O vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), é uma doença que ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo. Em Minas Gerais, até novembro de 2023, foram notificados 3.601 casos da doença, o que representa uma melhora significativa em comparação aos dois últimos anos, quando 2022 registrou 4.751 casos e 2021 constou 4.628. Juiz de Fora, proporcionalmente, também apresentou um índice de queda nos casos em relação aos últimos dois anos. Até junho deste ano, foram registrados 43 casos; em 2022, somaram-se 99, e em 2021, 94, segundo dados levantados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Neste mês, é comemorado o "Dezembro Vermelho", marco que representa a luta contra o vírus HIV, a Aids e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), chamando a atenção para a prevenção, assistência e proteção dos direitos das pessoas infectadas com o vírus. Nos últimos dez anos, o Brasil registrou uma queda de 25,5% na mortalidade por Aids. Apesar dessa redução, cerca de 30 pessoas morreram de aids por dia no ano passado.
Sobre o vírus
Segundo o Ministério da Saúde, o HIV pode ser transmitido por meio de relações sexuais (vaginais, anais ou orais) desprotegidas (sem camisinha) com pessoa soropositiva, ou seja, que já possui o vírus, pelo compartilhamento de objetos perfurocortantes contaminados, como agulhas, alicates, entre outros. A transmissão também pode ocorrer de mãe soropositiva, sem tratamento, para o filho durante a gestação, parto ou amamentação.
Quando ocorre a infecção pelo vírus causador da AIDS, o sistema imunológico começa a ser atacado. Ainda conforme o órgão de saúde, é na primeira fase, chamada de infecção aguda, que ocorre a incubação do HIV, que é o tempo da exposição ao vírus até o surgimento dos primeiros sinais da doença, variando de 3 a 6 semanas. O organismo leva de 8 a 12 semanas após a infecção para produzir anticorpos anti-HIV. Os primeiros sintomas são muito parecidos com os de uma gripe, como febre e mal-estar; por isso, a maioria dos casos passa despercebida.
A partir do diagnóstico, a pessoa precisa iniciar o tratamento, pois, embora a doença ainda não tenha cura, existem muitos avanços científicos que possibilitam uma boa qualidade de vida para aqueles que possuem o vírus. O tratamento inclui acompanhamento periódico com profissionais de saúde e a realização de exames. A pessoa só iniciará o uso dos medicamentos antirretrovirais, que buscam manter o HIV sob controle, quando os exames indicarem a necessidade.
Da descoberta ao tratamento
Há sete anos, quem recebia o diagnóstico do HIV era Guilherme Freire, que aos 22 anos ouviu a frase: “Você tem HIV.” A partir daquele momento, ele relata que uma parte dele morreu, mas que, curiosamente, não doeu. “Eu não derramei uma lágrima sequer. Eu fui forte, a despeito de minha própria falta de crença na minha força.”
Isso porque, apesar de identificar que o diagnóstico de uma doença crônica é um momento angustiante, e que, no caso do HIV, é uma condição que ainda sofre muito estigma, Guilherme possuía informação o suficiente para saber que é possível viver bem com HIV, o que tornou isso “um pouco” mais leve.
Inicialmente, ele escolheu não compartilhar essa informação com ninguém, nem mesmo com sua família. Devido ao preconceito em torno da doença, é possível que pessoas vivendo com o HIV sintam medo de compartilhar seu diagnóstico devido à possível reação das outras pessoas. “Quando me senti à vontade para falar com minha família, fui muito bem acolhido. Tenho um parente que vive com HIV há mais de 10 anos e também tem a sorologia aberta. Acho que isso ajudou bastante, tanto na minha aceitação, quanto na aceitação da minha família quanto ao diagnóstico”, relata.
Para Guilherme, que desde o diagnóstico segue o tratamento de maneira adequada, a medicação tem sido tranquila, e ele percebe que hoje em dia os medicamentos têm menos efeitos colaterais do que os remédios mais antigos. “Muita gente ainda tem aquelas imagens de pacientes com lipodistrofia, o corpo deformado, por conta da medicação pesada, vários remédios, mas hoje em dia a realidade é muito diferente. Eu, por exemplo, comecei o tratamento com apenas um comprimido por dia.”
Preconceito nas ruas e nos consultórios médicos
Pessoas que convivem com o HIV/Aids podem enfrentar o estigma e a discriminação devido à sua associação a esse grupo, algo que pode influenciá-las na decisão de revelar sua condição ou de iniciar o tratamento com profissionais de saúde.
Apesar do preconceito não atravessar Guilherme, ele relata que já ouviu frases preconceituosas de terceiros: “Teve uma época em que eu dividia apartamento com uma amiga e ela contou para uma pessoa da família dela que eu vivo com HIV e que falo abertamente sobre isso. Essa pessoa indagou: ‘Mas você divide copo e talher com ele? Não tem receio?’”
Esse comentário desponta não apenas um estigma, mas também a falta de conhecimento dos fatores transmissíveis e não-transmissíveis da doença. Entre os atos que não transmitem a Aids estão: sexo com camisinha, beijo no rosto ou na boca, suor e lágrimas, picada de inseto, aperto de mão ou abraço, e o uso de sabonete, toalha, lençóis, talheres, copos, assento de ônibus, piscina e banheiro.
