Orçamento Participativo: dando voz e prioridades aos mais carentes

Por

Or?amento Participativo: dando voz e prioridades aos mais carentes
 Helena Motta 20/8/2012

Participação e distribuição de recursos

Compartilho, plenamente, duas ideias com Fernando Perlatto, expostas em artigo recentemente publicado aqui no Portal ACESSA.com: Democracia Representativa e Democracia Participativa são complementares e não excludentes; e a participação é fundamental para a Democracia.

O Brasil, cujo passado é autoritário e centralizador, evoluiu no século XX para se tornar um dos países com maior número de práticas participativas, como observa Leonardo Avritzer, um estudioso do tema: conselhos municipais, orçamento participativo, entre outras. Nossa Constituição prevê mecanismos próprios da democracia direta, como o plebiscito, o referendo e os projetos de lei de iniciativa popular. A relevância dessas práticas participativas e de democracia direta não nos deve deixar esquecer que o aprimoramento da representação deve ser um dos principais compromissos dos que querem associar Ética e Política.

Embora as duas formas de Democracia sejam complementares, a representação é a espinha dorsal da Democracia no mundo contemporâneo, o que enfatiza a necessidade de estarmos atentos em relação a algumas reformas políticas ainda pendentes, cujo propósito é o refinamento da representação.

Dentre as iniciativas no campo da Democracia Participativa destaca-se o Orçamento Participativo (OP). Experiência internacionalmente conhecida foi incluída pela Organização das Nações Unidas(ONU) em uma lista das 40 melhores práticas de gestão na conferência do Habitat (programa da ONU para os Assentamentos Humanos) em 1966, em Istambul. O caso mais conhecido de realização do O.P. é o de Porto Alegre, mas do sul do Brasil expandiu-se por muitas outras cidades, e inspirou experiências de participação em Montevidéu, Córdoba e Saint Dennis, na França.

O O.P. envolve uma engenharia organizacional bastante engenhosa e árdua: rodadas de assembleias gerais, regionais e temáticas (cultura, transportes, saúde, assistência social, etc.), em que são eleitas as prioridades regionais e temáticas e são escolhidos os delegados para o COP (Conselho do Orçamento Participativo). Os delegados são os intermediários entre o COP e os cidadãos, individualmente ou como membros de organizações comunitárias. As assembleias são precedidas por reuniões preparatórias nas microrregiões e nas áreas temáticas. As assembleias são anuais, com a presença dos delegados do Poder Executivo e coordenadas pelos membros do governo municipal, pelos delegados e os conselheiros do OP. Entre a primeira e a segunda rodada de assembleias, de março a junho, ocorrem as reuniões intermediárias em que são hierarquizadas as prioridades setoriais, por meio da atribuição de notas.

Os aspectos mais relevantes do OP são: 1- a democratização do processo decisório quanto a um aspecto crucial, a distribuição de recursos. Trata-se da submissão das estruturas do Estado ao controle direto da população; 2- a inversão das prioridades das políticas públicas, colocando, por intermédio do sistema de notas, os bairros mais carentes como os de atendimento prioritário; 3- a função pedagógica: a participação cresce à medida em que seus resultados aparecem, resultando em maior apreço da população pelos procedimentos democráticos.

Dos três aspectos, há que se ressaltar o segundo, que diz respeito à Democracia em seu aspecto substantivo. Em países como o Brasil, em que o desafio de alcançar a equidade social persiste, não obstante os evidentes resultados obtidos nos últimos anos, essa é a dimensão mais relevantes do OP: dar voz e prioridade aos mais carentes.

No entanto, desafortunadamente, o O.P. é vulnerável à vontade do dirigente político, isto é, ao compromisso ou não do prefeito quanto à implantação e sustentação de um modelo de gestão pública calcado na participação social; a mudança de prefeito pode interromper essa experiência. Constatar isso só confirma a importância da participação e vigilância dos cidadãos.


Helena Motta é graduada em Filosofia pela UFJF, mestre e doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ). Professora associada da UFJF, onde lecionou desde 1980 e aposentou-se em 2008; atuou como docente e produziu material didático para o projeto Universidade Aberta do Brasil- UAB. É integrante de um grupo de pesquisa da UFJF sobre Política Industrial.