Servidores que atuam na segurança pública estão passíveis de enfrentarem problemas emocionais e psicológicos, sendo que em muitos casos, a situação é tão grave, que há registros de autoextermínio por parte dos agentes de segurança. No Brasil, em 2021, casos de suícidio entre policiais da ativa apresentou um aumento de 55,4%, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A pressão interna dentro das corporações policiais também são uma das causas para o aumento de casos de depressão, ansiedade, estresse, dentre outras patologias.

O Portal Acessa.com conversou com um policial penal, lotado em Juiz de Fora, que possui quadro de depressão. Para a segurança do entrevistado, não iremos revelar a identidade do servidor público tão pouco a unidade prisional onde trabalha. De acordo com o servidor de 48 anos, após a sua aprovação em concurso público em 2013, foi necessário passar por muitas etapas até chegar a sua efetivação, que aconteceu quatro anos depois. Durante esse período, segundo ele, o processo até chegar a posse do cargo foi desgastante.

“Eu sou do último concurso de 2013. Esse estresse com o sistema prisional já começa no concurso. As etapas são muito demoradas. Depois dessas etapas e quando finalmente você começa a trabalhar, aí começam as pressões. E se você produz muito no seu trabalho, isso acaba sendo prejudicial, e é aí que começa a exploração.”

Ao trabalhar em uma das unidades, o policial penal relatou a nossa reportagem que devido a tanto estresse gerado por conta das pressões sofridas dentro do sistema, o servidor precisou ser internado por duas vezes. Ele relata que precisou ficar em observação por 24 horas à base de remédios. Isso porque, os batimentos cardíacos do agente chegaram a mais de 200 por minuto.

“Durante um certo período trabalhando em uma das unidades por dez meses, foram tantos estresses que eu tive uma arritmia cardíaca. Meus batimentos chegaram a mais de 200 por minuto. Eu fiquei em observação por 24 horas tomando remédio. Tudo isso relacionado ao estresse dentro do serviço.”

Nascido no Rio de Janeiro, o servidor público também adquiriu outras doenças após entrar como policial penal. De acordo com ele, além da depressão, doenças como ansiedade, insônia e pressão alta fazem parte do cotidiano. Todas essas doenças e outros problemas de saúde foram adquiridos, segundo ele, após a entrada como policial penal.

“Eu faço tratamento psicológico e psiquiátrico. Tomo oito comprimidos todos os dias. Eu tenho colegas que passam pela mesma situação e a maioria dos problemas são relacionados a isso. O preso é o menor dos nossos problemas.”

Devido ao grande número de policiais penais afastados por conta de problemas emocionais e psicológicos, a consequência é que o efetivo de policiais se torne cada vez menor. Causando assim mais sobrecarga de trabalho desses profissionais, conforme explica o servidor.

“Chega a um ponto que você vai pedir ao médico para te afastar do trabalho. Isso acaba virando um efeito dominó. Vai faltando cada vez mais gente porque está sendo sobrecarregado e acabamos exercendo atribuições de serviço que não era para ser nosso.”

Conforme a psicóloga Elisangela Pereira, em casos como o do policial penal entrevistado pela nossa reportagem, devem ser acompanhados por um tratamento multidisciplinar. Ainda de acordo com ela, é necessário realizar atividades preventivas.

“É muito importante fazer terapia, exercícios de respiração, meditação e atividade física para combater o estresse. Isso tudo em conjunto irá fazer com que a pessoa tenha uma vida relativamente saudável, mesmo estando dentro desse ambiente estressante.”

Ainda de acordo com a psicóloga Elisangela Pereira, pessoas que ingressam dentro da segurança pública, em muitos casos, não possuem estrutura psicoemocional para lidar com situações de extrema pressão, como é o caso de um policial penal.

“Deveria ser feito um trabalho voltado para a saúde mental desses profissionais envolvendo psicoterapia, psiquiatria e atividades físicas. Seria muito importante que as políticas públicas olhassem mais esses profissionais de forma a oferecer esses serviços de forma viável e gratuita.

Sindicato dos Policiais Penais denuncia falta de estrutura e negligência do Estado

De acordo com o representante do sindicato dos policiais penais da 4ª Região Integrada (4ª Risp), Luciano Lins, as unidades prisionais em Juiz de Fora apresentam problemas de infraestrutura, falta de servidores, ambientes insalubres, além do inchaço carcerário. Ainda de acordo com ele, o Estado privilegia alguns setores em detrimento de outros. Ele também alega que o Estado negligencia a carreira dos policiais penais.

“Na nossa carreira, nós temos que estar brigando na Justiça para requerer alguns direitos que legalmente já são reconhecidos por lei. Há um atraso nas promoções e progressões. Nós construímos a nossa PEC da Polícia Penal onde foi aprovada, onde se reconhece os policiais penais como integrantes da segurança pública e nessa PEC diz que temos que ter a meritocracia, a subordinação ao governador e com autonomia administrativa.”

A PEC 53/20, mencionada pelo representante do Sindicato dos Policiais Penais da 4ª Risp, foi aprovada em junho deste ano. Com 65 votos favoráveis, o texto prevê que o órgão seja dirigido por policial penal em atividade, ter pelo menos 15 anos de carreira, estar na classe final e formado em direito.

