SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ministro da Justiça, Flávio Dino, foi autor de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) quando era deputado federal que impediria Ricardo Lewandowski, ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal), de ser seu sucessor no cargo.
A indicação de Lewandowski para assumir a pasta foi anunciada nesta quinta-feira (11) pelo presidente Lula (PT), que também foi o responsável pela indicação do magistrado ao Supremo, em 2006. A ida ao governo ocorre nove meses após a aposentadoria dele da corte.
O texto apresentado por Dino na Câmara dos Deputados, em 2009, criava um mandato de 11 anos para integrantes do STF. Ao deixar a corte, seria necessário cumprir uma quarentena de três anos antes de assumir "o exercício de cargos em comissão ou de mandatos eletivos em quaisquer dos Poderes e entes da federação".
A PEC foi apensada a outra de teor semelhante na Casa, que segue até hoje em fase inicial de tramitação. A reportagem não conseguiu retorno sobre como o ministro avalia hoje o tema. Em fevereiro, Dino será empossado no STF.
Há divergência entre especialistas que estudam a corte sobre o efeito da ida de ex-integrantes do Supremo para o Executivo na imagem do tribunal.
Antes de Lewandowski, o último caso havia ocorrido há 17 anos, com Nelson Jobim, que assumiu o Ministério da Defesa no segundo mandato de Lula, em junho de 2007, pouco mais de um ano após se aposentar.
Outros dois exemplos ocorreram durante o governo de Fernando Collor. Em 1992, Célio Borja assumiu o Ministério da Justiça dias após deixar o STF. Antes de ingressar na corte, ele havia atuado na assessoria especial do presidente da República no governo de José Sarney.
Em 1990, Francisco Rezek deixou o STF para assumir o cargo de ministro de Relações Exteriores na gestão Collor. Em 1992, Rezek foi indicado por Collor para voltar à corte, algo inédito na história do tribunal.
Os casos dos ex-ministros ilustram como a ida de ex-integrantes do Supremo é algo raro no período pós-redemocratização. Já o movimento inverso, da ida de integrantes do Executivo para o STF, ocorreu com maior frequência, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Além de Dino, na atual composição da corte, os ministros André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e o decano Gilmar Mendes exerciam cargos no governo federal quando foram escolhidos para a corte.
Pesquisadora da corte e coordenadora do Núcleo de Estudos em Direito, Justiça e Sociedade da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a professora Fabiana Luci de Oliveira destaca que 15 de 21 ministros que se aposentaram de 1988 a 2018 foram atuar na advocacia privada, muitas vezes com os filhos que já advogavam.
"O desempenho da função de ministro do STF traz um grande acúmulo de capital jurídico e político, que acaba sendo transmitido pelos ministros em escritórios de advocacia", diz.
Para a professora, faria sentido pensar em quarentena apenas para ações que serão julgadas pelo Supremo.
O professor de sociologia do direito do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj Fernando Fontainha também não vê impedimento no caso de Lewandowski.
Um dos organizadores do livro "Os Donos do Direito: a Biografia Coletiva dos Ministros do STF (1983-2013)", ele avalia que o contrário, levar informações privilegiadas do Ministério da Justiça para o STF, apesar de frequente, é mais problemático.
Professor da FGV Direito SP e um dos coordenadores do grupo Supremo em Pauta, Rubens Glezer diverge. Ele classifica como problemática a existência de qualquer carreira com impacto público após a saída do tribunal.
"Você tem uma pessoa capaz de desequilibrar as relações de uma maneira desproporcional. É crucial pensar uma quarentena definitiva, uma aposentadoria obrigatória no valor integral para a pessoa que sai do STF não poder trabalhar."
O professor defende que a restrição também seja aplicada a familiares diretos de ministros. Sem essa mudança, Glezer afirma que há risco de se criar um cenário de desconfiança com a Justiça.
Professor de direito do Insper e autor do livro "O Supremo: entre o Direito e a Política", Diego Werneck acrescenta que a decisão do ministro de ir para o governo faz com que as decisões tomadas por ele no Supremo, especialmente em seus últimos meses, sejam vistas de forma diferente, além da possibilidade de influenciar outros integrantes da corte.
"Parece criar incentivos ruins para que os ministros decidam hoje pensando em como isso pode permitir que eles estejam mais bem posicionados para assumir uma indicação política lá na frente. É um problema de comportamento que prejudica a independência dos ministros e a percepção pública também de imparcialidade."
Doutorando pela escola de direito da Universidade Yale e pesquisador de direito constitucional, Thomaz Pereira acrescenta que a legitimidade é uma questão de percepção.
"Pode ser problemático que alguém que há pouco julgava casos de interesse do governo saia do tribunal e assuma um cargo no próprio governo. Idealmente deveríamos pensar na posição de ministro do STF como sendo o último cargo de alguém."
Durante os 17 anos em que ocupou uma vaga no Supremo, Lewandowski decidiu de forma favorável aos aliados de Lula em episódios de crise do partido, como no mensalão e na Lava Jato.
Para os especialistas, porém, o caso dele e do hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR), que deixou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (PL) são diferentes.
Werneck afirma que a única semelhança foi o fato de as decisões de Moro passarem a ser analisadas de modo diferente, mas que ele aceitou o cargo pouco tempo após ter tomado medidas com impacto eleitoral.
"No caso de Lewandowski, então, não apenas ele já havia sido indicado politicamente para o STF, como também há algum distanciamento no tempo entre a saída do e a posição nova. Não resolve totalmente o problema, mas atenua", diz.
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