Carolina Fellet Carolina Fellet 20/06/2016

Conheça a história do MC Brackes

Aos sete anos, ele recebeu um diagnóstico em forma de sigla: TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Para tratar o problema, a recomendação foi cortar o açúcar da dieta e praticar bateria, atividade que lhe permitiria gastar energia. O instrumento foi a porta de entrada para a música, esta que se transformou na capitã da incipiente, embora promissora, carreira de MC de Fabrício Carlos do Santos.

Confira o bate-papo com o jovem de fala mansa e sorriso fixo que profissionalmente se transforma em MC Brackes.
Carolina Fellet: O músico André Pires falou divertidamente em uma entrevista: “Costumo dizer que minha mãe não me deu à luz, mas ao som.”. Seu interesse pela música, Fabrício, também o acompanha desde sempre? Seus familiares o influenciaram?
MC Brackes: Então... Não! De início, como toda criança, eu quis ser jogador de futebol. Mas primeiro eu quis ser designer para desenhar carros para empresas. Depois isso foi passando. Mas eu nunca pensei em fazer música. Quem teve mais contato com música na minha casa foi meu pai. Ele tinha muito LP, tipo Raça Negra e outros pagodes também. Fora isso, na minha família, não tem músicos. Aliás, tem um primo que é baterista há uns seis anos e dá aulas. Mas minha mãe me deu à luz mesmo (risos).  

Carolina Fellet: O que quer dizer seu nome artístico Brackes?

MC Brackes: É um apelido de infância que eu ganhei do Mateus, a gente era amigo de infância. Eu devia ter uns 12, 13 anos. Ele me chamava de Fabrício, só que, não sei por qual motivo, ele parou de me chamar de Fabrício e começou a me chamar de “brêiques”, começou a pegar, e todo mundo de repente me chamava de “brêiques, brêiques, brêiques”. E até uma informação que acho que ninguém sabe, e agora vai saber: esse mesmo amigo meu, na época em que eu nem sabia o que era RAP, a gente fez o freestyle uma vez, ele rimava muito mais que eu na época, eu não sabia nada de rima, de letra, de métrica, a gente fazia socando na palma na mão, e ele fez uma rima gigantesca. Aí agora, lembrando disso, acho que era mesmo para eu seguir esse caminho.

Carolina Fellet: “MC” significa mestre de cerimônias. Na prática, o que esse profissional faz? Em que eventos atua?

MC Brackes: Sem puxar para o lado religioso, longe de mim, mas é como um pastor. É alguém que vai controlar um evento: as atrações, tudo que vai acontecer e, de certa forma, ele anima o público. Ele controla todas as cerimônias e, entre uma e outra, tem algumas informações a passar. O que eu mais fiz como MC foi um projeto que foi aprovado pela Lei Murilo Mendes, o Educarte, em que a gente apresentava o hip-hop nas escolas estaduais de Juiz de Fora, passando por 20 escolas. É um trabalho grande, porque envolve cronograma, estudo das pessoas que participam e, principalmente, o saber do que está fazendo. Não é simplesmente pegar o microfone e pensar “vou ser o mestre de cerimônias.”. É preciso lutar contra a timidez, contra tudo, porque qualquer coisa que der errado, você está ali na linha de frente. Mas os MCs em Juiz de Fora estão atuando em várias áreas com vários ritmos musicais. Além do RAP, eles estão atuando com MPB, reggae. Por exemplo, teve participação com o Etcoetera, Sou Rueiro, com o Silva Soul. Aí, a gente vai atraindo outras vertentes para o nosso meio. Quando começaram a aparecer mais MCs na cidade (a gente nunca teve muito espaço), a gente tocava em eventos que o Encontro de MCs fazia, na Praça da Estação, na sede do DCE, na Casa Absurda, que fica no Granbery. Agora, a gente está conseguindo expandir mais para outras casas de show. No Muzik, tem acontecido bastante [evento].

Carolina Fellet: Você apresenta só trabalho autoral? Como é seu processo de criação?

MC Brackes: Sim, só autoral. Eu acho uma coisa fantástica. Eu comecei com 18 anos fazendo o improviso, juntando palavras e fazendo rimas para depois começar a compor. Muita gente não faz o improviso, mas compõe. Toda pessoa tem a capacidade de escrever alguma coisa e é muito mais fácil escrever quando a ideia vem de algum sentimento forte. Acho que esse é meu engajamento principal. Eu segui etapas; comecei falando de coisas mais fáceis para escrever e depois comecei a expandir para escrever rimado sobre qualquer coisa. Atualmente, meu processo de criação é: primeiro, procuro uma batida, a gente chama de bit, e questiono “vou escrever sobre o quê?”. E aí decide o tema. Quanto à batida, depende do que o MC quer desenvolver: tem sintetizadores eletrônicos, orgânicos, teclados e tem um programa muito usado para fazer batidas, o Fruity Loops. Dentro dele, tem o som de todos os instrumentos. Tem também batidas feitas por músicos, bateristas, guitarristas, baixistas.

Carolina Fellet: Que gênero(s) musical(is) inspiram seu trabalho?

