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Bresser-Pereira entre a economia e a política

Hamilton Garcia de Lima - Maio 2016
 

Em artigo publicado na Folha em 27/03, na Ilustríssima, sob o título "Onde foi que erramos? Quando e por que a economia saiu da rota", o economista Bresser-Pereira traça em linhas retas um programa consistente para a esquerda brasileira chamar de seu e deixar de improvisar num quesito tão sensível quanto estratégico: a economia como calcanhar de Aquiles da política. Mas a linha torta de seu artigo restou subjacente e mal resolvida: qual política ou qual esquerda?

O socialismo moderno, inaugurado por Marx & Engels, suplantou todos os movimentos socialistas e comunistas de sua época justamente ao questionar a falta de base econômica que sustentasse, de maneira consistente, a crítica ao capitalismo, o que, na prática, significava agregar às lutas sociais por justiça os elementos materiais capazes de concretizar e dar sustentabilidade a qualquer alternativa a longo prazo; em outras palavras, dotá-las de um programa político-econômico que fosse além das conquistas econômico-sociais do capitalismo, superando suas contradições e entraves. Estava inaugurada a social-democracia como alternativa progressista à revolução burguesa. Na América Latina, o Oriente perdido do Ocidente, a trajetória econômico-social engendrou outras saídas, acabando por predominar uma visão de fato regressista, desde a Revolução Cubana (1959) - da qual o bolivarianismo é o filho dileto -, em que a perspectiva da distribuição suplanta a da produção.

Marx & Engels, no Manifesto (1848), como nos lembrou Lenin, em O Estado e a Revolução (1917) [1], entendiam a conquista do poder político de forma totalmente distinta: como um protagonismo da sociedade civil capaz de retirar, gradualmente, das mãos da burguesia o poder econômico e, assim, acelerar o desenvolvimento das forças produtivas em proveito das necessidades sociais. Tudo o mais, a liberdade, a dignidade (equidade) e a felicidade para todos - prometidas nas revoluções burguesas -, estaria na dependência da extensão dos avanços do capitalismo para além do mercado, propiciando trabalho e, portanto, transformação material-moral - dois elementos inseparáveis - dos indivíduos em benefício da coletividade, não de minorias dirigentes.

Em A Ideologia Alemã (1846) [2], nossos autores, na mesma direção, colocaram a revolução social como obra de uma sociedade evoluída, em linha com a modernidade, não obstante a ela crítica, na qual a divisão do trabalho é elevada e o acúmulo de riqueza e cultura gera conflitos que não admitem soluções idílicas. Caso contrário, numa revolução sob o atraso, "só a penúria se generaliza, […] a miséria recomeçará a luta pelo necessário e se cairá de novo na imundície anterior". O comunismo, que eles concebiam em oposição às utopias, "não é […] um estado de coisas que deve ser estabelecido, um ideal ao qual a realidade deva obedecer", mas sim o "movimento real que supera o atual estado de coisas" e se desenvolve sob condições que "resultam de premissas atualmente existentes".

Alguns ecos longínquos desta perspectiva chegaram ao Brasil no final do séc. XIX [3], totalmente descolados de nossa realidade social, para, em seguida, se alastrarem como uma doutrina acabada, sob a influência do bolchevismo vitorioso (1917), até sua consolidação, nos anos 1930 - com toda a carga negativa dos dogmas e manipulações ideológicas do stalinismo -, sob a liderança dos tenentes de esquerda [4], como a doutrina da revolução nacional-democrática que arrancaria o Brasil de seu atraso colonial. Foi assim que a esquerda se tornou protagonista importante, ainda que desempenhando, em momentos cruciais de nossa história, um papel muitas vezes errático, como em 1935, quando, já sob a liderança de Prestes, os comunistas desperdiçaram um promissor movimento antifascista (ANL) na aventura de um golpe militar, ou quando, em 1964, temendo a marginalização diante da radicalização das esquerdas e de um Goulart inclinado a um segundo mandato não previsto pela Constituição, aderiram - contrariando a linha programática de 1958, de frente democrática para a transformação do país - à ideia de uma constituinte para contornar o Congresso Nacional e promover as reformas de base [5], contribuindo, assim, para a desestabilização do governo e a reversão das árduas conquistas sociais dos anos 1950-60.

