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Bigode

Eduardo Maia
Repórter
14/09/2013

"A música me levou à poesia e a poesia me traz de volta para a música". A alternância entre os universos acadêmico e musical possibilitaram à cantora juizforana Daniela Aragão construir uma rica trajetória envolvida pelos laços da pesquisa sobre a literatura e das sonoridades e performances. Depois de concluir um doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), ela não esconde que o seu grande desejo seja voltar aos estúdios, para gravar uma releitura da obra do compositor e pianista carioca Francis Hime.

Daniela desenvolve um projeto pessoal de divulgação da Música Popular Brasileira em colunas de jornais e em seu blog, onde publica entrevistas com artistas de talento inquestionável talento e crônicas sobre a suas impressões musicais. Atualmente, a cantora também integra o quadro de colunistas do portal Acessa.com. "Recebi um convite do amigo Vicente Martins, quando ele produzia o Festival de Jazz em Tiradentes. Foi aí que tomei gosto pelas entrevistas. Pude então valorizar o trabalho de alguns artistas, porque Juiz de Fora impressiona pela qualidade e a quantidade dos músicos", relata.

Um dos pontos altos do seu trabalho é a sua capacidade de analisar e contextualizar os cenários musicais que embalaram e influenciaram os artistas retratados. A cantora imprime em seus textos uma visão fundamentada em seus estudos e nas suas impressões pessoais. "As crônicas são elaboradas a partir das minhas impressões sobre os discos que me tocam. Gosto também de falar sobre filmes musicais e de obras de um certo impacto e geralmente elas estão de fora do universo midiático".

Sua intenção é publicar uma coletânea de todos os artigos em livro. "Pretendo reunir esse material em livro, mas primeiramente o material das crônicas. Eu comecei em Cataguases, em 2005, num espaço na coluna de jornal, onde eu escrevia sobre música. Em 2008, eu comecei a publicar no meu blog e agora eu quero entrevistar poetas também".

Infância

Daniela cresceu no ambiente de uma família que respirava música. Embora não fossem instrumentistas, a influência dos pais e do tio Luiz Afonso Pedreira foram marcantes para a introdução da menina ao universo dos acordes. O ambiente "salutar" e "de ouvidos muito atentos" a impulsionaram ao mundo da arte. Na adolescência entrou para o balé, mas seu talento vocal foi descoberto por uma tia. "Ela disse você tem uma voz muito bonita, acho que você canta. Aí meu pai me deu um violão e comecei a praticar", conta.

Mas a aproximação dos palcos só veio a se concretizar quando cursava Letras na UFJF e em 1997 resolveu homenagear Elis Regina na abertura de uma exposição. "Eu já era muito apaixonada por música e tinha um acervo de Elis. No repertório do show tinha 20 Anos Blues, da Sueli Costa, Essa Mulher, da Joyce e Nada Será como Antes, de Milton Nascimento e o público aprovou. Muito tímida, mais fui", confessa.

A partir daí começou a vincular a sua trajetória acadêmica com a paixão pela música. Quando entrou para o mestrado na federal do Rio de Janeiro, em 2001, ela se dispôs a apreciar a obra do poeta Antônio Carlos Ferreira de Brito, o Cacaso (1944-1987). Sua pesquisa traçou uma ponte entre a obra do poeta e a musicalidade de Sueli Costa, trabalho esse que rendeu o seu primeiro disco, Face A Sueli Costa Face A Cacaso, gravado em 2005 e produzido pelo pianista e arranjador juizforano Márcio Hallack. "A força poética do Cacaso me permitiu tanto escrever as letras quanto cantar a obra dele. Foi uma complementação. Ele morreu muito jovem e tinha uma produção crítica muito forte, de pensar a arte".

Em 2009, ela iniciou o doutorado pela PUC do Rio de Janeiro. Numa tese que primou pela forma de uso da voz e a performance artística da cantora Adriana Calcanhoto, Daniela buscou se aprofundar nos artifícios que compõe o cenário musical e agregam o valor ao trabalho da artista. "Inicialmente eu fiz um estudo sobre a voz, numa vasta pesquisa usando a teoria baseada na do meu orientador, Júlio Diniz. Entrevistei professores de canto, projetando os resultados para o canto dela. Depois, eu trabalhei a questão do corpo, a forma como a artista usa o corpo. E no final eu retratei um pouco o lado das composições", relata.

