Artigo: Tecnologia, Direito e Políticas Públicas

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Daniela Ol?mpio 21/01/2008

Tecnologia, Direito e Pol?ticas P?blicas

J? se tornou muito conhecido o r?tulo "era do conhecimento" para designar o contexto s?cio-econ?mico global que envolve inova?es tecnol?gicas como alavanca para o desenvolvimento. As tecnologias se sobrep?em as demais atividades no que se refere ?s divisas mercadol?gicas, justamente em raz?o das inova?es produzidas. Dominando o conhecimento, conquista-se o poder. O ciclo econ?mico de hoje n?o ? mais o do a?car, do ouro, do caf? ou da ind?stria, mas o do conhecimento.

E, como nos ciclos de outrora, o esfor?o individual ? impercept?vel perto do que poderia ser atrav?s do planejamento estatal. Em tempos atr?s, optou-se por usufruir a produ??o tecnol?gica importada de outros Estados e, hoje, tenta-se correr atr?s do preju?zo, j? que ficaram todos acomodados ? compra, em detrimento da inova??o pr?pria. Da? a propriedade industrial brasileira encontrar-se em sens?vel desvantagem em rela??o ao resto do mundo desenvolvido, onde a comercializa??o de patentes gera divisas. Torna quest?o de sobreviv?ncia a defini??o de uma pol?tica p?blica para o setor tecnol?gico.

A op??o pol?tica ? passo preliminar e decisivo para o meio ambiente tecnol?gico que vai se formando com sustentabilidade. Op?es, como o que ? patente?vel, o que ? modelo de utilidade, como facilitar os procedimentos para um dep?sito de patente, enfim, s?o essenciais, principalmente se existe a busca pela sincronia com o sistema global. A partir destas escolhas pol?ticas, o Poder P?blico pode mensurar o alcance de um desenvolvimento econ?mico naquele Estado.

Cuidar da propriedade industrial de um pa?s ? "garantir a transfer?ncia para a sociedade do conhecimento produzido com o desenvolvimento tecnol?gico e econ?mico do Pa?s" . Trata-se da chamada fun??o social da propriedade. Certamente, adotar uma pol?tica de direitos de propriedade intelectual compat?vel com a realidade e necessidade brasileiras contribui para o fomento do desenvolvimento nacional. Basta, portanto, que o Estado conhe?a, estude e reconhe?a suas potencialidades no setor da produ??o do conhecimento.

O desenvolvimento econ?mico de um Estado n?o se opera de forma desordenada, j? constatou a hist?ria e a ci?ncia. Por mais que haja potencial e esfor?os de setores isolados de uma sociedade, com vistas ao melhoramento tecnol?gico e sucesso empresarial face ao mercado, inevitavelmente o crescimento de tal setor e, reflexamente, o desenvolvimento de toda uma regi?o ou Estado, esbarrar?o em ?bices politico- institucionais.

Tomadas de decis?o singulares - libera??o; facilita??o; proibi??o; monopoliza??o etc. - que, certamente, imp?em a devida e pr?via inser??o pol?tica no cen?rio econ?mico, representam o grande diferencial neste sistema estrategista globalizado.

A empresa "Estado" ? projetada neste contexto. Sequer ? cogitado o velho paternalismo. Trata-se de "posicionamento", de pol?tica p?blica para o desenvolvimento sustent?vel tamb?m nas inova?es tecnol?gicas empresariais e institucionais, com todas as vantagens econ?micas delas decorrentes, seja para a micro e macroeconomias.

Para n?o virar chav?o pol?tico, o desenvolvimento econ?mico de um Estado exige a?es. A livre iniciativa, por si s?, n?o contribui para o desenvolvimento sustent?vel, ao contr?rio, desequilibra rela?es sociais, importando em in?meras a?es paralelas e socorristas muito mais desgastantes, pelo imediatismo, do que proje?es f?rteis. Tamb?m n?o se insinua, aqui, o totalitarismo econ?mico, finalisticamente intervencionista e monopolizador, onde o Estado furta da iniciativa privada toda sua fun??o, controlando e impondo o modus operandi empresarial. Fala-se em equil?brio pautado numa respons?vel pol?tica p?blica.