Nos anos 60, em particular, ficou clara a ausência de um verdadeiro programa econômico para calçar as pretensões transformadoras da esquerda - como de resto também sucedera aos bolcheviques e seu "comunismo de guerra" [6] -, o que fez o PCB, na semilegalidade, se tornar caudatário de outros segmentos radicais, como o brizolismo e as Ligas Camponesas. Estas, ao atacarem Goulart por suas tentativas de "conciliação", solaparam a única alternativa programaticamente embasada - a da esquerda positiva de Santiago Dantas, apoiada no plano econômico de Celso Furtado (Plano Trienal, 1963) e na política de frente democrática da bancada parlamentar comunista [7], entre outros - para tirar o país da crise na qual o Governo se enredava, selando a sorte do progressismo ao estreitar sua base de apoio em meio a uma inédita radicalização político-social.

O aparecimento do PT, em 1979 - portanto, após o colapso do populismo e das ideologias revolucionárias -, tendo à frente uma nova liderança sindical de matiz católico, avesso ao apostolado marxista-leninista e aberto à exigência social de um novo arranjo partidário (democrático-pluralista) e político, hostil à estadolatria do stalinismo e do nacionalismo, parecia promissor em termos da superação dos limites filosófico-políticos que impediram o PCB de se posicionar e dar bom encaminhamento às crises de hegemonia do pré-1964 [8]. Tudo isto, num contexto de redemocratização com fortes ventos renovadores e uma esquerda tradicional fragmentada, com o brizolismo desprovido da legenda do PTB e ainda prisioneiro do caudilhismo gaúcho, o PCdoB preso aos dogmas do stalinismo e atuando como satélite de partidos maiores, e o PCB destroçado, dividido e incapaz de capitalizar os acertos estratégicos de sua política de resistência democrática - perseguido pela PF até os estertores da ditadura militar, quando da reunião semilegal do VII Congresso (dezembro de 1982).

Enquanto a velha esquerda declinava, a nova esquerda emergente dava sinais de inapetência em relação à superação dos limites de seus antecessores em vários temas, em particular quanto à capacidade de elaborar programas partidários efetivos, portanto, política e economicamente viáveis, ao invés de meramente panfletários. Isto pode ser explicado por variados motivos. Um deles estaria na base da nova esquerda, formada por uma jovem militância arredia ao debate literário sobre os rumos do socialismo, por um lado, e, por outro, pela emergência de segmentos populares com déficit de escolaridade, influências doutrinárias religiosas e histórica aversão às práticas revolucionárias, tudo isso afastando-as da tradição programática da esquerda moderna, que Bresser procura interpelar.

Ao mesmo tempo, as narrativas foram, gradualmente, perdendo sua densidade programática em proveito da necessidade de fundir, num mesmo projeto partidário, correntes ideológicas e estratos sociais muito distintos - como o trotskismo e a social-democracia dos intelectuais, o stalinismo e o maoísmo dos quadros técnicos, e o socialismo cristão das CEBs, entre outras denominações e segmentos sociais -, ao mesmo tempo que se perseguia o poder de Estado nos velhos moldes exclusivistas do bolchevismo. Bastante sintomático, a este respeito, foi o modo como o PT resolveu o impasse programático de 1989 [9], elaborando uma narrativa abstrata de mudanças que, de um lado, não ofendesse a percepção anticapitalista da maioria de seus dirigentes e militantes, e, de outro, não assustasse a sociedade e as instituições, em geral, e os potenciais aliados partidários, em particular, ao mesmo tempo permitindo aos dirigentes ampla margem de arbitragem em um eventual governo. Um comportamento que mantinha o partido unido e em rota de ascensão, mas impedia que ele ultrapassasse os limites da esquerda na eleição presidencial, o que só foi corrigido pela "Carta aos brasileiros" (2002), com a qual o candidato Lula se comprometeu a seguir as linhas mestras do Plano Real, sagrando-se vencedor naquelas eleições.

De costas para a tradição dogmática que buscava superar, o PT se arrogou a posição demiúrgica de reinventar a esquerda pragmaticamente, sem passar em revista a experiência anterior - tarefa isolada e problematicamente empreendida por seus intelectuais, mas nunca absorvida por seu núcleo duro, cujo tripé se apoiava nos sindicalistas pragmáticos sem traquejo intelectual, nos quadros bolcheviques de pendor conspirativo e nos teólogos da libertação de vocação puramente filosófica, todos, cada qual com suas especificidades, avessos à tradição intelectual programática defendida por Bresser. Cometeram, assim, o pecado mortal da repetição de erros, que, outrora, custaram caro ao país e ao movimento progressista, sobretudo ao desprezar as duras lições aprendidas pelos pecebistas - e plasmadas nos documentos de 1958 e 1967 - depois de subestimarem a luta legal nos marcos da Constituição de 1946.

