Juliano Nery Juliano Nery 4/4/2013

Donos da rua

IlustraçãoPodemos contar nos dedos das mãos. Somente a capital e mais uma meia dúzia de cidades polo devem, realmente, fazer uso frequente para que os carros vençam a quizila com os pedestres, nas batalhas campais que se instalam em nossas vias. No mais, e olha que estou tomando por base centenas de cidade do nosso querido Estado, as calçadas, ou melhor, os "passeios", como bem dizemos, servem mesmo é para enfeitar a rua. Em Minas Gerais, os pedestres gostam é de disputar a via com os carros. Somos os donos da rua e não é uma crítica, mas um diagnóstico. Portanto, não nos levem a mal... Mineiro gosta é de andar na rua!

Vale menção que, por aqui, tudo rola na base da confiança. Principalmente por parte do pedestre. Nas alterosas, quando duas pernas observam quatro rodas em sua direção, mesmo que as pernas estejam no lugar inadequado, já que deveriam estar no tal "passeio", sempre existe a fé e a confiança de que o carro irá mudar o traçado, entrar na contramão e desviar o curso do corpo do vivente logo adiante. Enfim, o automóvel vai dar o seu jeito! Aliás, tem que dar, porque aí, vira caso de urgência e emergência. Possibilidades de infortúnios à parte, o que intriga é, como diria o professor Girafales, "por que causa, motivo, razão ou circunstância" isso acontece?

Andando pelo Estado e conhecendo o mosaico de realidades das Gerais dá para perceber que a calçada quase sempre demorou a chegar. Se é que chegou em todos os pontos. Entre a abertura da picada, à terraplanagem da estrada e a consequente e demorada pavimentação, até, enfim, ser destinada uma área nas "beiradas", que geraram projetos de calçadas, até (ufa!) sua execução por completo, em alguns casos, leva umas boas décadas. Sim, décadas. Portanto, gerações e gerações se acostumaram a transitar a pé, desde a abertura da picada, pelos cantos e, muitas vezes, pela falta de movimento, pelo meio da rua mesmo. E como é difícil uma mudança de hábitos... Sem contar que, por muitas vezes, ela é bem estreita para não comprometer as próprias vias destinadas aos automóveis. Daí, acontece aquela velha dicotomia: reduzir os "passeios" para caber os carros ou reduzir as vias para ter "passeios" mais espaçosos? – Ah, quer saber, deixa o passeio pra lá, que a gente anda é na rua!

Elucubrações sobre os motivos que levam o mineiro a andar pelas vias e não pelas calçadas à parte, semanas atrás, estive na bela cidade de Serro, ali no Centro-Nordeste do Estado e achei algo interessante e ilustrativo nas calçadas do local. O estilo barroco que habita as ruas do município, dá uniformidade à paisagem urbana e que concede um charme todo especial à cidade, não é acompanhado pelas calçadas da frente dos casarios. Parece que não pensavam nessas coisas ali pelos 1700. O resultado é que você encontra, em uma mesma rua ou avenida, diferenças no "passeio" de 10 centímetros até mais de 1 metro. Muitas vezes, você está andando e tem que subir, descer e até pular na calçada. Um grande desafio, sem dúvida. Sempre uma surpresa, sempre uma possibilidade de encontrar um abismo. Sorte que, como em todo o Estado, o serrano é dono da rua e é por lá, em meio às belas vias de pedra, é que costuma caminhar junto com os carros.

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. Serro pode ser encontrada na latitude 18° 36' 18" S e longitude 43° 22' 44" O


Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.


* Ilustração: Lucí Sallum

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