Sabiamente, a Constitui??o Brasileira de 1988 definiu a base da agenda estatal junto ao setor produtivo. Como objetivo fundamental do Estado destacou a "garantia do desenvolvimento nacional" (inc. II, art. 3?), onde "garantia", l?-se "garantia" - ? importante destacar que n?o h? qualquer m?todo interpretativo que se sobreponha ao significado literal de dispositivos.

Portanto, deve o Estado segurar, cau?ar, afian?ar o desenvolvimento nacional. N?o est? a norma a dizer que o Estado ser? espectador de um desenvolvimento, que torce para que venha, e deseja o melhor para a na??o. Est? a Constitui??o a impor que o Estado deve garanti-lo, isto ?, atuar positivamente para que se processe o desenvolvimento nacional.

N?o p?ra por a?. A Constitui??o ainda normatiza a quest?o ao tratar "Dos Princ?pios Gerais da Atividade Econ?mica" (Cap?tulo I, T?tulo VII, CF/88), estatuindo que a ordem econ?mica ser? fundada na livre iniciativa com a finalidade de assegurar a todos exist?ncia digna conforme os ditames da justi?a social (art. 170, caput), exortando, para tanto, princ?pios norteadores desta atividade, como, dentre outros, a soberania nacional, a propriedade privada, a fun??o social da propriedade, a livre concorr?ncia e a redu??o das desigualdades regionais e sociais (art. 170, incisos).

Significa dizer que a livre concorr?ncia, a livre iniciativa ? preservada e incentivada neste territ?rio brasileiro, mas esta concep??o vir? sempre atrelada ? sua finalidade, qual seja a de garantir exist?ncia digna a todos, conforme o estabelece a justi?a social. A propriedade ? resguardada, mas por ela ? cobrado que se cumpra fun??o social, tudo em conson?ncia com a soberania nacional e a redu??o das desigualdades sociais.

No que se refere ? concess?o de patentes, por exemplo, o objetivo sempre ser? o desenvolvimento econ?mico e tecnol?gico, desde que atendidas as necessidades sociais do Brasil. Aqui se compreende a famigerada "quebra de patentes" - que nada mais ? do que uma decis?o pol?tica do Estado que, pautado em normas constitucionais de prote??o ? finalidade social da propriedade, resolve revogar, no seu territ?rio, uma concess?o de explora??o de patentes, outrora conferida com base nos requisitos legais.

Ainda no mesmo Cap?tulo da Constitui??o, do Estado ? exigida atua??o como agente normativo e regulador da atividade econ?mica, que exer?a as fun?es de fiscaliza??o, incentivo e planejamento (Art. 174). E no Cap?tulo IV, tamb?m do T?tulo VII, que disp?e sobre a "Ci?ncia e Tecnologia", foi determinado que o Estado "promover? e incentivar? o desenvolvimento cient?fico, a pesquisa e a capacita??o tecnol?gicas" (art. 218), definindo por pesquisa tecnol?gica aquela voltada "para a solu??o dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional" (? 2?, art. 218). Destaca-se, ainda, que ser?o apoiadas e estimuladas "as empresas que invistam em pesquisa, cria??o de tecnologia adequada ao Pa?s" (? 4?, art. 218). Por fim, este Cap?tulo estabeleceu que:

Art. 219. O mercado interno integra o patrim?nio nacional e ser? incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e s?cio-econ?mico, o bem-estar da popula??o e a autonomia tecnol?gica do Pa?s, nos termos de lei federal.

Os dispositivos supra interagem sobremaneira com aqueloutro, de natureza tamb?m constitucional, que versa sobre propriedade intelectual. A autonomia tecnol?gica do Pa?s e o conseq?ente desenvolvimento nacional somente ser?o proporcionados a partir de uma pol?tica p?blica de controle de mercado relacionada ao setor da Propriedade Intelectual, dentre outras a?es.

