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Eleição no Pará será violenta

Lúcio Flávio Pinto - Julho 2015
 

Com um olho em 2016 e outro em 2018, os dois principais grupos políticos do Pará se antecipam na disputa pela estrutura de poder do Estado. Seus palanques já estão montados. Por enquanto, nos meios de comunicação, cada vez mais violentos na sua linguagem.

É provável que nunca uma campanha eleitoral tenha começado mais cedo no Pará quanto agora. A mais de um ano da disputa pelos cargos municipais, de prefeito e vereador, a movimentação política tem nítido objetivo eleitoral. Mas visando mais do que a eleição de 2016: de olho também na corrida seguinte, a maior, em 2018.

Para o partido que está no topo do poder, o PSDB, a perspectiva é desafiadora porque Simão Jatene completará seu segundo mandato consecutivo (o terceiro alternado) e não poderá mais disputar nova eleição. Ele pode encerrar sua longa e surpreendente carreira sem tentar prolongá-la através de um lugar no Senado ou na Câmara Federal. Tanto em função de sua saúde problemática como para fortalecer o candidato tucano à sua sucessão. Assim, como quase sempre acontece, ao arrepio da lei, poderá usar a máquina oficial a serviço dessa candidatura.

Ela precisará desse calor. As lideranças do PSDB no Pará estão desgastadas e em litígio. O senador Flexa Ribeiro tratou de anunciar as pré-candidaturas de Zenaldo Coutinho e Manoel Pioneiro, prefeitos nos dois municípios (Belém e Ananindeua) que têm os maiores colégios eleitorais do Estado.

O objetivo seria resguardar o direito de ambos à reeleição contra aventureiros fiados no baixo índice de popularidade dos prefeitos, especialmente da capital. Mas também pode servir ao propósito do senador de ser o nome dos tucanos para suceder Jatene - o que deve ter provocado o alerta de outros pretendentes ao cargo dentro do partido.

Segurança pública, saúde, saneamento e educação deverão ser temas de desgaste para os prefeitos dos maiores municípios paraenses, sobretudo o de Belém. Não por acaso esses problemas vêm sendo explorados intensamente por seus principais adversários, que parecem caminhar de novo para uma aliança, ainda que precária: PMDB e PT.

É esse o mote de uma campanha sistemática do Diário do Pará contra o governo do Estado e a prefeitura, ambos em poder dos tucanos, com ênfase diária em dois pontos: a violência está aumentando e a culpa principal é da administração do PSDB.

Os pontos de vista conflitantes, que podiam levar a um debate interessante e profícuo, por estarem sendo inflamados pelo único palanque já armado, o da grande imprensa, polarizada entre Maiorana e Barbalho e PSDB e PMDB, acabam resultando numa violência verbal cada vez maior. Inflamada, pode levar a consequências piores do que os ataques verbais mútuos.

Na semana passada, mais uma vez, o governador Simão Jatene deu o troco. Como sempre, recorreu à estatística (sempre suscetível às manipulações) para demonstrar que a gravidade do problema ficou menor desde que assumiu, em 2011, herdando os efeitos de uma gestão desastrosa, a de Ana Júlia Carepa, do PT.

Os resultados que citou foram apresentados para um público seleto, reunido em ambiente fechado para o lançamento da operação especial para o sagrado verão de julho dos paraenses. Demonstram "que estamos avançando e isso é resultado de um esforço de cada servidor, que precisa ser reconhecido".

Há números positivos e negativos para todos os gostos. Na melhor das perspectivas, o que era ruim ficou "menos ruim". Ao menos quanto a alguns números selecionados. Mas do outro lado da estatística, entre pessoas de carne e osso, o governo está perdendo a batalha do convencimento. Furtos, roubos, latrocínios, assassinatos e outros crimes diários, uma parte deles já nem registrados, por desinteresse (ou desespero) da vítima, dão uma sensação de que a realidade é bem pior do que sua tradução quantitativa.

Como explicar esse clima de medo e apreensão? O outrora racional e ponderado Simão Jatene, talvez se deixando levar por estímulos deletérios e tomando partido numa disputa lateral à dele, e lateral também ao interesse público, combinou números com raiva (ou - ele dirá - indignação). E garantiu: "Nós não vamos perder para os bandidos. Sejam os bandidos na ponta, sejam os bandidos de colarinho, sejam bandidos donos de império".

Obviamente, o governador se refere ao senador Jader Barbalho, dono do PMDB paraense e do império de comunicação capitaneado pela TV RBA e o jornal Diário do Pará. Por estar sendo processado na justiça, acusado de enriquecimento ilícito e outras capitulações cíveis e penais, Jader podia se enquadrar na classificação de bandido na forma da lei, embora com todas as reservas: nenhum dos processos chegou ao fim e ele continua sendo réu primário, com possibilidade de recorrer de decisões contrárias até a sentença definitiva.

É a mesma situação do seu concorrente e inimigo Romulo Maiorana Júnior. Ele também tem um império de comunicação, o grupo Liberal (afiliado à Rede Globo de Televisão), maior do que o do rival, e está sendo processado pela justiça federal, por sonegação fiscal e crime contra o sistema financeiro nacional, ainda sem sentença final. Seus veículos também exploram a violência em seu caderno policial, sem o mesmo sensacionalismo do adversário, mas também contribuindo para agravar a situação pelo estímulo à violência.