Assim, Lula, e toda a esquerda que ele dirige, desde que assumiram o governo, fizeram do Fome Zero, depois Bolsa Família, o seu "programa econômico" - o da "Carta" tomara emprestado do PSDB -, agora reduzido a colocar na mesa do trabalhador três refeições por dia. Para tal, na verdade, nenhum programa econômico coerentemente pensado seria necessário, como não o foi enquanto o vento soprava a favor e a herança não era maldita. Exatamente por isso, o petismo nos arrastou "de novo para a imundície anterior" - como anteviram Marx & Engels - assim que os ventos e as condições mudaram adversamente.

Bresser, deixando de levar em conta tal démàrche, sugere que a incompetência petista foi mais contingencial do que estrutural, quando afirma que "vivíamos a euforia do governo Lula e do boom de commodities, que maravilhava o povo e encantava as elites", mas tudo acabou, e agora, que nos encontramos "em profunda recessão", teremos que responder à pergunta: "onde foi que erramos?".

A resposta que ele nos oferece peca por ser estritamente econômica - de maneira inversamente análoga à da esquerda petista -, deixando a lacuna de, como notório economista político que é, buscar a concretude de sua alternativa econômica na forma de um programa político que expresse a formação de um novo bloco histórico [10] - conceito gramsciano que busca atualizar o legado de Marx & Engels na era do americanismo [11] - capaz de implementá-lo como política pública de Estado. Como bem sabe Bresser, todo programa econômico precisa encontrar e encarnar uma perspectiva política que o transforme em diretriz de governo. Não é por outro motivo que ele abandonou o ninho tucano - sabidamente liberal, não obstante heterodoxo, onde outros economistas desenvolvimentistas, como João Paulo de Almeida Magalhães, Yoshiaki Nakano, entre outros, não encontraram os interlocutores políticos que os traduzissem - e se aproximou da esquerda petista na esperança de encontrar uma janela e um público para sua propositura econômica, que visa a dar respostas efetivas à crise do bloco histórico que nos dirige desde 1985. Num trecho fulcral, diz ele:

[...] após 35 anos de semiestagnação, nosso problema é mais grave; é regressão. O Brasil, que entre 1930 e 1980 crescera de maneira extraordinária (4% ao ano, per capita), com base em um projeto nacional de industrialização, […] perdeu o rumo e passou a crescer apenas 1% ao ano […].

Tal posicionamento tem sua lógica, mas se ressente da desconsideração em relação à inépcia histórica da esquerda brasileira - reiterada, num patamar ainda mais preocupante, pelo lulopetismo - em diagnosticar e enfrentar problemas complexos no plano social por meio de programas político-econômicos realistas e percucientes. Não é por outro motivo que sua propositura tem grande chance de cair no vazio se não se colocar a tarefa, concomitante, de uma terceira via entre tucanos e petistas.

Ao tentar alcançar o público progressista, fazendo tabula rasa do estado ético-mental atual da esquerda petista, Bresser não deve ter melhor resultado do que Furtado - outrora, em posição bem mais privilegiada do ponto de vista político -, esbarrando de novo no irracionalismo dogmático, no vazio programático dos salvadores da pátria e no total desinteresse das novas elites de origem popular em tudo o que não seja imediatamente ligado ao controle dos aparelhos governamentais e suas respectivas benesses - as famosas "delícias do poder", que cimentaram o domínio totalitário de Stalin, nos anos 1930, por meio de truculentos e sequiosos apparatchiks (nova elite burocrática soviética).

Pior ainda, o uso que nosso autor faz da catilinária lulopetista contra as "elites avarentas" e o "golpismo da direita", para se opor ao impedimento de Dilma, ignorando convenientemente as relações carnais do PT com estas elites em seu governo, e mesmo o histórico golpismo da esquerda em episódios como a insurreição militar de 1935 e as "reformas de base na lei ou na marra" de 1964, demonstra uma visão nostálgica e anacrônica, distante da crise em curso. Quando Bresser afirma ver "muita gente indignada" e diz que "é preciso fugir da indignação moralista", pois "a corrupção está em toda parte" e "o grande problema que o Brasil enfrenta hoje é econômico", em função de termos um "povo […] ainda muito pobre" e de o "desenvolvimento econômico continua(r) a ser uma prioridade", ele tem em mente um Brasil que ficou para trás, onde o Estado, globalmente, arrecadava, em 1955, cerca de 15% do PIB [12] e ainda mal conseguia abarcar todo o território e toda a população.

