Árbitro de futebol não tem profissão regulamentadaJuízes precisam ter carreiras paralelas para garantir direitos trabalhistas. Remuneração é vista por muitos como complementação salarial

Clecius Campos
Repórter
15/7/2009

Massacrados pela torcida, questionados pelos comentaristas, respeitados pelos jogadores e amados pelas mães. Os árbitros de futebol possivelmente são os profissionais mais odiados e nem sequer têm o título de profissionais. A atividade não é regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por isso não goza de benefícios trabalhistas.

Para garantir direitos, como salário fixo mensal, seguro-desemprego, férias e aposentadoria, diversos profissionais do setor têm carreiras paralelas à de árbitro. Dos 76 juízes que compõem o quadro da Federação Mineira de Futebol, 69 possuem outra atividade, que varia de professor de educação física a sapateiro, passando por cirurgião-dentista, fisioterapeuta e policial militar.

No entanto, a paixão pelo futebol e a emoção do contato com a torcida motivam a contribuição de profissionais de diversas áreas para a realização do esporte mais amado do Brasil. De acordo com o árbitro da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FFRJ), Maurício Coelho Júnior, embora a relação com a torcida não seja das melhores, a presença de cada torcedor no estádio é importante. "É um incentivo para que sejamos mais atentos às marcações. Mas é claro que nunca o juiz vai sair aplaudido de campo, por nenhuma das torcidas."

O juiz da Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS), Dirceu Fábio Ribeiro Tresse, concorda com Júnior. Para ele, a relação é um duelo entre razão e emoção. "O árbitro tenta ser racional quando apita uma partida, mas é claro que pode errar. Com um movimento do braço, é possível que um título seja decidido." Por isso, os sentimentos da torcida vão à flor da pele. É aí que começam as vaias, as agressões e os xingamentos. "Brinco que tenho duas mães, uma para ficar em casa, quietinha, e outra para ser xingada no ginásio."

Júnior garante, porém, que o relacionamento conturbado com os torcedores não é a maior dificuldade. "O fato de a atividade não ser reconhecida como profissão é uma desvantagem. Outro problema é que a remuneração é baixa em início de carreira e não há estabilidade." Um árbitro da FFRJ, por exemplo, recebe R$ 150* por partida apitada em categorias de base. Em jogos profissionais, da primeira e segunda divisões do Campeonato Carioca, o juiz chega a receber R$ 1.500*.

Foto de árbitros em ginásio de futsalO árbitro de futsal tem remuneração mais baixa. Cada partida apitada na categoria principal da Liga Nacional do esporte vale R$ 280*. Em categorias de base e jogos pequenos, o juiz pode receber de R$ 20* a 50* por atuação. Por isso, segundo Tresse, a maioria dos árbitros precisam conciliar o trabalho formal com a atividade no esporte e nem sempre conseguem estar em boas condições físicas para as partidas. "Mesmo assim há árbitros que tentam viver da profissão. Para isso eles apitam jogos todos os dias."

Como ser um árbitro?

Para tonar-se um árbitro de futebol de campo, é necessário fazer um curso em qualquer federação estadual de futebol. Durante o curso, que tem duração de onze meses, o juiz tem aulas de português, inglês, espanhol, redação, legislação desportiva, psicologia, técnicas de treinamento físico, súmula e regras (ver quadro).

Além disso, são dadas aulas práticas, com atividades físicas. "É uma formação completa para que o árbitro possa exercer a atividade em torneios estaduais, nacionais e internacionais", afirma Júnior. É necessário ainda comprovar 80 horas/aula de estágio prático. O valor da matrícula do curso FFRJ é R$ 250* e as mensalidades saem por R$ 400*.

O curso para árbitro de futebol de salão é mais curto. Com duração de 40 horas/aula, divididas em oito semanas, são estudados conteúdos das regras do esporte, de justiça desportiva, além de conceitos da psicologia. Numa segunda etapa são exigidas atividades práticas, realizadas em três meses. O curso na Federação Mineira de Futsal (FMFS) custa R$ 300*.

Estrutura curricular
TópicosCarga horária específica
Regras do Jogo 80 horas
Prática de Arbitragem 80 horas
Preparação Física e Avaliações 80 horas
Prática Supervisionada 64 horas
Árbitro Assistente 20 horas
Expressão Oral e Escrita - Língua Portuguesa 20 horas
Redação de Súmulas e Relatórios 10 horas
Procedimentos de Arbitragem 10 horas
Psicologia Aplicada à Arbitragem de Futebol 10 horas
Legislação e Código Desportivo 10 horas
Noções de Treinamento Físico Aplicada à Arbitragem de Futebol 10 horas
Noções de Primeiros Socorros 10 horas
Noções de Treinamento Físico Aplicada à Arbitragem de Futebol 10 horas
Nutrição Aplicada à Arbitragem de Futebol 10 horas
Fisioterapia Aplicada à Arbitragem de Futebol 10 horas
Inglês 10 horas
Espanhol 10 horas

Fonte: Federação de Futebol do Rio de Janeiro

Ascensão profissional

Como em toda a profissão, a ascensão na carreira é buscada pela maioria dos árbitros. Todos iniciam sua trajetória da mesma forma: apitando jogos nas categorias de base. Júnior terminou seu curso em 2005 e hoje atua na primeira e segunda divisões do Campeonato Carioca. "Ainda não apitei um clássico nas categorias profissionais, mas já arbitrei jogos do Flamengo contra o Vasco em todas as demais. É uma responsabilidade muito grande."

Já Tresse finalizou o curso em 2002. Em 2004 apitou a final do Campeonato Mineiro de Futsal. "Em 2005 fui indicado para a Confederação Brasileira de Futebol de Salão e hoje atuo nos jogos da liga nacional." A intenção é chegar à Federação Internacional. "Apenas quatro árbitros brasileiros têm cadeira na Fifa."

Assistentes e quarto árbitro

Foto de bandeirinhas, apitos e cartõesAs figuras dos assistentes de arbitragem e do quarto árbitro também são de extrema importância num jogo. De acordo com Júnior, as regras atuais permitem que bandeirinhas e o quarto árbitro tenham atuação decisiva nas partidas. "Faltas próximas aos assistentes, impedimentos e jogadas duvidosas podem ser marcadas pelo bandeirinha."

Já o quarto árbitro tem função mais burocrática. Ele é responsável por conferir a documentação dos jogadores, anotar cartões e também pode interferir em jogadas. "Por isso é essencial que o quarteto esteja em sintonia."

* Os valores foram informados em julho de 2009

Os textos são revisados por Madalena Fernandes