Claro que o governador cita quem o desagrada e omite quem está ao seu lado, quando lhe é conveniente. Mas assim deixa o cargo de governador e assume o de político em palanque - antes do tempo e sem ser fiel à verdade. E ainda perdendo o direito à autonomia. Sua estreita vinculação ao grupo Liberal, ultrapassando as raias da independência, decorre da posição agressiva assumida pelos adversários.

Do outro lado, não há mais dúvida: Helder Barbalho já está em plena campanha para o governo do Pará em 2018. Ele decidiu sair na frente e se expor porque de outra maneira poderá ficar pelo meio do caminho, amargando uma nova derrota na pretensão de ocupar o mesmo lugar que foi do pai em dois mandatos (1983/87 e 1991/95). Esse fato dá uma ideia da seriedade com que se lança ao desafio o principal cabo eleitoral do ministro da pesca e da aquicultura da petista Dilma Rousseff: seu pai, o próprio Jader Barbalho, que decidiu assumir riscos ainda maiores.

Na semana passada ele comandou uma reunião típica dos tempos - já distantes - em que era o candidato ao cargo eletivo mais importante do Estado: falando para muita gente e tratando de uma questão que foi uma das mais importantes para a formação e consolidação da sua liderança.

Na remota Cachoeira do Piriá, próximo à divisa do Pará com o Maranhão, Jader lembrou uma das principais marcas da sua administração: a regularização fundiária. Promovida muito mais em áreas urbanas do que nas zonas rurais. Como governador, legitimou e legalizou as invasões de terras na periferia. Contabilizou, no seu discurso, a expedição de mais de 40 mil títulos definitivos de propriedade em Capanema, Castanhal, Altamira e Santarém, além de Belém (como nas terras da Radional) e em Ananindeua (que gerou a maior favela do país, o Paar).

O senador não tratou da situação dessas áreas hoje, o que complicaria seu discurso triunfante, mas só das origens. Cada uma dessas 40 mil famílias beneficiadas, sobretudo nas periferias das maiores cidades paraenses, é um núcleo "barbalhista", geralmente refratário a qualquer acusação sobre a lisura do líder no enriquecimento à custa de cargos públicos.

Pode-se ver em muitas das residências dessas pessoas a foto de Jader, pregada na sala de visitas e, às vezes, com uma luz vermelha acesa e flores artificiais coladas na moldura. É uma gratidão definitiva, que ainda mantém a posição do senador na elite política local. Esses votos ele não perdeu até hoje.

Mas já não em condições que lhe possibilitem encarar disputas majoritárias. Talvez ainda para o Senado, mas com crescentes dificuldades, à beira da inviabilização. Nunca mais, porém, para o governo estadual, que disputou pela segunda - e última - vez em 1990, talvez na sua maior façanha eleitoral. Agora, na família, como esperança da sua sobrevivência no poder, só o filho, Helder.

Desde que a promoção do seu nome comece bem cedo e disponha de fundos e estruturas de suporte para garantir fatos concretos, como o que foi realizado em Cachoeira do Piriá: a concessão da légua urbana à sede do município, que até então vivia de favor em domínios federais.

Apesar de ser notório o efeito bem restrito dessas iniciativas, elas asseguram vantagens. Beneficiando 1,3 mil famílias, a medida, chancelada pelo Incra, torna propriedade municipal e particular 156 hectares, no perímetro mais valorizado da pobre Piriá. Talvez, com isso, retratos de Jader Barbalho subam às paredes. Quem sabe, junto com ele, o filho. Com o que o senador evitaria a perspectiva que ainda se lhe apresenta: o ocaso político.

Evitar que esse final se consume talvez se torne o maior desafio da vida política dele. Além de o estigma da corrupção o acompanhar, ele precisará que Dilma Roussef permaneça na presidência nem se afunde em níveis abissais de rejeição, que poderão arrastar nessa direção seus aliados e dependentes. Jader, porém, parece estar montando um esquema alternativo para se manter na hipótese de o governo do PT desmoronar: é assumir o papel de oposição aos governos tucanos atuais, minados pelos problemas nas quatro áreas mais sensíveis.

Delas, a mais sentida pela população é a falta de segurança, que se manifesta diariamente pela violência e atinge mais amplamente as pessoas. Não por acaso, um delegado de polícia, o mais notório atualmente, já é pré-candidato à disputa pela prefeitura da capital paraense.

Na semana passada, pela primeira vez, o deputado federal Éder Mauro teve seu nome lançado pelo ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que é presidente nacional do PSD, o partido do parlamentar. Para que isso pudesse acontecer, a direção do partido afastou os tucanos, que assumiram o controle do PSD para torná-lo linha auxiliar do PSDB e, talvez, promover "por fora" a candidatura do ex-vice-governador (e atual secretário estadual de educação) Helenilson Pontes.

O anseio do povo por mais segurança pode andar de mãos dadas com um policial notabilizado por sua atuação na linha de frente da repressão ao crime, embora atingindo quase apenas bandidos de segunda ou terceira linha. Esse capital - de votos e de recursos para ir atrás deles - se evidenciou na eleição do ano passado: embora estreante, Éder Mauro foi o deputado federal mais votado, com 280 mil votos.

Ele é uma ameaça ao prefeito Zenaldo Coutinho, do PSDB, que também teve seu nome lançado para a reeleição, na convenção estadual do partido, pelo senador Flexa Ribeiro (junto com Manoel Pioneiro, de novo candidato em Ananindeua). Ainda mais que o atual alcaide da capital só perde, em rejeição, para o seu antecessor, Duciomar Costa.

Pelo jeito, a cada nova eleição para o comando do município, a qualidade cai. Até que ponto?

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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