Artigo
Bissexualidade masculina:
veracidade e fantasia
::: 27/02/2003

"...ser um homem feminino/
não fere meu lado masculino..."

Ney Matogrosso

"... quero me encontrar, mas não sei onde estou...
gosto de São Francisco e São Sebastião/
e eu gosto de meninos e meninas"

Renato Russo

Biológica e culturalmente, mulheres e homens foram feitos uns para os outros, para se admirarem, respeitarem, desejarem, amarem e se unirem. Mas nem só de tradições se formam os grupos de uma sociedade, que às vezes, em busca de novos valores, realizações e fantasias, formam outros grupos, mesmo que, na verdade, menos participantes e transparentes a vista da sociedade em que estão inseridos.

A questão da bissexualidade masculina é crescente, mas ainda pouco discutida em trabalhos teóricos, teses, artigos, uma vez que a homossexualidade é mais visada e discutida. Alguns autores remontam a bissexualidade a uma característica do indivíduo homossexual, que para se sentir mais seguro na sua vida sócio, econômico e familiar, se divide entre os objetos de desejo (homens e mulheres), muitas vezes, constituindo lares, com filhos, vida harmoniosa, sexualidade satisfatória com sua parceira e até felicidade. Isto até que sua identidade sexual secreta se revele. Porque aí, na quase totalidade dos casos, o casamento ou união se desmorona, dando lugar a separação, mágoas e ressentimentos.

Entende-se por relações bissexuais, as relações mantidas com pessoas tanto do mesmo sexo, quanto de sexo diferente. O bissexualismo masculino é hoje, fonte de grande preocupação na disseminação da AIDS. Sua prática é muito comum em nossa sociedade, mas não é assumida pelos seus praticantes. Muitas vezes, homens casados que mantém relações regulares com suas parceiras saem para aventuras sexuais rotineiras, com profissionais do sexo, homo ou bissexuais. Com alguma freqüência, durante a relação homossexual, assumem a posição receptiva, recebendo o sêmem do parceiro, o que predisporia a um risco maior de contaminação pelo HIV além de outras infecções venéreas. Os "miches", ou homens do prazer, são procurados pelos ditos bissexuais, como forma de preservar sua identidade sexual secreta. Muitos deles são mesmo heteros, e assumem a posição de homo por necessidade de melhoria de sua vida financeira.

"...baby, dê-me seu relógio que eu quero saber... quanto tempo falta para amar você .... dê-me seu dinheiro que eu quero saber ...quanto vale um homem para amar você..."

Geralmente os bissexuais afirmam que o desejo não tem sexo. E aí se percebe que a bissexualidade é mais complexa do que se pensa. Não é uma escolha e muitas vezes é determinada por fatores familiares e ambientais. Segundo os pesquisadores Masters e Jonhnsons, muitos homossexuais adotam postura bissexual para transitar com mais naturalidade na sociedade e garantir a segurança que a família constituída ou a parceira constante lhe fornece em nível profissional, social e principalmente afetivo.

Teoria Freudiana
Desde suas primeiras revelações há mais de cem anos, até hoje, a psicanálise baseia seus questionamentos na sexualidade.A psicanálise relembra, postula, define, renova e questiona continuamente a sexualidade humana, partindo da idéia de Freud, de que o trabalho psíquico se alimenta da energia sexual e sendo assim, a origem do desejo sexual é psíquica.

A inversão: Pessoas com desvio em relação ao objeto sexual. Os invertidos podem ser:

  • ABSOLUTOS: Objeto sexual só do mesmo sexo.
  • ANFÍGENOS: Sem exclusividade, objeto sexual dos dois sexos.
  • OCASIONAIS: Objeto sexual do mesmo sexo, como reação por ex: inacessibilidade ao sexo hetero.

    Os invertidos têm reações variadas as suas condições, alguns a aceitam e outros se rebelam e sentem sua inversão como compulsão patológica.