“A forma discricionária como o sistema tem sido conduzido, favorece alguns e negligenciam outros. Com isso, a tropa adoece. Nós lidamos com pessoas reclusas. A gestão hoje do Departamento Penitenciário não valoriza o seu pessoal. Nós não temos reuniões para alinhamento de atividades. É uma gestão muito fria. A tropa só tem comando para punir e não para supervisionar. Dentro desse contexto, nós percebemos o adoecimento da tropa,” diz o servidor

Ainda de acordo com Luciano Lins, o adoecimento dos policiais penais dentro do Complexo Prisional em Juiz de Fora, é algo alarmante devido às mazelas do sistema prisional e da falta de comprometimento do Estado com a carreira dos servidores.

“Há unidades com esgoto a céu aberto, falta d'água, mofo e rachaduras. Com a interdição do Ceresp, os detentos foram distribuídos para o complexo prisional e a estrutura ficou danificada devido ao alto número de presos.”

O representante do sindicato também faz críticas ao programa responsável pelo atendimento psicológico voltado para os policiais penais. De acordo com ele, há falta de um trabalho preventivo no que diz respeito à saúde mental dos policiais penais.

“Não existem profissionais locais vinculados à Secretaria de Segurança Pública do Estado para tratar o servidor. Isso só existe em Belo Horizonte. O servidor é quem tem que se cuidar por meios próprios. Só que quando chega a esse ponto, o trabalhador já está doente. Não existe um trabalho de prevenção por parte da secretaria e quando ela acolhe, o servidor já está adoecido e com atestado de 30 e/ou 60 dias.”

Associação alega falta de efetivo, excesso de trabalho, assédio moral e recomposição salarial

Segundo a Associação do Sistema Socioeducativo e Prisional de Juiz de Fora (ASSPRIJUF), não há planejamento por parte do Governo do Estado e que o aumento no número de afastamentos por parte dos servidores, é devido a o grande número de tarefas diárias, acarretando uma maior sobrecarga de trabalho. Em relação a reposição dos servidores que atuam na Polícia Penal e no Sistema Socioeducativo, está em andamento um concurso que, de acordo com a Associação, não irá suprir as necessidades atuais.

A Associação também afirma que há casos de assédio moral e perseguições por parte de alguns gestores e que quando o Estado é acionado para apurar o caso, existe uma demora para aplicar as sanções devidas.

A ASSPRIJUF ainda informa que a carga horária também está relacionada diretamente aos afastamentos dos servidores por motivos de problemas emocionais. Isso porque, uma vez extrapolando a carga horária, é gerado um banco de horas, que na grande maioria das vezes, o policial não consegue fazer o usufruto das horas excedentes, pois sempre faltam servidores para realizarem as atividades rotineiras nas unidades.

Por fim, outro fator contribuinte é a falta de política remuneratória das perdas inflacionárias salariais anualmente, que de acordo com o órgão, o governo não cumpre a recomposição.

Servidores da segurança pública podem recorrer a Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor da Sejusp (DAS)

A Secretaria de Justiça e Segurança Pública informou a nossa reportagem que é importante esclarecer que a competência para formular e gerir a política de saúde ocupacional, bem como as atividades de saúde, segurança do trabalho e perícia em saúde de todos os servidores da Sejusp, é da Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional, que pertencente à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão - Seplag.

Ainda de acordo com a Sejusp, a Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS), dentro de seus limites de competência estabelecidos pelo Decreto n° 47.795, de dezembro de 2019, vem desenvolvendo diversas iniciativas no sentido de ampliar o acesso dos servidores aos cuidados de saúde mental, a partir de diferentes modalidades de atendimento e demandas. Dentre esses, o acolhimento biopsicossocial, estimulando uma cultura de cuidado e a adesão ao tratamento a ser realizado na rede de saúde pública ou privada, de acordo com cada caso.

Os serviços da DAS podem ser requisitados das seguintes formas: a pedido do servidor; da chefia; de colegas de trabalho; de familiares; da equipe da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor; e pela Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional.

A Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor realiza atendimentos aos servidores da Sejusp em todo o território do Estado; a assistência biopsicossocial poderá ser realizada de forma presencial ou remota, por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), mediante agendamento prévio, pelos telefones da DAS ou e-mails disponibilizados nos canais de comunicação da Sejusp.

“Cuidar Bem de Quem Cuida”

A Secretaria também anunciou que está em desenvolvimento um projeto de reestruturação da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor, intitulado “Cuidar Bem de Quem Cuida”; e, atualmente, conta com financiamento parcial do Fundo Nacional de Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no eixo Valorização dos Profissionais de Segurança Pública.

Dessa forma, serão criados Centros de Atenção Biopsicossocial para atendimento em todas as Regiões Integradas de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais. Atualmente, os Centros de Atenção Biopsicossocial de Belo Horizonte e de Montes Claros encontram-se em funcionamento; há previsão de serem inaugurados, em curto e médio prazo, os novos Centros em Uberlândia, Unaí, Juiz de Fora e Pouso Alegre.

Obras e Reformas

Conforme a Sejusp, o Centro de Remanejamento Provisório de Juiz de Fora foi desativado, momentaneamente, para reforma de melhorias e ampliação. A unidade será reformada integralmente: rede de esgoto, rede elétrica, celas, camas reconstruídas e telhado reformado. Recentemente, a Casa do Albergado José Alencar Rogedo também teve o seu telhado reformado.

Concurso e Processo Seletivo

A Secretaria informou que encontra-se em fase final o Processo Seletivo para Agente Penitenciário, que oferecerá 3.506 vagas. Também foi informado que está em andamento o concurso público com a oferta de 2.420 vagas para o cargo de Policial Penal, para atuação em todas as unidades prisionais sob administração do Depen-MG.

 

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Foto: DANIEL ARROYO/PONTE JORNALISMO - Policiais Penais sofrem altas cargas de estresse e são vítimas de problemas emocionais

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