SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As posições de Guilherme Boulos (PSOL) e de Lula (PT) na guerra Israel-Hamas levaram líderes da comunidade judaica a isolarem o pré-candidato a prefeito apoiado pelo presidente e rechaçarem o voto nele.

A resistência se dá principalmente entre aqueles que já tinham tendência a optar por um nome à direita e que expressam simpatia pela reeleição de Ricardo Nunes (MDB), que deve ter o apoio de Jair Bolsonaro (PL).

As restrições ao psolista se dão não apenas pelo discurso de Boulos, que historicamente defendeu a causa palestina e jamais qualificou o grupo Hamas como terrorista, mas também pela atuação do governo brasileiro no conflito, considerada por críticos como desequilibrada e com viés anti-Israel.

A percepção foi colhida pela reportagem em relatos feitos sob reserva por membros influentes, que ressalvaram, no entanto, o fato de haver pluralidade de visões e preferências dentro da comunidade. Judeus progressistas, por exemplo, dizem que devem apoiar Boulos mesmo com discordâncias pontuais.

Dos 120 mil judeus que vivem no Brasil, 65 mil estão na capital paulista, segundo estimativas de entidades da área.

As tensões eleitorais ficaram evidentes num ato em memória das vítimas do Holocausto realizado por entidades israelitas, no domingo (28), com a presença de Nunes e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). O prefeito fez acenos ao segmento e disparou indiretas contra o adversário.

Na chegada ao evento, ele afirmou que desde o ataque de 7 de outubro teve uma "posição muito clara contra o Hamas, contra aquele ato terrorista".

"Diferente de outros que defendem o Hamas e que têm de forma muito repetida colocado situações que são contrárias àquilo que a gente defende, que é [ser] contra o antissemitismo", emendou.

Durante a cerimônia, o presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), Claudio Lottenberg, saudou Nunes "já marcando compromisso para [ser] nosso convidado para o próximo ano".

Ricardo Berkiensztat, presidente-executivo da Federação Israelita do Estado de São Paulo, chamou Nunes de "amigo irmão" da comunidade e disse, antes de convidá-lo ao palco, que Lottenberg fez um convite antecipado para que Nunes "volte aqui ano que vem como prefeito de São Paulo".

"Vou começar dizendo que eu aceito, viu, Claudio?", iniciou Nunes, arrancando risadas do público. "Mas trata de trabalhar agora", cobrou, dirigindo-se a Lottenberg.

Procurado pela reportagem, o dirigente da Conib respondeu que "a comunidade judaica é plural, não tem qualquer alinhamento ou preferência partidária".

Ao fim do ato, Nunes foi questionado por jornalistas se espera receber o apoio da comunidade judaica e se havia se referido a Boulos. "Não, não espero receber o apoio. [...] O que tenho feito é deixar minha posição muito clara, e não ficar em cima do muro, esconder aquilo que ele [Boulos] defende, aquilo que ele participa", respondeu.

O pré-candidato do PSOL não mencionou o Hamas em sua primeira declaração sobre o conflito, no ano passado, o que lhe causou desgastes. A primeira consequência foi a perda de um auxiliar, o ex-secretário estadual de Saúde Jean Gorinchteyn, da gestão João Doria (ex-PSDB), que é judeu e deixou a coordenação das propostas para saúde.

Após o episódio, em outubro passado, o deputado federal voltou ao tema e condenou as ações do Hamas, mas também buscou responsabilizar Israel.

Lula também foi criticado por omitir o Hamas em sua primeira manifestação sobre a guerra. O petista atraiu mais descontentamento de parte da comunidade judaica por causa de falas posteriores e pela decisão de apoio do Brasil à denúncia contra Israel por genocídio na Corte de Haia.

A insatisfação atingiu o ápice com a fala em que o ex-deputado José Genoino (PT) defendeu o boicote a empresas de judeus pelo Brasil.

"Quando o Brasil faz comentários, não é governo, mas é um ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, e ele não é rechaçado pela estrutura de governo, isso abre uma prerrogativa. Quer dizer, pode falar o que bem entende", disse no domingo Lottenberg, que rotulou a afirmação como antissemita. "É frustrante ver líderes da envergadura daqueles que ocupam hoje o Poder Executivo e eles não se sensibilizarem."

Boulos foi o único dos pré-candidatos a prefeito que não comentou o episódio com Genoino, enquanto os demais expressaram repúdio e fizeram comparações com o nazismo.

Falando sob anonimato, um advogado judeu com trânsito em organizações que atuam na capital disse à reportagem que a soma de todos os fatores reforçou sua avaliação de que a comunidade judaica está cada vez mais distante de Boulos. Ele disse que, particularmente, trabalhará contra o nome do PSOL.

Embora o percentual de judeus no eleitorado seja pequeno, uma campanha de boicote a Boulos pode ter impacto sobre uma base maior, a de evangélicos, que tem se alinhado aos interesses de Israel no conflito.

A reportagem ouviu o relato de um membro da comunidade judaica que votou em Lula em 2022, na contramão de judeus bolsonaristas, mas está decepcionado com o que chama de posição antijudaica do governo.

A presidente da Congregação Israelita Paulista, Laura Feldman, afirmou que, quando o cenário eleitoral estiver definido, "a comunidade vai ter a clareza de analisar as propostas e o que é melhor para a cidade, independentemente da ideologia do candidato".

"Se um candidato tiver dois pesos e duas medidas em relação aos direitos humanos, isso vai pesar", disse.

O grupo Judias e Judeus pela Democracia São Paulo, que tem participantes que em 2020 declararam voto em Boulos para prefeito, diz que não discutiu ainda um posicionamento institucional para a eleição. A reportagem apurou que parte dos integrantes defende o psolista e entende que o diálogo com ele não está interditado. O elo de Nunes com Bolsonaro é visto por essa ala como um motivo para rejeitar o prefeito.

Em nota, o coletivo afirmou que seus membros querem ver à frente da prefeitura alguém comprometido com bandeiras como justiça social e direitos humanos, incluindo o combate ao antissemitismo.

Em grupos da comunidade judaica que reúnem empresários e formadores de opinião, de acordo com um participante conservador, Tabata Amaral (PSB) é citada por progressistas como alternativa a Boulos.

Fabio Wajngarten, que comandou a Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro e apoia Nunes, disse à Folha de S.Paulo que a comunidade judaica, da qual faz parte, não quer "o PT, o PSOL e o Boulos". Ele se refere a Genoino como "mais um personagem de esquerda que evidencia o antissemitismo".

"Eu sempre estive com Bolsonaro, que sempre foi o presidente mais amigo de Israel. E, no que depender de mim, vou pegar Nunes pelo braço e vou rodar a comunidade inteira", completou.

Procurada, a assessoria de Boulos enviou nota assinada por Josué Rocha, coordenador da pré-campanha.

"Reiteramos nossa condenação aos ataques terroristas perpetrados pelo Hamas, já manifestada no plenário da Câmara e em diversas outras declarações, assim como condenamos os ataques liderados pela coalizão de extrema direita de Benjamin Netanyahu que já vitimaram 7.000 crianças em Gaza", diz o texto.

A nota manifesta apoio à diplomacia brasileira "na busca por uma solução baseada no diálogo para pôr fim ao conflito" e à resolução da ONU que pede um cessar-fogo humanitário e a libertação dos reféns, bem como a solução de dois Estados.

"Condenamos veementemente todas as formas de antissemitismo e defendemos, como sempre fizemos, os direitos humanos. Seguimos ?como sempre estivemos? abertos ao diálogo."


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