Com efeito, dentre os direitos fundamentais relacionados ? propriedade intelectual, e que partem de uma interpreta??o sistem?tica com todos os demais dispositivos aqui j? citados, est?o o que assegura aos autores de inventos industriais "privil?gio tempor?rio para sua utiliza??o, bem como prote??o ?s cria?es industriais" (inc. XXIX, art. 5?, CF/88), e, ainda, o que assegura aos autores o direito exclusivo de utiliza??o, publica??o ou reprodu??o de suas obras (inc. XXVII, art. 5?, CF/88).

H?, portanto, garantia constitucional de um monop?lio econ?mico, seja cientifico ou tecnol?gico, ao seu inventor/autor. A este ? assegurada "a fatia do bolo", que ser? concedida nos limites constitucionais e legais de forma a contribuir para o crescimento de todos, ainda que pare?a um contra-senso - um monop?lio na explora??o da titularidade de uma descoberta tecnol?gica ser? incentivado e tutorado ? medida que tal invento seja posto ? disposi??o de toda uma coletividade para sua usufrui??o.

Por se tratar de um instrumento de exce??o, face ao princ?pio norteador da livre iniciativa e da livre concorr?ncia, a constru??o dos mecanismos jur?dicos para a garantia de explora??o tecnol?gica pelo autor/inventor dever? sempre vir acompanhada de uma pr?via pol?tica p?blica que contemple os princ?pios constitucionais e seus limites.

Certamente, trouxe a Constitui??o Brasileira de 1988 um s?bio arcabou?o de princ?pios jur?dicos definidores da finalidade p?blica, no qual a atividade pol?tica n?o s? pode como tem o dever de se pautar, e com seguran?a, quando da constru??o de seu planejamento estatal voltado para a economia e desenvolvimento tecnol?gico.

Importante enfatizar este papel da Constitui??o como autoridade soberana no mercado, nas rela?es internacionais, nas pol?ticas p?blicas, na tecnologia, na inova??o e na propriedade intelectual que se pretende destacar. N?o se trata de simples lei, ou de um documento para nortear com bons prop?sitos a atividade p?blica. A Constitui??o, como o nome o sugere, ? o estatuto supremo de um Estado, que o constitui e o organiza, tra?ando normas, diga-se coercitivas, para obrig?-lo com a?es, seja negativa ou positivamente. Tamb?m se dirige ao particular, lhe garantindo direitos e deveres, seja para com o Estado, seja para com outros particulares.

Em se tratando de economia, j? ? assente o fato de que n?o se pode almejar um desenvolvimento nacional sem que se processe a inser??o global das inova?es tecnol?gicas. A Constitui??o brasileira, para tanto, imp?s um prop?sito internacional para o Estado: "Art. 4? - A Rep?blica Federativa do Brasil rege-se nas suas rela?es internacionais pelos seguintes princ?pios:

(...)

V- igualdade entre os Estados".

Se se relacionar este dispositivo com outro da Constitui??o que define como objetivo do Estado garantir o desenvolvimento nacional , refor?ada est? a necessidade de se consagrar pol?ticas p?blicas de inser??o econ?mica no mercado internacional, em condi?es de sustentabilidade. N?o s? uma pol?tica de desenvolvimento tecnol?gico que ressalve as necessidades e prop?sitos nacionais, mas ainda, que se considere a pol?tica externa de equival?ncia soberana entre os Estados.

Cumpre ressaltar, por?m, que a integra??o competitiva tra?ada pelos textos normativos nacional e internacionais, a par de compreender os esfor?os de fomento ? inova??o tecnol?gica em p? de igualdade, deve, necessariamente, tratar do tema da propriedade intelectual que, em propor?es maiores, exige defini??o de pol?tica igualit?ria internacional. A t?tulo de compara??o, as pesquisas t?m demonstrado que a op??o do Brasil pela produ??o cient?fica em detrimento da participa??o tecnol?gica ? significativa, devendo ser considerada esta rela??o :

