua irmã. A PF chegou a pedir busca contra o ministro das Comunicações, mas Luís Roberto Barroso, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), negou.
Investigadores apontam ainda que, no passado, duas pessoas que ocuparam cargos de assessoria do gabinete do político, Lia Candida Soares e Anne Magalhães, já integraram o quadro societário da companhia. A relação das ex-assessoras com a empresa foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A Folha de S.Paulo encontrou a assinatura de Juscelino Filho na indicação de R$ 2,56 milhões para as obras ao mapear todos os convênios assinados pela cidade comandada por sua irmã com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
"Celebrar convênio objetivando a recuperação de estrada vicinal em favor do município de Vitorino Freire-MA com recurso oriundo de crédito extra-orçamentário do Dep. Juscelino Filho", consta no registro do convênio no sistema do governo federal.
Além desse repasse, há ainda mais um registro de obra feita pela Arco Construções em Vitorino Freire, essa já em 2022, com dinheiro federal destinado pela Codevasf.
Nesse caso, por meio de um convênio de R$ 1,4 milhão, a empresa apontada pela PF como de Juscelino Filho também foi contratada para a recuperação de estradas vicinais --no entanto, não há registro sobre quem foi o responsável pela indicação.
Esse repasse é o único de ao menos nove convênios firmados entre a cidade e a Codevasf entre 2017 e 2022 que não tem a assinatura formal do ministro como padrinho da verba.
Em todos os outros convênios, o dinheiro é proveniente de suas indicações.
Além da Arco, a Construservice é outra que recebe dinheiro indicado por ele e virou pivô do suposto esquema de desvios em emendas parlamentares investigado na operação Odoacro. A empresa tem como sócio oculto Eduardo José Barros Costa, conhecido como Eduardo DP.
As mensagens que sustentam a suspeita da PF sobre a relação entre Juscelino e a Arco foram obtidas no celular justamente de DP. O conteúdo das conversas foi revelado pela Folha de S.Paulo e serviu como base para a PF afirmar que Juscelino Filho tem uma relação criminosa com o dono da Construservice.
Em um dos diálogos, mostra relatório da PF, o político pediu pagamentos para a Arco, "com a justificativa de ser realizado serviço de terraplanagem de uma obra".
A polícia afirma que há nas mensagens "cobranças reiteradas" de Juscelino pelo pagamento. A investigação encontrou comprovante de transferência para a Arco de R$ 63 mil feita por um suposto laranja de Eduardo DP.
A partir destas mensagens, a PF passou a trabalhar com duas linhas de apuração sobre a relação de Juscelino, Eduardo DP e Antônio Tito.
Uma é saber se o ministro se beneficiou de emendas ao ter sua própria empresa trabalhando nessas obras. A outra linha é a suspeita de que "terraplanagem" é apenas um código utilizado por eles para designar propina. Nessa linha, a conversa se trataria de um acerto sobre pagamentos indevidos ao então deputado.
Em relatório sobre a investigação enviado ao STF, a PF afirmou que "diante de todo o exposto, resta cristalina a relação criminosa pactuada entre Juscelino Filho e Eduardo DP, que conta com outros comparsas como intermediários e executores, imprescindíveis para a perpetração dos crimes".
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a PF encontrou em mensagens pedidos de Juscelino Filho para que Eduardo DP realizasse pagamentos a um engenheiro, duas servidoras da Prefeitura de Vitorino de Freire (MA), comandada por sua irmã, e ao menos duas empresas.
Procurados, Antônio Tito, a Arco e a prefeitura não se manifestaram.
OUTRO LADO
A reportagem perguntou ao ministro Juscelino Filho, entre outros pontos, se ele considera que há conflito de interesses em ter indicado valores de emendas para obras executadas por empresa que a PF aponta como sendo dele mesmo, e por qual motivo ex-assessoras de seu gabinete foram sócias da Arco.
Em nota, os advogados não responderam pontualmente as respostas, mas afirmaram que são "absurdas as ilações de que Juscelino tenha tido qualquer proveito pessoal com sua atividade parlamentar".
"Trata-se de mais um ataque na tentativa de criminalizar as emendas parlamentares, um instrumento legítimo e democrático do Congresso Nacional, enquanto não há absolutamente nada que desabone a atuação de Juscelino Filho no Ministério das Comunicações", afirma a nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
Os advogados também dizem que as "supostas mensagens, assim como ilações sobre empresa da qual nunca foi sócio, já constavam do relatório da PF usado na tentativa de fundamentar uma busca e apreensão em relação a Juscelino Filho". "E estas alegações já foram analisadas pelo STF, que inclusive rejeitou o pedido de cautelar feito pela PF."
Ao negar a busca e apreensão contra Juscelino, o ministro Luís Roberto Barroso, então relator do caso, afirmou que havia risco de "impacto institucional da medida", cujo dano poderia ser "irreversível".
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