Domingo, 2 de novembro de 2014, atualizada às 08h06

In memoriam: perfis de falecidos e novas formas de representação na rede

Eduardo Maia
Repórter
Facebook

A "presença" de uma pessoa falecida em uma rede social cria novos tipos de comportamentos nos usuários, que passam a utilizar dos perfis como espaços para se prestar homenagens e diminuir o abalo provocado pela saudade. Perfis nos Facebook, no Twitter ou no Google + se mantêm como uma espécie de sobrevida digital após o falecimento de um ente querido.

Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC Rio, o mestrando Carlos Affonso Mello (Loscar) analisa como se constroem os novos tipos de representação na rede a partir destes elementos. "A questão da imortalidade é ainda uma pergunta sem resposta. A mortalidade é um fato. O que se tem observado é a constante articulação entre este fato natural e suas novas formas de representação na rede, que muitas vezes abrem espaços para interpretações do gênero diante da perspectiva de uma permanência dos perfis dos usuários, da manutenção de suas pegadas digitais, de seu habitat virtual", explica.

A partir da pesquisa, ele levanta um questionamento a respeito da interação estabelecida, considerando-se a ausência da pessoa que recebe a mensagem. "Surge daí o problema da interação. Como falar de imortalidade diante da aparente ausência da consciência com que se supõe interagir? É como coloca o antropólogo José Carlos Rodrigues: 'O falecido quase sempre deixar atrás de si um vazio interacional. É por esta lacuna que a morte se faz sentir'", questiona.

Para Loscar, com o avanço das novas tecnlogias, os perfis de falecidos nas redes se tornam espaços onde as familiares e amigos podem se sentir mais confortados. "Penso que existem muitos casos em que parentes e amigos preferem "passar" pelo perfil do ente querido e deixar suas mensagens, do que ir a um cemitério e deixar flores. Penso também que o fator de ubiquidade das informações na rede, além do caráter protético dos smartphones, facilita muito a adoção desse tipo de comportamento".

Da forma como são mantidas essas páginas, Loscar acredita que elas não se caracterizam como espaços de veneração, mas novas formas de representação. "Em determinados casos, quando familiares e amigos conseguem comprovar a morte do usuário (certidão de óbito, por exemplo) ao Facebook, podem transformar o perfil numa espécie de memorial. Nesse caso, não diria que se tratam de "espaços de veneração", mas de formas recentes, talvez "ultramodernas", de representação, não só da morte, mas dos jazigos, dos ritos fúnebres, dos trabalhos de luto", completa.

Criatividade é um elemento chave para aliviar a dor do luto

O pesquisador propõe uma conexão entre a necessidade do ser humano em minimizar os impactos da dor da morte de um ente querido e a critividade. "No contexto específico da morte de um ente querido, toda a vida do sujeito se vê abalada. Há um caos que brota da ausência desse ente, um caos que, no limite, coloca a vida do sujeito, que experiência a morte através do outro, em questão. Daí o recurso das mensagens, das cartas, das homenagens, dos discursos, que basicamente têm o papel de fazer com que uma experiência tão estranha se torne menos estranha através das palavras. É um trabalho de luto que exige, como coloca Derrida, 'fazer passar a palavra, lá onde as palavras nos faltam'. Ou, como dizia Certeau, para quem a morte (“o inominável”) é a “questão do sujeito”: 'o texto prolifera em torno dessa ferida'", conclui

Como cancelar o perfil nas redes

As principais redes sociais oferecem formas de excluir ou manter os perfis de usuários falecidos. A exclusão do perfil é um procedimento simples e a maioria das redes sociais populares oferece recursos online, como formulários, que permitem solicitar a retirada de um perfil do ar. Veja abaixo como fazer isso em cada uma das redes sociais:

Twitter

Para solicitar a exclusão do perfil, é preciso enviar um e-mail para privacy@twitter.com com nome completo, e-mail, grau de parentesco com o usuário falecido, nome de usuário da conta a ser excluída no Twitter e um link de uma notícia sobre a morte ou cópia do atestado de óbito. O Twitter não envia os dados de acesso à conta para parentes e amigos.

Facebook
Se quiser excluir o perfil, o usuário deve acessar um formulário online e informar seu nome completo e e-mail (e também do usuário falecido), link do perfil, grau de parentesco e um atestado de óbito. O Facebook também oferece a opção de transformar o perfil em um memorial e bloqueia qualquer tentativa de acesso ao perfil. Para isso, é preciso preencher outro formulário online.

Google+
O Google ainda não oferece um formulário para excluir perfis de falecidos no Google+. De acordo com a empresa, o perfil é excluído automaticamente após nove meses de inatividade. Caso a pessoa tenha o nome de usuário e senha da pessoa que morreu, pode acessar a conta e excluir o perfil, por meio das configurações de conta.

LinkedIn

Para solicitar a exclusão de um perfil no site, é preciso preencher um formulário (em inglês), com as informações sobre a pessoa que faleceu, além de grau de relacionamento. É preciso assinar o formulário e enviar anexado a uma mensagem por meio do centro de ajuda do site.

A criatividade mantém certa relação com a sobrevivência. O ser humano não visa somente a sobrevivência. O ser humano visa “sobre a vivência”, isto é, sobre suas experiências cotidianas, sobre suas práticas corriqueiras, que mais do que garantir a preservação de um legado biológico também possibilitam o contínuo desenvolvimento da inteligência e da criatividade. No contexto específico da morte de um ente querido, toda a vida do sujeito se vê abalada. Há um caos que brota da ausência desse ente, um caos que, no limite, coloca a vida do sujeito, que experiência a morte através do outro, em questão. Daí o recurso das mensagens, das cartas, das homenagens, dos discursos, que basicamente têm o papel de fazer com que uma experiência tão estranha se torne menos estranha através das palavras. É um trabalho de luto que exige, como coloca Derrida, “fazer passar a palavra, lá onde as palavras nos faltam”. Ou, como dizia Certeau, para quem a morte (“o inominável”) é a “questão do sujeito”: “o texto prolifera em torno dessa ferida”.

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