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As cenas no Chile e as nossas minas

Lúcio Flávio Pinto - Outubro 2010
 

Um bilhão de pessoas em todo mundo acompanharam, na semana passada, o resgate de 33 mineiros na mina de San José, no deserto de Atacama, no Chile. Alguns milhares de pessoas fizeram esse acompanhamento com mais atenção aos detalhes. Além de estarem interessadas na sorte dos trabalhadores, que ficaram presos numa das galerias, a 700 metros de profundidade, tentavam aproveitar as lições da situação para usá-las em causa própria.

Foi o caso dos chineses. A cada ano, entre dois mil e três mil mineradores morrem nas lavras subterrâneas, não de cobre, como no Chile, maior produtor mundial do minério, mas de carvão mineral, que mantém em funcionamento as termelétricas, das quais saem 80% da energia consumida por 1,3 bilhão de habitantes da nação mais populosa da Terra. É muito mais do que a média de 30 a 50 mortes anuais que acontecem no Chile, na busca pelo cobre, produto responsável por 60% do comércio exterior do país. Ou nos Estados Unidos, onde o drama de Atacama também teve grande audiência.

A conclusão geral é de que são precárias as condições de segurança nessa importante atividade econômica. O Chile nem assinou a convenção internacional da OIT sobre saúde e segurança na mineração. Por sorte, o acidente aconteceu numa grande mina organizada. Se fosse em alguma das minas informais, que funcionam à margem das mais elementares regras de operação, o final dificilmente seria feliz. Mesmo o sucesso do salvamento dos mineiros de San José não conseguiu esconder a escandalosa precariedade do trabalho em minas. Um dos mineiros resgatados, mal saiu do buraco, fez a cobrança - direta e firme - ao presidente Sebastian Piñera, que o esperava com ares de salvador.

O episódio também podia ser observado com proveito no Pará, que já tem várias grandes minas em funcionamento. Todas com uma diferença substancial em relação ao que ocorreu no Chile: são jazidas tão ricas à superfície que permitem a lavra a céu aberto, sem a necessidade de aprofundar a extração. É chocante, para quem viu a paisagem antes do início da mineração, contemplá-la depois que tudo virou um buraco ou é uma sucessão de plataformas. Mas os acidentes são mínimos.

O que impressiona (mais em Carajás do que em qualquer outra mina) são as máquinas gigantescas, operadas com facilidade por trabalhadores bem treinados, graças aos recursos tecnológicos de que dispõem. Como esses equipamentos representam um alto investimento de capital e tecnologia, seus proprietários têm que resguardá-los através da melhor capacitação dos operadores. E de controle e supervisão superpostos.

Se ainda há acidentes (e há numa freqüência maior do que a que se podia esperar), como o que vitimou um cidadão marabaense em 2007, esmagado pelo maior caminhão de carga que existe (com capacidade para 240 toneladas), é por negligência dos responsáveis pela programação das atividades. A questão de maior relevância é o desrespeito aos direitos trabalhistas. Por isso, as duas juntas do trabalho de Parauapebas são das mais congestionadas do país.

Esse índice exagerado de demandas deve-se ao fato de que, dos 15 mil trabalhadores na mina de ferro de Carajás (a mais importante do mundo), 12 mil são terceirizados. A Companhia Vale do Rio Doce privatizada conseguiu mudar a relação que havia entre funcionários da estatal e os empregados das terceirizados: a posição destacada dos primeiros era cobiçada pelos segundos, cuja maior ambição era se tornarem contratados da CVRD.

Hoje, o pessoal de nível inferior da Vale quer passar para as empreiteiras, onde podem ganhar melhor, a despeito da insegurança na continuidade no emprego, pelo intenso turn-over (mal traduzindo, revezamento compulsório, imposto pelos interesses do patrão), pelo fato de que a demissão em juízo sai mais barato do que o respeito aos direitos trabalhistas desde o início e porque também é precária a estabilidade na principal firma contratante, a própria Vale.

Enquanto isso, a ex-estatal bate seguidos recordes de lucratividade, investimento e distribuição de resultados, tornando-se uma das empresas que mais distribui dividendos, favorecendo os detentores de ações preferenciais (eles não participam das decisões, mas são os primeiros a receber sua cota nos enormes lucros). Parte dessa rentabilidade deve-se à eficiência da corporação, mas três fatores são fundamentais: a riqueza excepcional do minério de ferro de Carajás, o fato de ele estar localizado nas camadas mais superficiais do subsolo (possibilitando a lavra a céu aberto) e o crescimento exponencial do consumo da China (que também provocou a alta recorde dos preços do cobre, desencadeando uma corrida perigosa a todos os depósitos identificados no Chile, com sacrifício das condições de trabalho e de segurança).

Os paraenses são donos dos dois primeiros fatores, mas não são remunerados por essa condição na mesma medida em que os acionistas da Vale. Com um ônus tributário que equivale, hoje, a menos da metade da incidência de 1997, quando a estatal foi vendida, e uma compensação financeira irrisória, o Pará, de olho nas cenas emocionantes do resgate dos mineiros chilenos, tem que tomá-lo como inspiração para cobrar seus direitos sobre o patrimônio tão valioso que são as suas minas. Antes que entre em operação a primeira em profundidade. Exatamente para extrair o cobre, como o Chile faz há muitas décadas.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).




Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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