Juliano Nery Juliano Nery 10/1/2013

Cheiro doce

IlustraçãoAlgo que muito me intrigava quando passei a trabalhar em Caratinga é que, toda vez que eu bebia um pouco além da conta durante a madrugada, invariavelmente, ao andar pelas ruas centrais da cidade do Menino Maluquinho, vinha um cheiro doce de biscoito nas minhas narinas. Não importava o tipo de bebida e nem o bar escolhido. Era batata! Trôpego e flutuando pelas calçadas, sempre batia aquela maré adocicada, às vezes com um leve toque de coco ou baunilha.

Em princípio, achei que fosse alguma coincidência. De repente, alguma cozinheira insone, fazendo plantão, ali pelas quatro da matina. No entanto, como por essa época, eu andava bebendo significativamente durante a semana e, com a frequência das noites em claro, o cheiro persistia em outros pontos da cidade, percebi que não era algo fenomênico, mas, talvez, uma onda errada da minha cabeça. Andava trabalhando demais e não descartava a possibilidade de algum surto, estafa ou estresse... Vai saber!

Estranho mesmo é que quando eu estava são e, portanto, chegava em casa nos horários mais ortodoxos, não sentia o bendito cheiro no ar. Mas, bastava encarar uma mesa de bar e, geralmente, na volta para casa, novamente, sentir o tal aroma, que já me deixava encafifado. Como nunca havia sentido nada parecido em outras paragens que costumava frequentar, fiquei receoso de comentar com alguém sobre aquele doce odor de biscoitos que me acompanhava nas noites caratinguenses.

Foi, então, em uma dessas típicas noites de bebida ali perto da Olegário Maciel, uma das principais avenidas da cidade, que, ao passar por um desconhecido, provavelmente, nativo do município, resolvi expor minha inquietação. Estávamos acompanhados pela noite alta e o meu nariz estava tomado pelo cheiro das bolachas. Foi, então, que travei a seguinte conversa:

"Cara, você está sentindo este cheiro?" Ele se assustou com a abordagem, "Do que é que você está falando?"

Comecei a suspeitar que pudesse estar doido, mas continuei. "Desse cheiro no ar!" Ele ainda estava surpreso "Que cheiro?"

Fiquei doido. Parecia que aquele odor vinha realmente da minha cabeça e mais ninguém o sentia. Como já havia começado o assunto, resolvi continuar. "Como que cheiro?! Não tá sentindo esse cheiro de biscoito no ar?!"

Ele começou a rir da minha cara e eu fiquei um pouco atônito. Estaria ele rindo da minha loucura? Já me preparava para sair andando com a certeza da insanidade, quando, ele, finalmente, respondeu. "Ah, é a fábrica de biscoito..." E me explicou que havia uma empresa que fazia biscoitos em larga escala no município e que aquela brisa era de lá.

Portanto, toda aquela lufada de baunilha, coco e leite vinha daqueles fornos que trabalhavam por toda noite, enquanto perambulava pelas ruas com cervejas e outras bebidas. O nariz não estava enganado e estava explicado, finalmente. E eu não estava louco e nem estafado. No entanto, fiquei um pouco decepcionado. Quando o doce cheiro ainda era um mistério, a história era mais glamourosa...

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. Caratinga pode ser encontrada na latitude 19° 47' 24" S e longitude 42° 08' 20" O


Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.

* Ilustração: Lucí Sallum

ACESSA.com - Cheiro doce pelos ares de Caratinga