Diogo Tourino de Sousa 28/8/2012

Corrupção, renovação e propaganda eleitoral

Urna eletrônicaQuando o Supremo Tribunal Federal decidiu que julgaria a Ação Penal nº 470, conhecida como o processo do mensalão, a partir de agosto deste ano, não fui o único a questionar sobre o impacto desse julgamento nas eleições municipais que se avizinham. O fato é que pressionada pela opinião pública, ou em razão da "heroica" vontade de algum dos seus membros, a corte suprema desencadeou agora, aos trancos e barrancos e assumindo todos os riscos, um processo que já se arrastava desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula. No caminho, teve que reorganizar seu calendário, agilizar os trâmites processuais e pressionar o revisor do voto do relator na casa, o ministro Ricardo Lewandowski, para que pudesse dar algum retorno sobre a matéria antes da aposentadoria do ministro Cezar Peluso, em setembro. Sem mencionar, é claro, a necessidade de superar entraves decorrentes de estranhas pressões nada republicanas oriundas de influentes personagens da política nacional, a quem não interessava o andamento da ação.

A polêmica e os riscos em questão radicam, precisamente, no contexto delicado no qual o STF resolveu agir: mais um ano eleitoral. Delicado, pois a justiça pode, dependendo de quando se realiza, ser "injusta", independente da decisão que produza. Ciente da polêmica desta afirmação, o que estou querendo dizer é que o STF, imune ao jogo eleitoral, pois seus ministros não são eleitos pelo voto popular e é importante que assim seja – já que seu papel é defender a Constituição e não qualquer interesse particular –, repentinamente parecia assumir o status de jogador decisivo na disputa eleitoral. Pois ao resolver julgar o escândalo do mensalão só agora, ele tornaria injusta a disputa nas urnas, conspurcando a imagem de alguns dos concorrentes antes mesmo da produção das sentenças. Foi isso o que motivou o descontentamento de alguns dos partidos políticos em cena, temerosos do possível impacto negativo causado pela recuperação dos episódios ocorridos em 2005, como podemos, por certo, observar na farta cobertura dedicada ao julgamento pela grande imprensa.

O escândalo em questão, nada incomum quanto o tema, a corrupção, emergiu nos noticiários à época tingindo de originalidade quanto aos atores: o até então impoluto Partido dos Trabalhadores. Desde que surgiu na década de 1980, o PT pautou sua efetiva oposição não só em projetos alternativos de país, mas também na distinção moral dos seus membros, em muito separados da carcomida elite política no poder. Hoje, porém, já é quase consenso de que a vitória de Lula em 2002 alterou não só esse traço distintivo, mas o quadro partidário como um todo, cindindo a esquerda que antes permanecia agrupada na legenda em alguns outros partidos, ou mesmo impondo, em nome do pragmatismo político, desconfortáveis alianças quando examinadas exclusivamente pela perspectiva histórica.

Não digo com isso que o partido de Lula se corrompeu ao chegar à presidência. Afirmo, apenas, que os imperativos práticos da administração pública, somados ao maquiaveliano – e nada condenável, em princípio – projeto de permanência no poder, cobraram do PT certas estratégias de ação que podem, talvez, explicar o que teria motivado aquilo que chamam de mensalão. Explicar, mas não justificar. Nesse sentido, já é uma vitória, do ponto de vista da consolidação das instituições democráticas no país, a simples ocorrência de um julgamento que tem como réus importantes membros da atual coalizão de forças no governo. Mas uma vitória que pode, em parte, atrapalhar (in)justamente quem nada tem a ver com a ação ora examinada pelo STF, conforme as suspeitas iniciais apontavam.

Basta lembrarmos que dos 38 réus do processo, apenas João Paulo Cunha é candidato este ano. Ele, que curiosamente tem sido considerado culpado pelo voto de quase todos os ministros, concorre, contra tudo e contra todos, nas eleições para a prefeitura de Osasco-SP. E não tem se saído bem, enfrentando forte rejeição do eleitorado na cidade e dentro do próprio partido, o que endossaria a tese, sustentada por alguns, de que a corrupção representa um tema determinante na decisão do voto, configurando o tardio julgamento do mensalão pelo STF como fator decisivo no pleito de outubro.

