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Política paraense: igual e diferente

Lúcio Flávio Pinto - Julho 2009
 

No Pará se aplica como luva a definição dada a certo tipo de política, na qual tudo muda para ficar exatamente como estava. Em três anos, a situação política experimentou enorme transformação, mas apenas de nomes e de interesses. Nada em substância. O Pará continua parado.

Quem tivesse viajado para longe do Pará logo depois da eleição de 2006 e só voltasse agora, ficaria chocado com a nova situação política do Estado. Os dois maiores aliados e amigos de antes se tornaram os principais adversários de hoje, dentro do mesmo partido, o PSDB. Mais do que antagonistas políticos, viraram inimigos pessoais, embora o ex-governador Simão Jatene, por estratégia, não revide aos ataques que lhe foram desfechados pelo ex-governador Almir Gabriel.

Os paraenses vêem a repetição melancólica das cenas que se tornaram comuns na época do regime militar, a partir do momento em que seus dois principais representantes assumiram o rompimento total. Mesmo quando estavam num mesmo local, os coronéis Jarbas Passarinho e Alacid Nunes faziam que não se viam. Cumprimentos, nem pensar. A guerra que travavam pelo controle do poder político experimentou uma trégua em 1978, quando o presidente da república, general Ernesto Geisel, impôs a volta de Alacid ao governo, com a contrapartida de que na eleição seguinte Jarbas daria as cartas. Alacid, entretanto, inventou um pretexto e apoiou o candidato da oposição, Jader Barbalho, do PMDB. Nem a truculência do então presidente João Figueiredo mudou sua posição. Jarbas foi derrotado, pessoalmente para o Senado e com seu candidato ao governo, o empresário Oziel Carneiro.

Almir Gabriel e Simão Jatene estiveram presentes ao casamento do senador Mário Couto, mas apenas tocaram pontas de dedos no cumprimento frio e trataram de procurar mesas distantes. Durante a grande festa, para aproximadamente mil convidados, que funcionou como o pré-lançamento da candidatura de Couto ao governo do Estado pelo PSDB, Almir não parou de falar mal do ex-secretário, em particular ou para representantes da imprensa. E de fazer proselitismo em torno do nome que considera o melhor para a campanha tucana.

O ex-governador pode continuar a bater na tecla da traição de Jatene, do seu despreparo ou da má gestão que teria realizado entre 2002 e 2006. Nada disso vai contar para as definições dentro e fora do PSDB. Pelo contrário: a insistência numa retórica que já se tornou ladainha cansativa apenas abrirá o buraco no qual Almir Gabriel resolveu se afundar, comprometendo de vez sua biografia. O efeito dos ataques foi contrário ao desejado por ele: pela primeira vez Jatene admitiu seus contatos com Jader Barbalho. Não só abandonou a reserva, que antes adotava, consciente de ser essa a principal causa da fúria do ex-amigo: declarou com todas as letras que pretende conseguir o apoio do PMDB.

Se Jader sair do mutismo tático e confirmar o endosso, esta será a principal arma de Jatene para afastar de vez a ameaça da dissidência de Mário Couto. Os 1,4 milhão de votos que Couto conseguiu para se eleger senador não garantem que repetirá a dose no próximo ano - e muito menos que sua candidatura a governador poderá ser referendada pelo PSDB, majoritariamente composto com Jatene. A aliança PSDB/PMDB constituirá alternativa com poder real de vitória diante da muito enfraquecida cotação da governadora Ana Júlia Carepa à reeleição.

Ela precisará realizar quase um milagre administrativo para livrar a sua imagem de estigmas desgastantes, que serão usadas na campanha eleitoral de 2010. Quem buscar pela memória encontrará muitos motivos para descredenciá-la e poucos para autorizá-la na permanência no cargo. O presidente Lula já mandou recados de insatisfação com o desempenho da governadora petista do Pará, por sua trajetória de pequenos escândalos: desde a contratação de esteticistas pessoais, nepotismo e outros vícios do abuso de poder, até o contraste entre a retórica e a prática. Todas as obras que ela aponta como suas são heranças dos 12 anos dos tucanos. A que mais tem sido divulgada é prolongamento de uma dessas obras e, se houvesse pelo menos bom senso na máquina de propaganda oficial, deveria ser ignorada: a cozinha industrial do Hangar Centro de Convenções.

Pode-se argumentar que a governadora guarda dinheiro e fôlego para desencadear uma ofensiva de obras a partir deste verão, enfileirando realizações até a eleição de 2010, com o decidido reforço das verbas federais. Só se realmente o caixa do Planalto tiver folga suficiente e o presidente superar sua relutância pessoal para carregar sua pesada candidata. A rubrica do custeio da máquina estadual cresceu exponencialmente nos dois anos anteriores, enquanto a receita rateou, como era de se esperar. Quanto sobrará de dinheiro para investir neste ano? Uns falam em 500 milhões de reais, outros em 400 milhões. Mas pelos números concretos, estão sonhando. A capacidade de investimento próprio do Estado será mínima. A dependência da União será total.

A partir de Brasília, a perspectiva oferecida pelo quadro político do PT do Pará é complicada. A governadora é minoritária no seu próprio partido e sua tendência, a minúscula DS, já se fragmentou, o que agrava a sua inexpressividade na amplitude de um Estado como o Pará. Ana Júlia está conseguindo a façanha de não encorpar o PT com as numerosas adesões de prefeitos, característica de todos os partidos no poder. O dela parece ter entrado num SPA político.

Encontrar um forte aliado é vital. Conseguirá o PT restabelecer a parceria com o PMDB, que sugere pretender se atrelar ao PSDB? A que preço? Os sinais hostis devolvidos por Jader Barbalho às tentativas de reaproximação petista indicam que o preço dessa recomposição será muito mais alto do que o de 2006, se ainda for viável. Qual a opção de Ana Júlia sem o PMDB? O PTB de Duciomar Costa e o ainda mais fortalecido PR do vice-prefeito de Belém, Anivaldo Vale? E se os dois forem afastados dos seus cargos pela justiça, em qualquer dos vários processos que tramitam por diversas varas? As perguntas são várias e delicadas, enquanto os luas pretas do governo pensam que podem encará-las e decifrá-las com elucubrações de gabinete. Por desconhecerem a voracidade da Esfinge, tomam-na como figura de linguagem.

Nos bastidores, o que não falta são hipóteses e mais hipóteses de arranjos, composições, entendimentos. Tudo é possível porque nenhum programa de governo separa os vários grupos políticos, no poder ou em busca dele. São apenas conveniências e interesses pessoais, ou grupais. Por isso há tantas, tão súbitas e tão desconcertantes mudanças, capazes de chocar quem se ausenta do Estado.

Culpa só dos políticos que seu mundo gire como se não fizesse parte de um conjunto de situações complexas e desafiadoras, como são as do Pará? Agem como se não fosse sua função apresentar soluções para os problemas ou ao menos considerá-los com algum entendimento e domínio?

Nossas elites políticas (e empresariais) não são da melhor qualidade, mesmo quando referidas a um quadro nacional medíocre. Mas o desinteresse, a omissão e a conivência da sociedade têm sua parcela de responsabilidade para o diagnóstico de esquizofrenia, que pode definir a dissociação entre o comando do Estado e sua realidade. Os que podiam intervir nesse drama com seu saber e sua vontade preferem lavar as mãos e também cuidar apenas do seu microcosmo, na presunção de que suas torres de aço e concreto são inatingíveis. O comportamento desconhece os ensinamentos de um ditado popular: quanto maior a altura, maior o tombo. A de um Estado tão grande quanto o Pará tem sido descomunal.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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