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Ainda sobre Bin Laden

Lúcio Flávio Pinto - Maio 2011
 

O atentado de 11 de setembro de 2001 provocou três mil mortes e prejuízos materiais de pelo menos sete bilhões de dólares aos Estados Unidos apenas com o desabamento dos dois maiores prédios de Nova York, do World Trade Center. A vingança americana contra o autor intelectual do ataque, Osama Bin Laden demorou uma década, resultou em menos de duas dezenas de mortos e danos materiais insignificantes, se considerados apenas os diretamente relacionados ao ato de execução do terrorista número um do mundo.

Para poder recolher informações e planejar a consumação da investida contra o chefe da Al-Qaeda, quantos bilhões de dólares não tiveram os americanos de gastar? Há quem fale em 1,15 trilhão de dólares.

Só para manter a inconfiável aliança com o Paquistão, onde Bin Laden se homiziou, graças à evidente conivência de algum segmento do governo local, os EUA investem US$ 2,3 bilhões por ano. Considerando-se a correlação, pode-se concluir que a maior potência mundial realmente saiu ganhando em mais este confronto da guerra santa que desencadeou contra os radicais islâmicos?

É difícil contestar o direito dos americanos de retaliar o mais grave atentado que seu país já sofreu em toda a sua história. A vingança era uma questão de honra, ao menos na perspectiva da ética e da moral do american way of life. A nação parece disposta a pagar o preço que os seguidores de líderes como Bin Laden irão cobrar. Mas qual será esse preço? Ninguém sabe. O maior trunfo do terrorismo atual é ser imprevisível, sem limite.

Os americanos deviam saber disso. Os documentários registram a perplexidade da marinha dos EUA diante dos pilotos japoneses kamikazes. Por mais poderosas que fossem as armas de defesa, competentes os seus manejadores e heróicos os combatentes, o que fazer diante de um avião pilotado para seguir contra o alvo até o sacrifício humano final?

Para os pilotos suicidas do Japão, morrer era o mais sublime dos atos de honra e dignidade. Nisso, eles eram incomparáveis e inimitáveis. A resposta americana teve que ser dada através de duas bombas nucleares. Nem kamikazes podiam sequer igualá-la. Superá-la estava fora de cogitação. O Japão se rendeu incondicionalmente.

Os terroristas inspirados pela doutrina islâmica e os compromissos nacionais do Oriente ultrapassaram o limite dos pilotos suicidas japoneses. Se alguém pode reivindicar a personificação da mitologia dos cavaleiros do apocalipse, eles não têm concorrentes. Nem de longe.

Basta ver as imagens das manifestações de protesto pela morte do líder da Al-Qaeda. Não mais apenas homens-bomba: crianças-bomba desfilaram numa marcha na Palestina, devidamente paramentadas para o sacrifício com seus cintos de explosivos. O que fazer diante desses inimigos: lançar uma nova bomba nuclear? Onde? Exatamente contra quem?

A conjuntura de 1945 no Japão nada tem a ver com os dias de hoje. As terríveis armas geradas pela tecnologia de ponta made in USA podem ser usadas à larga e ainda assim a vitória dos seus portadores será como a de Pirro. Podem até conquistar uma vitória, como a que comemoram desde o desaparecimento de sua maior ameaça, na forma de uma única pessoa. Mas ganharão sem levar.

No entanto, precisarão - agora ainda mais do que antes - manter a escalada contra os grupos radicais islâmicos. Sua melhor defesa é continuar atacando, diminuindo as margens de tempo e de espaço daqueles que também irão intensificar seus planos de ataque.

O leitor que chegar até aqui perguntará: mas o que estas considerações tem a ver com meio ambiente e Amazônia? A relação está na prioridade crescente que o combate ao terrorismo terá, ao menos durante os próximos meses, em todo o mundo.

Outras plataformas perderão substância e atenção. Sobretudo se continuar a prevalecer a ilusão de que os inimigos da civilização ocidental, como são considerados todos os que se acham fora dela, por opção ou constrição, podem ser vencidos pelas armas, pela força, pela violência.

A que persuasão está sujeita uma criança ou um adolescente disposto a se explodir por uma causa, ou, dito de outra maneira, contra um inimigo incondicional, escolhido como tal?

Alguém que aceita esse grau de sacrifício por uma razão abstrata não pode ser dobrado. A opção mais fecunda devia ser a de ir atrás de resposta para outro tipo de pergunta: por que pessoas em condições iguais, com o mesmo potencial de submissão à ordem de morte (sua e de terceiros), não fizeram essa escolha até agora?

Essa pergunta podia ser feita a milhões de cidadãos (e ex-cidadãos) que, nascidos nos países demonizados pela retórica americana disseminada a partir de Ronald Reagan, vivem atualmente em países regidos pelos princípios da civilização ocidental. E neles permanecem por decisão voluntária, atendendo à mais humana das seduções: uma vida melhor, mais digna, mais confortável. Podem até não tê-la ainda. Podem até mesmo nunca chegar a alcançá-la. Mas têm mantêm essa esperança, ou ilusão.

Aplicando cada vez mais recursos na guerra, os países que se fortaleceram pelo respeito a valores sob a ameaça do terrorismo internacional deixarão de investir na melhoria das condições de vida dos seus habitantes, nativos ou imigrantes, condições tanto sociais quanto ecológicas.

Jogarão fora arma (não letal) muito mais eficiente do que as empregadas para matar Bin Laden e os que se lhe seguirem, venham a ser eles homens adultos ou crianças-bomba. Ao invés de se fortalecer, o mundo continuará a ser um barril de pólvora. Cada vez mais.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).




Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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