Mesmo não sendo os demais réus candidatos diretos, estão em julgamento partidos e coalizões com interesses em disputa. E mais: a Ação Penal no. 470 recupera, no desdobramento rotineiro de sua tramitação, fatos que convidam o eleitorado nacional a repensar a credibilidade de personagens e projetos constantemente mobilizados como apoiadores nestas eleições, sob a acusação negativa de corruptos. O PT, Lula e, por natural extensão Dilma, são bons exemplos disso. Convidam? Qual é, de fato, o impacto disso tudo nas eleições?

A julgar pelos números da pesquisa eleitoral realizada pelo IBOPE em agosto, recentemente divulgados, o processo em curso no STF tem sido pouco ou nada determinante, ao menos nas eleições em Juiz de Fora. Segundo o IBOPE, a candidata do PT, Margarida Salomão, aparece com 37% das intenções de voto, contra 22% de Bruno Siqueira (PMDB), e 17% de Custódio Mattos (PSDB). Sem medo de esconder sua filiação, Margarida também norteou seus primeiros programas de televisão, exibidos durante o horário eleitoral gratuito e nas inserções durante a programação desde a semana passada, com base na ampla vinculação do seu projeto aos bem-sucedidos exemplos de prefeituras administradas pelo PT, bem como inseriu as imagens de Lula e Dilma no cenário.

Outro elemento, ainda, me chamou atenção: a campanha de Margarida vem concentrando esforços na denúncia de carências da cidade, focando o descuido do atual governo em pontos dramáticos, como a saúde, por exemplo, o que sugere, a meu ver, quais são os temas decisivos no pleito municipal. Tal estratégia é igualmente justificada pela pesquisa do IBGE, em vista da enorme rejeição de Custódio Mattos: 51% dos eleitores afirmam não votar nele de jeito nenhum, e 62% desaprovam o modo como ele vem administrando a cidade. E isso tudo há menos de dois meses para a realização das eleições, data em que a pesquisa foi feita, encurtando o tempo hábil para a reversão de quadros desfavoráveis e aparentemente consolidando estratégias a serem seguidas pelos contendores.

Prova disso é que Margarida não está isolada nessa estratégia, acompanhada por Bruno Siqueira e sua "moderna" propaganda eleitoral. Jovem e sempre "ouvindo" os cidadãos, Bruno faz coro com a candidata do PT ao concentrar seus esforços na denúncia dos problemas enfrentados pela cidade, manifestando, da mesma forma, os temas que permeiam as disputas nos municípios brasileiros. Ambos, Margarida e Bruno, assemelham-se, sobretudo, na forma: as ruas. Sempre filmados em tomadas externas, conversando com pessoas simples, aparentemente reais, suas propagandas utilizam de poucos atores. Algo que sugere, em parte, a distância do atual prefeito em relação aos moradores dos bairros periféricos e seus problemas concretos.

Já Custódio Mattos vem caindo nos erros previstos. Seu programa utiliza encenações em demasia, com textos decorados por atores e uma imagem excessivamente artificial e distante. O prefeito aparece em estúdio, simpático, mas distante. Visto no contraste, é como se não houvesse pessoas concretas numa peça publicitária fria e racional. Ao mesmo tempo, Custódio não se esquiva do enfrentamento de críticas e da análise de seu governo, enaltecendo feitos, como o restaurante popular, por exemplo. Se, por um lado, ele parece não se esquivar do bochicho que campeia nas ruas da cidade, por outro, incorre em algumas armadilhas manjadas.

