SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A implementação de políticas na área de transparência no primeiro ano do governo Lula (PT) tem

caminhado em ritmo mais lento do que o esperado por organizações da sociedade civil que monitoram a implementação da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Na campanha eleitoral, Lula prometeu derrubar sigilos impostos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e voltar a fazer a LAI ser cumprida no país.

Passado um ano, a avaliação é a de que houve avanço em termos de discurso, inclusive com a criação de uma política de transparência, e diálogo, com a implementação de um grupo de trabalho específico no Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção, retomado em maio, no aniversário de 11 anos da LAI.

Apesar disso, houve questionamentos a sigilos impostos pelo próprio governo Lula, entraves ainda não superados e falhas atribuídas a questões técnicas, mas com impacto na falta de transparência ?como mostrou a Folha, a gestão petista ficou quase quatro meses sem divulgar dados do cartão corporativo da Presidência.

Lula também chegou a fazer em setembro uma defesa pública de sigilo de votos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), na contramão da Constituição, tornando-se alvo de críticas de especialistas e entidades.

Em maio, a CGU (Controladoria Geral da União) divulgou o resultado da reavaliação de 254 processos de sigilo da gestão Bolsonaro, apontando indícios do uso da máquina pública nas eleições presidenciais de 2022.

Também houve alteração do decreto que regulamenta a LAI para tornar obrigatórios enunciados divulgados pelo órgão.

"Por um lado a gente vê algumas normas e espaços sendo construídos e consolidados em direção da expansão de diálogo e fortalecimento da transparência, mas por outro ainda parece que há algo segurando para que isso se converta em ações concretas e resultados", diz a coordenadora de advocacy e pesquisa da Open Knowledge Brasil, Danielle Bello.

Um exemplo nesse sentido são as negativas indevidas de acesso à informação por conta da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que continuam a acontecer em diferentes pastas.

"A LGPD continua sendo um problema para nós e continuará sendo se não houver capacitação e clareza de discurso de cima para baixo de que não, a lei não é conflitante com o acesso à informação", afirma Kátia Brembatti, presidente do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, que reúne organizações da sociedade civil.

Em uma pesquisa com servidores do governo federal em 2022, a organização identificou que muitos deles têm receio de fornecer informações e serem enquadrados por descumprir a LGPD.

Bruno Morassuti, cofundador da agência Fiquem Sabendo, afirma que a organização já teve negativas para pedidos sobre infrações de militares, desmatamento ilegal e agendas da Presidência.

"Temos questões em que já houve a recomendação, revisão, mas no final nada de concreto aconteceu. Isso acaba sendo frustrante considerando que a gente tem todo um discurso de transparência no presente", afirma.

A diretora da Transparência Brasil, Marina Atoji, cita um levantamento feito pela organização sobre listas de TCI (Termos de Classificação de Informação) no Ministério da Saúde, Casa Civil e

na Secretaria de Relações Institucionais que eram desconhecidas pela CMRI (Comissão Mista de Reavaliação de Informações), última instância revisora da LAI.

"A CMRI tem um registro muito pobre da revisão dos sigilos e do registro da gestão deles, de quantos documentos ou quantas informações são classificadas em grau de sigilo", diz Atoji.

A CGU informou que o desencontro sobre esses dados está sendo enfrentado pela primeira vez por este governo e que será resolvido com o lançamento de um sistema desenvolvido com a Casa Civil para obrigar todos os órgãos e entidades do Poder Executivo federal a registrarem suas informações classificadas.

O caso mais emblemático citado pelas organizações é a falta de solução para a interrupção da divulgação de microdados das avaliações de ensino e levantamentos oficiais pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). A ausência de dados tem prejudicado pesquisadores na área da educação.

A CGU afirma acompanhar de perto o debate. Em setembro, a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) afirmou que o principal risco apontado pelo Inep é o de reidentificação de crianças e adolescentes a partir dos microdados e que foram propostas duas medidas para resolver a questão.

A primeira é a modificação da estrutura dos arquivos, para generalizar categorias e retirar informações que possibilitem a identificação de pessoas. A segunda é estabelecer o controle de acesso aos dados.

A secretária Nacional de Acesso à Informação da CGU, Ana Túlia de Macedo, diz que ainda não há previsão para que as mudanças sejam colocadas em prática, mas que em janeiro haverá uma reunião com o Inep para discutir o tema.

Ela afirma ainda que cerca de 2.300 servidores federais receberam formação neste ano sobre as novas diretrizes para aplicação da LAI. Em outra frente, a administração trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta com uso de inteligência artificial para que os enunciados sejam sugeridos aos profissionais na hora de responder os pedidos recebidos.

Em relação às negativas com base na LGPD, a CGU diz que busca identificar casos e temas em que a proteção de dados ainda é utilizada de forma equivocada e para estabelecer parâmetros para auxiliar os órgãos e entidades na análise dos casos concretos.

Nesse sentido, a Controladoria mantém canais de comunicação por email e telefone para solucionar dúvidas gerais de aplicação da LAI.

"A cada decisão aqui na CGU e a cada orientação que damos ao servidor que entra em contato com a gente, a gente vai dando segurança para os órgãos ficarem mais tranquilos na hora de fornecer informação, mesmo que o documento tenha um dado pessoal", diz Macedo.

A secretária acrescenta que, no começo do ano, o governo deve passar a usar uma ferramenta, desenvolvida pela Petrobras, para tarjar automaticamente dados pessoais sensíveis, com a expectativa de equalizar o problema em relação à LGPD.

"Se eu tenho em um contrato o endereço da pessoa, isso é um dado pessoal sensível, então preciso tarjar. Mas se é um servidor público, o salário dele está no Portal da Transparência e isso vai continuar público", diz.


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