BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Comandante do Exército em 2022, o general Freire Gomes afirmou em depoimento à Polícia Federal que as reuniões com o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus ministros sobre a possibilidade de desrespeitar o resultado das eleições se embasaram em interpretações do jurista Ives Gandra Martins sobre a Constituição.

Segundo ele, nos encontros eram expostas teses de Gandra sobre a "utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no artigo 142 da Constituição".

Freire Gomes disse à PF que expôs que "não havia possibilidade de utilização" do referido dispositivo constitucional conforme aventado nas reuniões. A tese de Ives Gandra é a de que um dos Poderes pode acionar as Forças Armadas quando estiver em conflito com outro Poder.

À reportagem o jurista afirmou que nunca defendeu ideias que permitissem qualquer tipo de ruptura institucional e que sua tese sobre o artigo em questão é de 1997.

"Minha interpretação é que, se um dia houver um conflito entre Poderes e um Poder pedir às Forças Armadas, nesse caso poderia, para aquele ponto concreto, específico, exclusivo, jamais para desconstituir Poderes, decidir. E eu dizia que era hipótese que nunca aconteceria", diz.

"A minha interpretação está claríssima, onde eu sempre disse que não poderia desconstituir Poderes. Claramente jamais numa Constituição democrática se admitiria a ruptura institucional."

O jurista também é citado em diálogo do coronel reformado Laercio Vergílio com Ailton Barros, capitão expulso do Exército que estimulava um golpe militar em conversas com Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

Em um áudio, o general da reserva afirma a Barros que é necessário fazer uma "operação especial" que seria responsável por manter Bolsonaro no poder, apesar da vitória eleitoral de Lula (PT).

Vergílio negou à PF que a ideia seria dar um golpe porque, na visão dele, esse crime só estaria configurado caso a mobilização ocorresse após a posse de Lula. Antes disso, seria apenas a defesa da Constituição.

"Esclarece que a chamada operação especial seria uma fase posterior e que tudo deveria ser realizado dentro da lei e da ordem embasado juridicamente com base na Constituição Federal, principalmente com os argumentos apresentados pelo jurista Ives Gandra Martins", diz relatório da polícia sobre o depoimento.

Vergílio disse que fez essa sugestão porque ele e Ailton estavam "preocupados" com a situação política do país.

A PF também relata que encontrou uma conversa do general reservada com o coronel Elcio Franco, que foi secretário-executivo do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro.

No diálogo, Franco culpa o Alto Comando do Exército por dificultar um movimento para impedir a posse de Lula.

Vergílio diz que não soube de nenhuma iniciativa de Franco para planejar um golpe, mas que, como residia em Brasília e conhecia muitos militares em posição de comando, "ele teria tentado através de seus contatos convencer o general Freire a acatar os argumentos jurídicos apresentados pelo jurista Ives Gandra".

Ele disse que, pelo que teve conhecimento, Franco chegou a mandar mensagens ao comandante do Exército "no sentido de aceitar os argumentos jurídicos propostos principalmente pelo jurista Ives Gandra para que a Constituição Federal fosse cumprida "e que "não seria nenhum golpe de Estado e sim a aplicação da lei".

Em outro áudio, ele afirma ao capitão expulso do Exército que mantinha contato com Cid que era necessário "continuar pressionando Freire Gomes para que ele faça o que tem que fazer".

Questionado, ele negou à PF que a ideia fosse pressionar o então chefe do Exército a dar um golpe. "A intenção era convencer o general de Exército Freire Gomes da constitucionalidade dos argumentos apresentados pelo jurista Ives Gandra Martins", disse à corporação.


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