Isso não significa, porém, que Custódio é carta fora do baralho, nem que a eleição está decidida. Ao contrário: a eleição está apenas começando e Custódio é um dos jogadores. E falo isso não apenas mobilizando seu retrospecto em 2008, quando saiu quase derrotado no primeiro turno e sagrou-se, ao final, vencedor numa disputa direta com a mesma Margarida. Seguramente, seu desafio hoje é maior. Mas ele tem a seu favor dois elementos importantes. Primeiro, Margarida Salomão, melhor colocada nas pesquisas, utilizou, de saída, seus maiores trunfos: Lula e Dilma. Malgrado o julgamento em curso no STF, amplamente noticiado pela mídia com enfoque nos "culpados" e não nos dilemas estruturais, a candidata do PT ousou e acertou ao não esconder sua filiação. No entanto, ainda teremos pouco mais de um mês de campanha e seu discurso corre o risco de descambar para a crítica ao atual prefeito, o convidando para um embate direto num momento em que poderia apenas administrar sua dianteira.

Segundo, Bruno Siqueira é jovem. Muito jovem. Sua aparência sugere, na medida em que a exposição aumenta, certa inexperiência para a administração municipal. Mesmo contando com um excelente programa eleitoral, dinâmico e bem executado – praxe do PMDB também na última eleição –, Bruno precisa convencer o eleitorado de que será capaz de sustentar um governo renovado, numa cidade que lida mal com esse tema. Assim como a corrupção, a renovação parece ser um assunto perto, mas ao mesmo tempo distante na hora de decidir o voto.

Paradoxo curioso, assistimos diariamente nos noticiários denúncias sobre escândalos de corrupção e gestamos, com graus variados de indignação, a opinião de que esse é o nosso maior mal. Ainda assim, a corrupção não é, conforme correto argumento do colega Paulo Filgueiras, arguto estudioso do tema, fator decisivo nas eleições brasileiras. São fartos os exemplos de políticos notoriamente corruptos, muitos beneficiados pelo artifício da renúncia para escapar da cassação, alguns deles, inclusive, já condenados pela justiça, que, a despeito disso, são eleitos. Na cidade temos exemplos próximos, como o do ex-prefeito Alberto Bejani, que vem enfrentando obstáculos impostos pela lei da "ficha limpa" – alvissareira inovação institucional neste aspecto –, mas que conseguirá 10, 15 ou, quem sabe 20 mil votos para vereador, marca histórica, caso emplaque sua candidatura.

Bejani mobiliza, também, o segundo interessante paradoxo das eleições, agora exclusivamente na cidade: a renovação. Reverberado a cada ano eleitoral, o tema da renovação das elites políticas locais não tardou a reaparecer também em 2012. Agora, no entanto, em chave contrária: Bejani, ainda que de maneira brejeira, invoca o "bejanismo" numa desesperada tentativa de sobrevida política; Margarida convida, ao lado de Lula e Dilma, Tarcísio Delgado, de quem, aliás, foi secretária de governo em administrações passadas e quem, no presente, se desvinculou do partido ao qual pertencia, o PMDB, para associar o "tarcisismo" ao PT; Custódio, naturalmente, sustenta a experiência como trunfo; e mesmo Bruno, o mais jovem, que poderia encarnar o "novo" sem maiores problemas, convida o "velho", a tradição, personificada na imagem de Itamar Franco, como aval de confiança.

Tão perto, tão longe das eleições na cidade, corrupção e renovação conformam a largada da propaganda eleitoral: o primeiro ausente, o segundo também. Não sei até quando. Mas algo já podemos dizer: se de fato Lula tentou, lá atrás, exercer alguma pressão sobre o STF – conforme estranha reclamação do ministro Gilmar Mendes –, com o objetivo de adiar o julgamento do mensalão, receoso do impacto que isso teria nas eleições municipais, pelo menos em Juiz de Fora foi "muito barulho por nada". Margarida Salomão conserva razoável dianteira e não esconde, na forma e na matéria, o PT em sua propaganda.

Seus principais oponentes, por sua vez, têm diante de si um dramático cenário: o embate entre ambos, mirando o lugar num eventual segundo turno, pode, quem sabe, encerrar a eleição antes do tempo. E nesse embate, a renovação será assimilada de maneira tênue, pois Custódio não a quer, e Bruno a "teme". O começo está aí. O final disso tudo, só em outubro.

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Diogo Tourino de Sousa é cientista político, professor na Universidade Federal de Viçosa (UFV).

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