A era do "moralismo udenista" e do ademarismo ("rouba mas faz") foi um período em que a expansão dos direitos sociais ainda não havia se institucionalizado e a classe política se aproveitava disso para privatizar a questão social em benefício próprio, a partir de máquinas eleitorais que tinham muito mais capilaridade do que o Estado. Hoje, ao contrário, as políticas públicas estão plenamente institucionalizadas e sua capilaridade é prejudicada por tal privatização, que se constitui, sim, num dos mais sérios empecilhos à plena racionalização do imenso aparelho estatal que abarca o país em suas diversas instâncias.

Ademais, entender a indignação atual contra a corrupção como mera questão moral dissociada do problema econômico ("regressão") não guarda coerência com a compreensão do autor sobre o papel central do Estado no processo de desenvolvimento, sobretudo num quadro em que a arrecadação global do Estado mais do que dobrou em relação aos anos 1940-60, atingindo a casa dos 33,47% em 2015 [13]. Como bem sabe Bresser, a inversão eficiente dos excedentes sociais apropriados pelo Estado é de vital importância para a eficiência global do sistema econômico e sua capacidade de ampliar os investimentos e a produtividade, bem como garantir a própria estabilidade democrática ao suprir as bases materiais da cidadania. Na verdade, a crise atual - na contramão da narrativa petista - supera qualquer udenismo residual, ao ligar a questão moral diretamente à questão econômica e à questão democrática, o que passou a ser percebido por parcelas cada vez mais amplas da população, inclusive aquelas beneficiadas pelo último ciclo de expansão.

Sem se dar conta deste fenômeno, Bresser se aproxima do neopopulismo petista - que, tal como o varguismo, mostra a mesma propensão acomodativa/conflitiva em relação às práticas neopatrimonialistas das classes possidentes, com os mesmos resultados ambivalentes em relação à política e à economia -, sem perceber a maturação, em processo, da sociedade urbana e os efeitos políticos da recente massificação do mercado capitalista, que faz dos eleitores um público cada vez mais economicamente dirigido para uma perspectiva racional de escolhas, o que significa dizer, cada vez mais avesso ao idealismo utópico dos socialistas e ao inclusivismo curto-prazista dos neopopulistas. O PT pôde se manter no poder por 13 anos ininterruptos, exatamente porque sua isca cambial-consumista, incrementada por um conjunto mais amplo de privilégios setoriais - de benefícios corporativos, como as isenções tributárias irresponsáveis em benefício de grandes empresas, a política inconsequente de juros exorbitantes que hipertrofiam a dívida pública e comprometem a poupança estatal -, se sustentou na onda do crescimento global propiciada pela alta produtividade chinesa e sua fome por bens primários. Contudo, quando tal fome perdeu força, declinou do mesmo modo o poder atrativo deste modelo.

Os governos petistas, de fato, priorizaram "o combate à pobreza", mas o fizeram na perspectiva do neopatrimonialismo, de olho meramente no voto dos mais pobres, para cativá-los - como na política tradicional -, não para elevá-los a formas sustentáveis de autonomia, como queria um dos idealizadores do Fome Zero (Frei Beto) [14], ele mesmo incapaz de elaborar um programa econômico sustentável. Portanto, a prioridade social não apenas não se liga automaticamente ao tema do desenvolvimento, como supõe Bresser, como tem se prestado, até aqui, a legitimar uma ordem consumista/concentracionista em proveito do capital financeiro meramente especulativo, que destrói o trabalho mais evoluído em prol do menos evoluído ao priorizar o consumo (globalizado) em detrimento da produção (nacional) por meio do populismo cambial.

O processo político que liga as lideranças beneficentes aos concentradores de capital, não necessariamente produtivo, com base em arranjos governamentais os mais diversos, inclusive ilegais (cartéis de superfaturamento de fundos públicos, etc.) e legais (incentivos fiscais, câmbio valorizado, etc.), se viabilizou nos governos petistas utilizando a corrupção como ferramenta fundamental de cooptação de apoio nos partidos políticos e no Parlamento, e não por acaso, mas porque esta se mostrou a forma mais rápida e confiável de neutralizar a crítica a um projeto de inclusão sem "o desenvolvimento esperado", via um consenso sem programa econômico.