O trabalho foi concluído em abril deste ano. Daniela classifica sua pesquisa como satisfatória, mas não pretende levar adiante algum projeto relacionado à Adriana, assim como fez com Cacaso. "O que me atraiu é a ligação dela com a poesia, com a questão plástica. A performance dela em geral, não somente o cantar. Mas por ela ser um material vivo é mais arriscado, porque está sempre sujeito a mudança", destaca.

O objetivo da cantora e pesquisadora está voltado agora para a produção de um novo álbum que faça a releitura da obra de Francis Hime.

 

20:40 E estou dando continuidade a essa pesquisa sobre a voz

 

"Eu quero gravar Francis Hime. A obra do Francis. Já conversei com ele, mas está em processo. Dificuldade de financiamento, essa pirataria, os downloads. E ao mesmo tempo a internet é um meio maravilhoso de divulgação. Quantas pessoas você vai descobrindo.

 

Daniela Pedreira de Aragão

10 de março de 1975

 

blog

muita coisa que um dia vai virar livro  0:24

as crônicas e depois as entrevistas 0:28

mais de 30 0:40

colunitas 0:45

convite do Vicente Martins 0:50

festival de jazz em Tiradentes 1:00

tomei gosto pelo lado das entrevistas 1:32

Marcio Hallack, Sílvio Gomes, 

Juiz de Fora impressiona pela qualidade dos músicos e a quantidade 2:05

Estou com plano de entrevistar poetas 2:14

reunir material em livros - primeiramente das cronicas 2:36

coluna no jornal de Cataguases 2:50

As crônicas sao impressões, discos que me tocam 3:50

filmes e discos. Obras que me trazem um certo impacto. Que em geral estão de fora do universo midiático 4:28

Fui criada num ambiente musical 5:00

Meu pai, minha mãe, e meu tio Luiz Afonso Pedreira recebia muitos intelectuais que falavam sobre música 5:22

Sueli Costa frequentava a casa. Cresci num ambiente muito salutar, com ouvidos muito atentos 5:29

Comecei dançando balé 5:49

Você tem uma voz muito bonita, porque você não canta? 6:14

Me apresentei numa exposição sobre Elis Regina em 97 na universidade 6:30

Foi uma homenagem, 20 anos blues, Nada será como antes. 7:00

A primeira faixa era do João Medeiros. 7:38

Em 2005, eu tive a aprovação da lei murilo mendes e gravei com Cacaso e Sueli 7:40

Influências: Tom Jobim, João Gilberto, Francis Heim, Edu Lobo, Chico Buarque 8:10

Jobim é aquela simplicidade de um piano minimalista, riquíssimo. A abrangência, do clássico ao jazz 8:30

E a obra do Tom você vai de obras eruditas às populares. Ele é atemporal pra mim, 9:17

Chico é esse casamento absoluto entre letra e música 9:36

É um grande compositor, tem uma capacidade incrível de falar sobre a mulher, sobre o Brasil. 10:15

A bossa nova foi quando a nossa música foi vista lá fora 10:57

Vejo o tropicalismo como um espisódio que vai dialogar com o tropicalismo e com uma estética desconstrutora 10:13

Você tem a bossa nova, a música de protesto, a música mais romântica. É muito rica em suas vertentes 11:32

Eu sou bem bossa novista, bem joão gilbertiana 12:05

A era do rádio - a estética parnasiana 12:20

A Maria Bethânia tem um trabalho muito bonito com foco em poesia e música, que é o meu trabalho 12:50

Eu falo que a música me levou à poesia e a poesia me traz de volta para a música 13:02

A Bethânia tem essa preocupação com o caráter poético das canções - 13:10

esse lirismo muito bonito na música brasileira 13:25

Você chegou a compor? 13:50

Não, não tive coragem, os músicos me falam que ficam com aquele impulso e eu só escrevo sobre. Canto, escrevo, mas não compus ainda. 14:15

Eu acho que a gente gosta é poder fazer a música que a gente acredita. O espaço se faz. 14:32

discos: 15:01 Tom e Elis e Matita Perê, de Tom. 15:31

Eu ouço muita coisa.