1. Tabela: Rela??o do percentual de patentes e de publica?es indexadas por Estados.

Brasil EUA U.K. Alemanha Fran?a It?lia Israel Cor?ia Jap?o
% artigos 1,2 33,6 7,5 6,7 5,2 2,9 1,0 1,0 8,8
% patentes EUA 0,06 54,13 2,33 7,01 2,96 1,31 0,32 0,79 22,67
% art.| % pat 20,00 0,62 3,22 0,96 1,76 2,22 3,13 1,26 0,39

Essa realidade ? sentida pelas empresas brasileiras que alocam pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento, poucos doutores e mestres nos quadros de pessoal, ausentando-se, no ambiente, a cultura da propriedade intelectual. Situa??o semelhante ? vivenciada pelas universidades brasileiras que, devido a resist?ncias de car?ter ideol?gico e falta de regulamenta??o interna, n?o exploram a cultura de propriedade intelectual. Por parte do governo, verifica-se que a inova??o tamb?m n?o ? uma prioridade real, em raz?o da aus?ncia de defini??o de uma pol?tica p?blica - h? legisla?es pouco eficientes de apoio ? transfer?ncia de tecnologia, sem esquecer do marco econ?mico pouco favor?vel.

Torna-se inevit?vel, neste contexto, realizar mudan?as. A competitividade global, principalmente a partir da liberaliza??o dos mercados, entre fus?es e aquisi?es, surgimento dos blocos de com?rcios, preocupa?es com o meio ambiente, menor protecionismo e, principalmente, as descontinuidades tecnol?gicas, enfim, tais fatores trouxeram a necessidade de que o Estado se organize para atuar positivamente no mercado.

No Brasil, a pesquisa ? realizada em centros p?blicos, ao contr?rio de Estados estrangeiros, com grande percentual de empresas inovadoras no setor tecnol?gico. Sendo o saber a atividade-fim das universidades, que vivenciam a pesquisa integralmente, o crescimento econ?mico brasileiro merece pautar n?o apenas em atividades mercantis da iniciativa privada, ou mesmo da explora??o dos recursos naturais presentes na geografia, mas, principalmente, na conjuga??o destes indicadores, interagindo mercado e universidades.

A necessidade brasileira propiciou o surgimento da Lei 10.973, de dezembro de 2004, conhecida por lei de inova??o, que disp?e sobre incentivos ? inova??o e ? pesquisa cient?fica no ambiente produtivo, considerando as "Institui?es Cient?ficas e Tecnol?gicas" (ICTs) como "?rg?o ou entidade da administra??o p?blica que tenha por miss?o institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa b?sica ou aplicada de car?ter cient?fico ou tecnol?gico" (art. 2, V). (grifo nosso).

Buscou a lei de inova??o estimular a constru??o de ambientes especializados e cooperativos de inova??o com a participa??o das ICTs, inclusive incentivou a forma??o de alian?as regionais e a cria??o de redes interuniversit?rias, viabilizando a coopera??o e troca de experi?ncias, al?m da circula??o de informa?es; buscou fomentar a inova??o nas empresas, pouco exercida no Brasil; e apoiar o inventor independente.

Objetivou, portanto, promover a autonomia tecnol?gica e desenvolvimento industrial brasileiros, fomentando descobertas e sua transfer?ncia ao mercado, atendendo finalisticamente o bem comum. Representa ela uma grande conquista para as institui?es de pesquisa brasileiras porque institui uma pol?tica de inova??o de ordem nacional - a institui??o de pesquisa, que mant?m rela?es estritas com a ind?stria, passa a receber fomentos, desenvolvendo mais pesquisas e, por conseguinte, beneficiando a sociedade atrav?s de seus novos produtos e servi?os.

Diversos os fatores que contribuem para o avan?o tecnol?gico de um Estado. Certamente, todos eles s?o potencializados se integrantes de uma pol?tica p?blica de inova??o tecnol?gica. O esfor?o individual ? v?lido e necess?rio para a sua economia, refletindo externamente. J? a condu??o para o bem-estar coletivo ultrapassa quaisquer esfor?os setoriais, sendo necess?ria uma dire??o, como tem demonstrado a experi?ncia internacional. E se a quest?o ? de inclus?o tecnol?gica, a informa??o ? medida imprescind?vel.


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