Outro local em que os soropositivos podem sofrer discriminação é no ambiente médico, lugar em que eles deveriam receber o apoio necessário para dar início ao tratamento. Guilherme reconhece que sempre teve uma boa relação com sua médica, mas, pelos relatos que recebe na rede de jovens em que faz parte, essa não é a realidade para grande parte das pessoas. “Recebemos muitos relatos de profissionais de saúde que não tem um atendimento humanizado. A culpabilização pelo diagnóstico ‘quem mandou não se cuidar?’, ou coisas do tipo, infelizmente ainda é muito presente.”
Ao discorrer sobre esse fator, ele explica que o momento do diagnóstico é delicado, e passar por uma situação dessas faz com que muitas pessoas nem sequer iniciem o tratamento: “A falta de informação, o atendimento engessado, tudo isso também faz com que muitos pacientes abandonem o tratamento. Hoje a gente já sabe que pessoas que vivem com HIV e se tornam indetectáveis deixam de transmitir o vírus através do sexo. Diversos órgãos de saúde, como a própria OMS [Organização Mundial da Saúde], incentiva os profissionais de saúde a comunicar isso aos pacientes, tirando parte do receio de transmitir para outras pessoas e fazendo com que essas pessoas se engajem no tratamento. No entanto, muitos profissionais não só não falam isso para os pacientes, como colocam em cheque esse fato, que é notório e conhecido, resultado de pesquisas feitas há anos.”
Sobre isso, o médico infectologista Marcos Moura acredita que esse preconceito nos consultórios médicos é incorporado através dos julgamentos que a própria sociedade faz. A doença, que já existia na África, ganhou lente quando chegou aos Estados Unidos, levando muitas pessoas à morte de forma abrupta e debilitada. “Então, isso foi tão arraigado que até hoje a gente traz isso como memória afetiva da doença, associando à pessoas famosas que morreram de HIV. Mas a doença é controlada com medicamentos, e a pessoa vive uma vida normal, saudável, pode ter filhos, pode casar e não ficar mais doente.”
Para que as pessoas diagnosticadas tenham uma boa recepção dos próximos passos, na medida do possível, o atendimento humanizado se torna “extremamente importante”, explica Moura. “As doenças que implicam vulnerabilidade têm relação com tanto aspecto social, econômico, educacional ou físico, que podem gerar uma dificuldade da relação médico-paciente. Então, o médico tem que ter mais empatia e ser mais humanizado para compreender que aquela vulnerabilidade leva a doença. E, às vezes, o paciente, diante das doenças sexualmente transmissíveis, no caso o HIV, pode se sentir culpado pela situação. E, na prática, a culpa não existe. Ele é uma pessoa que foi vulnerabilizada em algum momento e se contaminou.”
O infectologista aborda, ainda, que o HIV carrega o estigma da sexualidade e da relação sossexual. Por causa disso, muitas pessoas são culpabilizadas como se fossem promíscuas. Além disso, no diagnóstico, a pessoa pode ter várias dúvidas, como saber se vai morrer, se vai conseguir ter filhos, “e tudo isso é contornável, mas o fundamental nesse primeiro dia é o acolhimento [...] A ideia é sempre essa, socorrer e ajudar.”
A importância de falar abertamente sem peso e nem culpa
Dois anos após a descoberta de Guilherme, no dia 1º de dezembro de 2018, no Dia Internacional da Luta Contra a Aids, ele decidiu publicar uma carta aberta revelando o HIV para a sua comunidade do Facebook. Sua decisão partiu do desconforto em estar no lugar de segredo e medo: “Eu escondia os meus medicamentos, colocava num pote fingindo que era suplemento. Ficava com muito receio quando ia buscar minha medicação, ou mesmo fazer meu tratamento. Receio de ser visto, reconhecido.” Então, ele passou a se questionar o porquê desse medo, se ele estava apenas cuidando da própria saúde. “Isso não me torna’ menos’ do que ninguém.”
Em sua declaração, ele versa sobre suas dúvidas, medos, incertezas sobre o futuro, mas também fala sobre a necessidade do respeito: “Eu não quero pena, nem palavras de consolo e muito menos olhares consternados de quem está vendo alguém condenado à morte. Eu quero respeito. E compreensão.”
Ao contrário do que esperava, ele foi compreendido e acolhido. A partir disso, começou a se engajar politicamente e atualmente faz parte da Rede de Jovens e Adolescentes vivendo e convivendo com HIV/AIDS de Minas Gerais. “Comecei a participar de palestras e eventos falando sobre o tema. Entrei na Rede Nacional. Conheci muita gente, muitas histórias. Atualmente, por conta desse trabalho de ativismo, faço parte do Conselho Consultivo de Pacientes da Pfizer, uma iniciativa pioneira que tem o objetivo de trazer o ponto de vista dos pacientes que vivem com condições crônicas para trazer melhorias para a indústria farmacêutica. Falar abertamente também me trouxe muito mais segurança. Hoje o HIV não tem 1% do peso que teve no momento do diagnóstico. Também tenho a oportunidade de ajudar as outras pessoas, que ainda estão num momento mais vulnerável.”
Ao finalizar a carta, há cinco anos, Guilherme, que ainda se descobria e se entendia, escreveu: “Hoje é Dia Internacional da Luta Contra a AIDS e eu acho que fica mais fácil entender essa luta quando você conhece alguém que está passando por ela. Então, quando pensar em alguém soropositivo, esquece aqueles estereótipos dos filmes do advento da AIDS e lembra de mim. Até porque quem tem HIV, pode nunca ter AIDS. Se nunca ouviu falar de termos como indetectável, HIV, soropositivo, sorologia e afins, podemos bater um papo. Acho que informação não faz mal, até porque ninguém está imune a isso. Se isso é um problema muito grande pra você, sinto muito. Por você, é claro!”
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