Eu trabalhei muito tempo com Márcio Hallack. 15:48

Quando estitve em Ouro Preto, assumi o violão 15:52

Claudimar Maia - iniciando o trabalho 15:58

Fico alternando com o lado acadêmico 16:08

Eu segui na academia a linha de poesia e música 16:32

Fiquei um tempo escrevendo as crônicas, voltei para a academia, e tive como o orientador o Júlio Diniz 17:14

Cacaso - como foi pesquisar a obra do poeta

17:50 A força poética do Cacaso me permitiu tanto escrever as letras quanto cantar a obra dele. Foi uma complementação. Ele morreu muito jovem e tinha uma produção crítica muito forte, de pensar a arte

18:36 A Adriana é bem recente. Mas por ela ser um material vivo é mais arriscado, porque está sempre sujeito a mudança. O que me atraiu é a ligação dela com a poesia. Ela trabalha muito fortemente com a poesia, com poetas, com a questão plástica. É muito preocupada com a plasticidade. A performance é geral. Não é só o cantar. Tudo foi um processo que me chamou a atenção. Mas gravar algo sobre ela, acho que não. Estou pensando em outras coisas

20:00 - Fiz um estudo sobre a voz. Fiz uma vasta pesquisa. Usei a teoria baseada no meu orientador. Entrevistei professores de canto, projetando para o canto dela.

Depois trabalhei a questão do corpo. O artista usa o corpo. E falei um pouco do lado das composições.

20:40 E estou dando continuidade a essa pesquisa sobre a voz.

21:08 Partimpim é uma vertente dentro da obra dela. É como se fosse uma outra pessoa. Sai por um selo diferente, o figurino é totalmente diferente. É como se ela criasse um heterônimo. Mas é um disco que eu valorizo, porque ele é dedicado às crianças, mas não é infantilóide. Ele não subestima a capacidade da criança. Então é um disco para criança e para adultos. Ele vai pegar a música do Caetano, Alexandre, que é quase uma epopéia e buscar outros ritmos. A experiência infantil vai permitir a ela uma experimentação muito grande.

23:20 É uma artista in process. A gente mexer com o objeto em atuação. É uma obra aberta.

23:45 O último trabalho é muito minimalista. Ela trabalha com pouquíssimos elementos no palco. A questão da performance, do apuro estético conta muito. Se analisarmos, o Arnaldo Antunes faz isso hoje. Zeca Baleiro, geração pós-tropicalista. Marisa Monte também. Trabalho muito apurado com a poesia, com a performance, envolvendo fantasia, figurino. É o pensar o todo.

25:23 - As novas brasileiras

Eu estou sempre atenta a estes novos artistas. O Brasil é um país de cantoras. É desproporcional o número de cantores em relação ao número de cantoras. Ao contrário de cantoras, que vão ler a obra de outros artistas. Eu acho legal reler a obra de Caetano, de Chico. Mas vamos nos abrir a coisas novas. Tem muita coisa boa que precisa ser explorada.

Acho muito legal o trabalho da Roberta Sá, a Maria Gadú. É difícil até dizer, porque é uma profusão de cantoras. Não só do sudeste. Eu destaco um disco, Ode descontínua para flauta e oboé. São louvações ao poeta Dionísio. Ao deus das orgias, do vinho, do prazer.

Ele escolheu Angela Ro Ro. Mônica Salmaso, Naozete, Rita Ribeiro. Tanto na questão do desempenho da voz, quanto dos repertórios. Tem uns modismos. Como na época das cantoras ecléticas.

29:48

Chico Sales, o próprio Lenine. A descentralização já vem de um tempo. Muito tempo ficou entre Rio e Bahia. Mas essa riqueza brasileira vem dessa diversidade de ritmos, acrescida à herança europeia, à herança indígena, principalmente hoje que se pensa tanto a africanidade, as influências, que a cultura afriana traz para nós, sem ser puristas ou enraizadas. A música brasileira é essa contribuição de todos os erros e acertos. 30:57

CD de 2005

Foram 10 canções da parceria Sueli Costa e Cacaso. Sueli pra mim é uma das maiores compositoras na linha de Chiquinha Gonzaga, Dolores Duran. Maria Bethãnia já tinha gravado amor amor. dentro de mim mora um anjo. Eu já cheguei com um compromisso muito grande por uma obra grandiosa.Mas o Márcio foi um parceiro fantástico, me ensinou muito, foi muito delicado, com a nuance de cada leitura daquelas músicas.

32:20 Ali foi a primeira marcação de território dentro da música. Mas ouço hoje e já acho um monte de erros.

32:50 Música é perigoso, porque você tem sempre que buscar a espontaneidade. As vezes, quantos artistas vão dizer que o cantor vai ficar com a voz guia. As vezes, a voz guia é melhor. Porque nela você está sem muito pudor, sem auto censura. Eu fiquei na voz de amor amor. Eu e Márcio simultaneamente, no calor da hora. foi a melhor.

