Especialistas dividem opiniões sobre a saúde no Brasil e em Juiz de Fora

Programa Mais Médicos, Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos e Registro biométrico são os principais temas abordados

Eduardo Maia
Repórter
6/9/2013
maismedicos

A classe médica vem protagonizando nas últimas semanas uma série de discussões relacionadas ao exercício profissional, das condições de trabalho e da deficiência da estrutura do sistema de saúde pública em Juiz de Fora e no Brasil.

Uma das grandes discussões que vêm sendo destacada é o programa Mais Médicos, instituído pelo Governo Federal, por meio da Medida Provisória 621, de 8 de julho de 2013.

O programa abrange três eixos que tem gerado polêmica ao longo dos últimos meses. O primeiro deles é a contratação de médicos brasileiros e estrangeiros para atuarem em municípios com déficit de recursos humanos na área médica. Os cargos oferecem a remuneração com uma bolsa de R$ 10 mil. Na fase inicial do programa, foram solicitados mais de 15 mil médicos por 3,5 mil municípios em todo o país. Entretanto, apenas 938 médicos brasileiros confirmaram a participação no programa, o que representa 6% do esperado.

Em acordo com a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e com o governo de Cuba, o Brasil pretende alocar até 4 mil médicos cubanos no país até o final de 2013 por um prazo provisório de três anos. A ação descarta a necessidade de se aplicar a estes profissionais o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida), instituído por uma portaria dos Ministérios da Educação e da Saúde em março de 2011, o que tem gerado a insatisfação de representantes de organizações.

"Essa é uma medida autoritária, intempestiva e planejada sem discutir com os setores da sociedade civil organizada. Primeiro, por abrir mão do exame de revalidação do diploma dos médicos estrangeiros; em segundo porque o sistema de contratação por meio de bolsa precariza a mão de obra médica sem garantir os direitos trabalhistas básicos aos contratados; e em terceiro, pelo fato dos médicos cubanos não receberem o salário integral, pois parte será destinada ao governo cubano. O sindicato entende isso como uma terceirização da atividade fim", detalha o presidente do Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora, Gilson Salomão.

O delegado do Conselho Regional de Medicina em Juiz de Fora e Zona da Mata, José Nalon de Queiroz, segue a mesma linha do sindicalista e classifica a ação do Governo Federal como eleitoreira. "Achar que levar médicos onde não há a mínima condição para o exercício da medicina é uma forma de dizer ao povo que se está preocupado com ele, mas efetivamente não está", diz. O médico questiona também a atuação dos profissionais estrangeiros sem a emissão do órgão regulador. "Eles têm que se enquadrar. É um convênio em que os médicos receberão um registro provisório que eu não sei quem vai conceder. Não creio que seja o Conselho Federal de Medicina, uma vez que foge à legislação vigente", declara.

Estrutura dos cursos de graduação

diplomaUm dos pontos propostos inicialmente pelo programa Mais Médicos foi a reformulação da grade curricular dos cursos de Medicina, além da ampliação do número de vagas em universidade públicas. Inicialmente, a carga horária seria estendida em mais dois anos a partir de 2015, com os dois últimos anos dedicados a um período de residência no Sistema Único de Saúde (SUS), antes que os alunos obtivessem o diploma.

Sob pressão da Comissão Nacional de Residência Médica e após uma conversa com o Conselho Nacional da Educação (CNE), os ministros das pastas de Educação, Aloísio Mercadante e Saúde, Alexandre Padilha, concluíram que a medida deveria ser reformulada e que os médicos recém-graduados passariam a um treinamento em serviço de dois anos, após a conclusão do curso, no período que já valerá como a residência médica, ou seja, a especialização do médico.

O coordenador do curso de Medicina da Faculdade Suprema, de Juiz de Fora, professor Raimundo Bechara, considera a medida interessante. "O estudante terá bastante ênfase no SUS e será inserido no cenário do programa, como ambulatórios, Programas de Saúde da Família (PSFs), bem como na área de transplantes, neurocirurgias e procedimentos oncológicos. O treinamento é intensivo e em 2 a 3 anos ele se torna um médico de qualidade", explica.

Mas Bechara admite que a obrigatoriedade da medida evoca a resistência da academia, principalmente pelas dificuldades estruturais que o sistema de saúde pública atualmente sofre. "Os hospitais precisam mostrar nível de qualidade, com estrutura e condições para que o aluno possa se capacitar, senão fica apenas uma mão de obra barata. Inclusive, é preciso oferecer opção de residência para mais de uma especialidade."

Queiroz questiona o sistema de preceptoria, ou seja, o acompanhamento médico ao residente no período de formação, no modelo proposto pelo governo. De acordo com o delegado do CRM, há uma grande dúvida sobre quem irá acompanhar o trabalho dos recém-formados. "Embora o residente seja médico, o residente tem liberdade de agir, mas uma liberdade monitorada, sem comprometer o paciente e sem se comprometer. Quem serão os preceptores? Os médicos do SUS ou haverá contratação para esta finalidade? Ele vai acumular a preceptoria? Ele deseja fazer isso? Tem atributos para fazer o treinamento de residentes?."

A redução da carga horária

Um dos pontos polêmicos que tem envolvido a realidade da saúde pública em Juiz de Fora é a regulamentação da carga horária dos médicos do Sistema Único de Saúde (SUS), na atenção primária e nos prontos socorros do município. A Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Sudeste, representada pelo promotor Rodrigo Ferreira de Barros, exerce a fiscalização do quadro de horários dos servidores públicos, tanto da área médica, quanto dos outros profissionais da área da saúde.