MC Brackes: Tudo. É sempre bom para a gente poder aprimorar, ainda mais que para o rapper não tem limite de escrita e de criação. De Elis Regina a Kate Perry, de Beyoncé a Tom Jobim, Nina Simone, Tim Maia, Ed Motta, muita coisa gringa. É bom ouvir de tudo para pegar muita coisa escrita, porque muitos deles escrevem muito bem e têm muita musicalidade. O fundamental é absorver coisas boas de bons músicos. Eu gosto de falar muito sobre mim; eu só escrevo sobre as coisas por que eu passei, o que eu quero.

Carolina Fellet: Você acredita que artistas como você nascem predestinados?

MC Brackes: Às vezes, eu não acredito nesse lance de dom. O que eu acredito é que tem pessoas com facilidade para desenvolver algumas atividades. Eu aprendi muito rápido, porque minha vontade de querer aprender me ajudou a desenvolver. Minha escrita é muito rápida. Minhas músicas são cantadas em uma cadência mais rápida que o normal. São mais palavras dentro de um espaço curto.

Carolina Fellet: Você desempenha outra atividade além de ser MC?

MC Brackes: Eu trabalho no Muzik às vezes; faço um freelance lá. Agora todos os meus shows estão sendo pagos, depois de três anos. Toda pessoa que quer ser autônoma vai passar por essa dificuldade. Até aprender a caminhar no trilho certinho.

Carolina Fellet: O funk e o sertanejo dominam a programação das rádios e a playlist dos eventos. Esses ritmos cruzam com a sua música? De que forma?

MC Brackes: O funk sim, desde Cidinho e Doca até Claudinho e Buchecha. Dos modernos, às vezes, minha mulher bota para ouvir, e eu ouço. Nada contra. E em festas também, né? Com o sertanejo, eu não tenho nenhum contato.

Carolina Fellet: Com relação à sua trajetória de MC, você tem alguma memória bacana para contar?

MC Brackes: Tenho duas. Uma vez, acho que foi em 2013, teve um encontro de rappers, e o fundador do evento Oldi me chamou para fazer uma participação no show do Gabriel O Pensador, que veio junto com o MC Beleza, que é muito conceituado. E isso foi um dia épico para mim e me abriu um horizonte enorme. A outra história tem a ver com Batalha de MCs, que tem uma edição nacional. Aí, eu lembro que a primeira vez que eu participei das eliminatórias, foi no viaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte e tinha 1.200/1.500 pessoas. Nesse dia, eu fiquei em choque também.

Carolina Fellet: Estou lendo um livro cuja citação inicial diz: “É preciso estar sempre embriagado... Para não sentirem o fardo horrível do Tempo, é preciso que se embriaguem sem descanso. Com o quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.” (Charles Baudelaire). Você sente necessidade de se embriagar também? Ser MC lhe permite isso?

MC Brackes: Saudavelmente, acho que não tem limite para coisa boa, que faz bem. É sempre bom se embriagar para esquecer um pouco os problemas. Todos temos problemas, mas todos temos virtudes também. É preciso lembrar que estamos vivos e temos oportunidades, todos os dias, de fazer melhor. E todo mundo sabe fazer alguma coisa boa bem. Acho legal se fartar disso, se alimentar disso, se empanturrar disso, se embriagar disso. Eu tô sempre embriagado de RAP. Vinte e seis horas por dia.

Carolina Fellet: Qual é a sua pretensão enquanto MC?

MC Brackes: Eu quero poder mudar a história de alguma forma. Quero, primeiramente, melhorar as condições da família, dos meus irmãos e da minha mãe. Depois eu quero colocar JF no mapa, num lugar privilegiado e ser uma porta de entrada para os outros músicos. Quero ser um exemplo para as pessoas, seguindo o modelo do The creator: Find your wings (“Encontre as suas asas” – essa é a ideologia que eu queria seguir). Se eu estou aqui, desempenhando um papel bom e fazendo o que eu gosto, você também pode, é só acreditar. Todos temos asas, é só usá-las, menos para a maldade.

Pingue-pongue:

Um ídolo: Aice NP.
Se não fosse o som... Eu seria designer.
Uma frase: “Seu amanhã está dependendo do seu hoje.”.
O Brasil: Pesadelo.
Ser artista... Ser artista é ser humano; desempenhar coisas naturais.

Versos de Fabricio: Nessa caminhada, muitos caíram, muitos morreram, muitos perderam. Pensando nisso, também quero ser, pra ser mais um... Dos que venceram. Quero ser eterno, não em corpo e alma, de criações, boa projeção. Que a minha face sorridente, seja alicerce pra evolução. Não que tudo sejam flores, prezo igualdade, alegria de parques. Para que em cada criança, se desabroche uma Rosa Parks. Se vive em meio a preconceitos, ou amigos secretos, num esquece. Neeegoo, mostra que tu é foda, pique Owens Jesse!


Carolina Fellet é jornalista e ama escrever sobre cotidiano e metafísica. Ela mantém a página Império do Mínimo no Facebook.

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