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Notas políticas

César Benjamin - Fevereiro 2015
 

1. Uma das coisas engraçadas aqui no facebook é a sem-cerimônia como se publicam estatísticas falsas e inverossímeis - e como as pessoas acreditam nelas. Nesse quesito, os petistas são imbatíveis. Está circulando um artigo de Mauro Santayana, por exemplo, que nos garante que o PIB brasileiro cresceu 400% nos dez primeiros anos dos governos do PT. Se tivesse um pingo de verdade, isso humilharia a China: deve dar um crescimento médio de, mais ou menos, 30% ao ano, durante dez anos, quando, na verdade, crescemos em torno de 3% (a China espanta o mundo crescendo entre 7% e 9% ao ano).

Um gráfico compara os gastos em educação no Brasil no começo do governo FHC e no final do primeiro governo Dilma, com grande vantagem, é claro, para esta última. No pé do gráfico aparece: "em R$ bilhões". Ou seja, não se levam em conta 20 anos de inflação.

Uma tabela diz que o salário-mínimo era de 70 dólares no governo de FHC e passou a 375 dólares no governo Dilma. 70 dólares era o valor do salário quando FHC assumiu o governo, e 375 dólares era o valor no final do primeiro governo Dilma (com a desvalorização do real, em curso, esse número já diminuiu muito). Mas o mais curioso é o seguinte: é certo que, no fim do segundo mandato de Dilma, o reajuste acumulado do salário-mínimo será menor do que no governo de FHC.

Os percentuais de aumento real do salário-mínimo nos últimos vinte anos foram os seguintes: FHC 1: 29,45% // FHC 2: 9,98% // Lula 1: 20,68% // Lula 2: 34,87% // Dilma 1: 11,36%. Com a economia estagnada ou em recessão, os aumentos reais no segundo mandato de Dilma serão muito menores, se existirem.

Na média dos oito anos de cada um, repito, FHC terá aumentado o salário-mínimo muito mais do que Dilma. É triste, mas é verdade.

Os governos do PSDB foram péssimos, sob muitos pontos de vista. Mas quem quiser entender a matemática petista deve ler o livro Como mentir com estatísticas.

2. Simpatizantes do governo fizeram um ato em defesa da Petrobras no mesmo dia em que ela perdeu o grau de investimento, o que complicará bastante a sua situação. A presença de Lula no ato é perturbadora, não por causa da corrupção, já que, até onde sabemos, nada surgiu contra ele nas investigações da Lava-Jato. É perturbadora porque, no rebaixamento da Petrobras, a gestão temerária pesou muito mais do que a corrupção. E nisso - gestão temerária -, a culpa de Lula é indiscutível. Alguns exemplos:

(a) Há alguns anos, o senador José Sarney barganhou apoio no Senado em troca da construção de uma refinaria no Maranhão. O corpo técnico da Petrobras logo avisou que o empreendimento era inviável, mas os acordos políticos do presidente predominaram. A Petrobras gastou mais de R$ 2 bilhões em procedimentos premiminares, até que, recentemente, Graça Foster anunciou o cancelamento definitivo do projeto, por inviabilidade econômica.

(b) Na sequência da negociação entre Lula e Sarney, os irmãos Gomes (Cid e Ciro) exigiram a construção de outra refinaria, dessa vez no Ceará (refinarias pagam muito ICMS). O corpo técnico da empresa de novo avisou que era uma loucura, mas, mais uma vez, prevaleceu o interesse de Lula em atrair o apoio político dos Gomes. A Petrobras gastou mais de R$ 1 bilhão nas ações preliminares, até que, recentemente, Graça Foster anunciou o cancelamento definitivo também desse projeto, por inviabilidade econômica.

(c) Lula e Chávez planejaram juntos a construção de uma terceira refinaria no Brasil, projetada especificamente para refinar o petróleo pesado da Venezuela. Isso foi anunciado como um empreendimento conjunto entre a Petrobras e a PDVSA, venezuelana. A Petrobras saiu na frente e a PDVSA nunca entrou. Nenhuma reclamação foi possível, pois o acordo entre os dois presidentes havia sido meramente oral, sem nenhum documento que permitisse interpelar a PDVSA. A Petrobras ficou sozinha na refinaria Abreu e Lima, que, até agora, consumiu 20 bilhões. Ela jamais se pagará.

(d) Por questões internas, o PMDB do Rio de Janeiro tem grande peso nas convenções nacionais do partido. Vendo o que acontecera no Maranhão e no Ceará, Sérgio Cabral exigiu um complexo petroquímico no Rio. O corpo técnico etc. etc. Mais uma vez prevaleceu etc. etc. Assim começou a nascer o Comperj, que já consumiu outros muitos bilhões. Os auditores que fizeram o último balanço da Petrobras atribuíram valor zero ao Comperj - valor zero, repito -, ao constatar que ele também jamais se pagará.

(e) Houve a compra da refinaria de Pasadena. As dúvidas sobre a conveniência ou a má-fé desse negócio foram dissipadas quando o ex-diretor Paulo Roberto Costa, em delação premiada, confessou ter recebido 1,5 milhão (não lembro se de reais ou de dólares) para "não atrapalhar o negócio". Em negócio limpo, lucrativo, nenhum diretor precisa receber um "cala a boca".

(f) Para mascarar as pressões inflacionárias, os govenos Lula e Dilma mantiveram artificialmente baixos os preços dos combustíveis, o que causou, ao longo dos anos, um prejuízo de cerca de R$ 100 bilhões à Petrobras.

Por esses e outros fatos, os auditores do último balanço recomendaram que a Petrobras desse baixa (ou seja, eliminasse, considerasse perdidos) em ativos da ordem de R$ 88 bilhões, quantia que ultrapassa de longe qualquer corrupção que possa ter existido. Ninguém consegue roubar R$ 88 bilhões. O vazamento desse número incrível para a imprensa causou a queda de Graça Foster.

Como se vê, a razão principal da crise da Petrobras é que ela foi usada politicamente por Lula durante anos, em atos que configuram claramente o crime de gestão temerária, previsto em lei. Vê-lo, agora, querendo liderar um movimento em defesa da empresa dá uma certa náusea.

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César Benjamin é o editor da Contraponto.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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