33:48 È a voz provisória. Não é a definitiva. ela fica só guiando. As vezes, essa voz que você colocou sem compromisso é a voz. E as vezes você lidar com estúdio, é lidar com a frieza. Lidar com estúdio é lidar com o frio. Tem artistas que tem dificuldades de lidar com estúdio. Você tem que ambientar com sua cabeça. Tem gente que tira o sapato, apaga a luz, para tentar se ambientar com o estilo daquela música. Por isso é diferente. Ao mesmo tempo que a gravação ao vivo tem problemas com respiração, com o calor da hora. Mas você tem o calor da hora. E tem que criar esta ambiência.

35:18 Estou louca pra voltar a cantar. Eu quero gravar Francis Heim. A obra do Francis. Já conversei com ele, mas está em processo. Dificuldade de financiamento, essa pirataria, os downloads. E ao mesmo tempo a internet é um meio maravilhoso de divulgação. Quantas pessoas você vai descobrindo.

As vezes as pessoas falam do meu disco que viram no exterior. Eu não sei onde ele anda.

A internet é o espaço do lixo e do luxo. Você tem tudo sem triagem, misturado. Você que vai editar o seu material. 37:00

As gravadoras estão acabando. Os muitos discos sobre os quais escrevi são a biscoito fino. Ela corre contra a corrente. É muito difícil. A época das grandes gravadoras não existe mais. A Sony ainda é uma das grandes, mas não se tem ideia de quantos artistas estão sem. A grandes estão querendo divulgar apenas essa massificação.

É tudo comercial. É complicado, porque a visão é de mercado. Antigamente a visão era de mercado, mas eram outras músicas.

Demorava chegar um disco. Você esperava o disco do artista. "Já chegou o último disco da Bethânia?"  Hoje não. Você ouve a música, baixa. É bom e é ruim. É tudo relativo. Tem muita coisa que eu desconheço também. As vezes a gente quer filtrar o ouvido. É tanto som.

É tanta tecnologia, como blu-ray. Mas ao mesmo tempo você está lidando com a precariedade com a tecnologia. Eu falo desse ensudercimento causado pelo excesso de música.

41:22  A canção, no seu modo clássico, ela vem com a parceria de Vinícius e Tom. Vinícius na poesia e o Tom na música. É o casamento perfeito. Aquela letra linda, que você sente a emoção e aquela música que reveste a sua letra.

42:12 O Chico diz que esse tipo, acha que pode se tornar uma modalidade extinta. Essa nova linhagem não tem a preocupação com a poética e o lirismo.

43:00 - Vida pessoal

A música é muito presente na minha vida. Mas o palco nem sempre. Meu ofício é ser professora. Conquistei o doutorado e quem sabe eu passo em um concurso de uma universidade pra poder dar aula.

Reviso trabalhos de dissertação, entreguei a minha tese agora e estou nesse período de expectativa. Morei Ouro Preto, Cataguases, Rio de Janeiro.

44:00

Esse circuito de Minas eu peguei bem fortemente. Eu gosto muito de Juiz de Fora porque o que afirma e nega a nossa identidade ao mesmo tempo é esse "carioquismo" que a gente tem.

Carlos Bracher, que é um grande amigo que fiz em Ouro Preto e é de JF, pintor e diz que a cidade tem um potencial para a arte muito grande. E isso precisar ser valorizado. Os músicos estão se mobilizando, até para que a nossa música seja tocada também. Quantas pessoas já gravaram, incentivadas pela lei aqui e você não ouve na rádio. É uma cidade principalmente com potencial imenso. Quantos já saíram daqui. Sueli Costa, Ana Carolina, Joãozinho da Percussão. É muita gente. O Carlos Bracher, pintor mundial, o Rubem Fonseca, na literatura.

o Carlos Bracher me dizia isso: menininha, você nasceu em Juiz de Fora. E só saindo que eu entendi

Eu tenho ensaiado com o Claudimar. Sabe tudo, chega com aquele violão maravilhoso. O momento de enriquecimento é o ensaio, o diálogo. É muito bom. Eu assumi o violão. Eu custei muito a fazer isso. Comecei aqui em Juiz de Fora, no Victory Hotel. Ele te dá uma consciência maior. O diálogo é a melhor forma de fazer. Dialogar com os músicos que tem uma sintonia, uma amizade com você, principalmente.