    A inversão pode vir de longa data ou só se manifestar antes ou depois da puberdade. Este caráter pode conservar-se por toda a vida, ser ocasionalmente suspenso ou ainda, construir um caminho para o desenvolvimento normal.

    Digno de nota são os casos em que a libido se altera no sentido da inversão, depois de ocorrida uma situação frustrante ou conflitante com o objeto sexual dita normal.

    Nota-se que existe então, uma disposição bissexual implicada na inversão.Os invertidos se sentem seduzidos pelas características masculinas do corpo do homem e sente-se como mulher, buscando então, o homem. Mas esta não é uma característica generalizada dos invertidos. Muitos deles preservam o caráter psíquico da sua virilidade, não ostentam traços femininos e buscam em seu objeto de desejo, traços femininos. Desde a antiga Grécia, o que mais encantava os homens (bi) invertidos, não era o caráter masculino do efebo, mas suas semelhanças físicas com a mulher, ou atributos de personalidade mais típicos em uma mulher. Pode-se presumir que o homem quando entregue as lembranças infantis da ternura da mãe ou de outras figuras femininas que lhe atendiam, fica fortemente norteado a escolha do objeto sexual mulher, enquanto que, a intimidação precoce que experimentou por parte de seu genitor e sua posterior atitude competitiva em relação a ele, desvia-se do próprio sexo.

    Prevenção da Inversão: Uma das tarefas descritas para a escolha do objeto está em não se desencontrar do sexo oposto. A grande força que repele a inversão, é sem dúvida, a atração que os caracteres físicos e psíquicos do sexo oposto lhe provocam. (Dessoir, 1984)

    Fetichismo Transvéstico
    O DSM IV da American Psychiatric descreve a característica essencial das parafilias como impulsos sexuais recorrentes e fantasias sexualmente intensas, envolvendo experiências de vestir-se como o sexo oposto, em homens heterossexuais e sentir-se como mulher, obtendo prazer desta forma.

    Estas fantasias e impulsos causam sofrimento clinicamente significativo ou comprometimento de importantes áreas de função, como a social, a profissional e outras. A excitação sexual pode ser obtida através de amplo conjunto de comportamentos adicionais. Alguns são proporcionados por prostitutas ou “ michês” e outros encontram parceiros dispostos, ocasionalmente. Um pouco diferente disto, são os homens hetero, que no carnaval, fazem evoluções efeminadas, extravasando assim sua porção “mulher”. Mas neste aspecto, os bissexuais ou só os participantes da folia do Momo, exteriorizam sua feminilidade, porém, com complacência da platéia.

    Citando Alberto Goldin, a sexualidade se estabelece como via de mão única, e a duplicidade de opções, requer uma investigação mais profunda sobre sua motivação. Ele questiona a existência da bissexualidade, quando relata ser duvidoso um indivíduo dispor de reações idênticas diante de um ou outro sexo. Acredita que a cultura ainda marginaliza a homossexualidade, sendo provável que a bissexualidade seja um artifício, que permite integrar a homossexualidade, já que não apareceria como tendência única do indivíduo.

    Apesar das controvérsias, teorias pesquisas e análises que envolvem a bissexualidade, que são muitas e talvez ainda sejam poucas; para definir ou explicar esta forma de manifestação sexual do ser humano; uma questão é única e verdadeira: é uma situação conflitante e passível de preconceitos.

    É realmente uma questão delicada, sutil, com causas e conseqüências, e por isto mesmo, é importante que não nos prendamos a rótulos, generalizações ou pré-conceitos.

    Devemos sim, respeitar a condição do outro, que com ou sem fantasias, precisa e busca a felicidade, assim como os foliões do Momo.

    ... vamos para a avenida desfilar a vida... (Tribalistas)

     


     

    Vânia Fortuna
    é psicanalista e conselheira em dependência química na clínica Psicomed
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