A legislação em vigor estabelece que o médico cumpra a carga horária semanal referente a 20h, sendo 7 horas e 30 minutos dedicados ao aprimoramento pessoal e permanente, ou seja, aos estudos para capacitação e constante atualização dos conhecimentos médicos. Este acordo é proposto pela lei 12.326, de 20 de julho de 2011, sancionada pelo ex-prefeito Custódio Mattos. Da carga horária total, 12 horas e 30 minutos são dedicados pelos médicos da rede municipal ao atendimento das consultas.

No observância dessa lei, o promotor Rodrigo Barros cobra o cumprimento da carga horária de atendimento estabelecido para que o médico esteja dentro do local de trabalho. "A contratação não se pauta pelo número de horas, mas pelo número de consultas realizadas. Mas hoje o que deve ser observado é o tempo de permanência dentro do local de trabalho. Em Juiz de Fora são 20h, hoje existe uma flexibilização disso, mas o ideal é que essas 12h30 sejam cumpridas do início ao fim", declara.

Registro biométrico não está funcionando

pontoA situação se complica já que não ainda não existe em Juiz de Fora o sistema de registro biométrico que comprove a presença do médico nos consultórios do SUS. Barros classifica como deficiente a fiscalização das horas semanais cumpridas pelos médicos em Juiz de Fora. "O ponto biométrico ainda não está em funcionamento efetivo, apesar de que já tenha sido adquirido há alguns anos. Nós temos reuniões agendadas com o município para ter uma definição da data de início, de retorno desse funcionamento que não se vê, para trazer uma realidade mais próxima do cumprimento dessa jornada de trabalho."

Gilson Salomão alega que o registro é uma opção da gestão municipal, mas discorda da obrigatoriedade. "A biometria é uma medida que a gestão pode lançar mão. Não temos nada contra isso, mas desde que sejam respeitados os nossos direitos, principalmente dentro da lei sancionada em julho de 2011, que permite a flexibilização da nossa jornada de trabalho", propõe.

Para o sindicalista, a complicação do sistema público de saúde se concentra na questão salarial. Ele explica que enquanto o piso nacional defendido é de R$ 10.420, em Juiz de Fora o salário base oferecido é de R$ 1.684. "É lógico que você tem direito a gratificações, mas que não são incorporadas ao salário para fins de aposentadoria, assim como no Programa Saúde da Família, que o médico recebe R$ 8 mil e se aposenta com R$ 2 mil. O sindicato está procurando viabilizar a estruturação de um plano de carreira junto à Prefeitura de Juiz de Fora para tentar corrigir estas extorsões."

O secretário de saúde José Laerte Silva Barbosa explica que a diminuição da carga horária visa a equipará-la aos vencimentos dos médicos. "Como o município não tinha condições de dar aumento, foi feito um acordo com o sindicato. O que mudou agora é que a lei atingia também os médicos do estado e do ministério cedidos ao município, e veio uma determinação do Tribunal de Contas da União dizendo que não se aplica a esses médicos", explica.

Mais de 30 mil consultas aguardam atendimento no SUS

Além da fiscalização do ponto biométrico, o Ministério Público também tem agido para destravar o alto número de consultas reprimidas em Juiz de Fora. O número gira em torno de 31 mil consultas que aguardam atendimento no SUS da cidade. Considerada como uma situação alarmante, a promotoria e a Secretaria de Saúde entraram em acordo para informar o paciente pela Central de Marcação de Consultas em até 30 dias sobre prazo do atendimento. A medida deveria vigorar a partir de 1º de setembro.

O secretário José Laerte explica que a Prefeitura está agindo para atender à determinação do MP. "Fizemos todo o preparo para poder encaminhar a informação ao paciente dentro do que o Ministério Público exigia, e estamos tentando minimizar o problema. Como não temos uma quantidade expressiva de especialistas, vamos abrir uma chamada pública para as entidades e clínicas que se interessarem em nos apoiar na solução destas demandas", diz.

O promotor relata a gravidade da situação do paciente da saúde pública no município. "Existe hoje uma demanda reprimida de mais 31 mil consultas no SUS, sendo 8 mil só da área de ortopedia. O município vai agendar todas essas contas. A cidade não dava conhecimento ao usuário quando seria esta consulta, e ele ficava prejudicado, não sabia se poderia esperar ou não, e acabava procurando a iniciativa privada."

Mas a ação da promotoria esbarra nos questionamentos dos médicos. José Nalon destaca a escassez de pessoal e a falta de medicamentos e leitos para atender todo o contingente. "O que a gente vê é que a central de marcação de consultas criou a fila virtual. E o Ministério Público quer que a central faça marcação completa, de forma que você vai ter conhecimento de quando será a sua consulta, se é daqui a vinte dias ou daqui um mês. Não temos especialistas para atender toda essa demanda e as UTIs estão lotadas. Temos que discutir soluções viáveis", frisa.

O delegado do Conselho Regional diz que é difícil estipular um prazo para atender a todas as consultas, tendo em vista o revezamento dos médicos em escalas de férias, e a falta de substitutos para preencher a vaga. "O médico entra de férias e não tem outro para colocar no lugar. Fica aquele buraco na escala. O plantonista seguinte vai pegar uma demanda reprimida. O MP tem conhecimento, mas não está conseguindo controlar esse estado. E acaba pegando no pé dos médicos, como se eles fossem os responsáveis dos problemas da saúde."

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