Destarte, o combate à corrupção, minimizado pelo autor, nunca é demais repetir, longe de ser um moralismo udenista, é a ação política por excelência capaz de neutralizar o principal instrumento das elites dominantes para manter sua artificiosa direção (oculta) sobre o bloco histórico da Nova República, que tem no neopatrimonialismo uma prática político-social tão resistente quanto insustentável - como demonstra a severa crise pela qual passamos - e que, malgrado os atritos com o liberalismo social tucano, ainda não encontrou quem desafiasse sua ilusória representatividade no interior do pacto democrático vigente, baseada fundamentalmente no modo como o sistema político-eleitoral permite que ele fidelize seu público por meio do uso privado de verbas e órgãos públicos.

Bresser, ao contrário, descrê do neopatrimonialismo como partido dominante (subjacente) a ser derrotado na direção do Estado e sugere, ao contrário, que, na melhor das hipóteses, seja neutro quanto ao programa econômico: "[...] diante da quase estagnação e da grave recessão, ao invés de as elites politicas se unirem para resolvê-la, deixaram-se levar pelo medo causado pela Operação Lava Jato", que teria mergulhado o país "em uma crise política grave". Ao mesmo tempo, Bresser credita a crise à "eleição presidencial, na qual as elites econômicas foram derrotadas, mas não se conformaram […]", tentando "anular o resultado das urnas".

A insatisfação popular generalizada, depois do estelionato eleitoral de 2014 e seus efeitos econômicos desastrosos para o país, que terminaria por desagregar a base político-parlamentar do Governo Dilma e levá-lo à paralisia total, não foi considerada por Bresser - preso à armadilha narrativa do lulopetismo - como causa real da crise, sendo, por conseguinte, desprezada como vetor potencial de um novo bloco histórico, que encontraria em seu programa econômico um novo norte.

Do mesmo modo, Bresser-Pereira não percebeu que o esgotamento do presidencialismo de cooptação, forma epitelial de operacionalização do bloco dominante, está com seus dias contados, e que a conjuntura pós-impedimento será, como foi no passado recente, um tempo de busca e construção de alternativas, superficiais ou profundas, a depender do modo como se ligue a economia à política.

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Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor do Lesce/Uenf.

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Notas

[1] V. Lenin, El Estado y la Revolución – la doctrina marxista del Estado y las tareas del proletariado en la revolución, in Obras escogidas, Moscou, Progreso, 1978, p. 307-8.

[2] K. Marx e F. Engels, A Ideologia Alem㠖 crítica da filosofia alemã mais recente nos seus representantes Feuerbach, Bruno Bauer e Max Stirner e do socialismo alemão nos seus diferentes profetas, São Paulo, Centauro, 2006, p. 45-6.

[3] Ver Leandro Konder, O marxismo na batalhas das ideias, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, 2º cap.

[4] Ver Manoel Palácios, Pensando a formação do PCB, Dissertação de Mestrado em Ciência Política pelo Iuperj,1991, mimeo, passim.

[5] Ver Hamilton Garcia de Lima, O ocaso do comunismo democrático: o PCB na última ilegalidade (1964-84), Dissertação de Mestrado defendida em 1995 na Unicamp, p. 80-6/152-3.

[6] Ver Stephen Cohen, Bukharin: uma biografia política (1888-1938), São Paulo, Paz & Terra, 1990, passim.

[7] Ver Lima/1995, op. cit., p. 109-37.

[8] "Hegemonia" entendida como direção política com ênfase no aspecto ideológico-cultural de um processo, à moda de Gramsci. Ver Hugues Portelli, Gramsci e o bloco histórico, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, cap. III.

[9] Ver Hamilton Garcia de Lima, PCB e PT em dois tempos – socialismo, pragmatismo e poder, Tese de Doutoramento defendida em 2005 na UFF, p. 326-7.

[10] Aglomerado político em que a sociedade civil, enquanto esfera privada, se articula à esfera pública, na fronteira da política com a economia, constituindo-se em veículo para a disputa do Estado e instrumento para o exercício da hegemonia. No bloco histórico, "classes fundamentais" e suas frações se articulam num projeto de poder. Ver a respeito, S. Hall, B. Lumley e G. McLennan, Da ideologia, Rio de Janeiro, Zahar, 1983, p. 62-3.

[11] Conceito com o qual, como nos diz Renato Zangheri, "Gramsci capta, contra todo dogma, o poderoso desenvolvimento das forças produtivas deflagrado nos Estados Unidos pela racionalização do trabalho". Cf. R. Zangheri, "Gramsci e o século XX – uma introdução".

[12] Vide J.R.R. Afonso, R. Varsano et alii, "Tributação no Brasil: características marcantes e diretrizes para a reforma", p. 3, tab. I. Disponível em:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev902.pdf.

[13] Vide J.R.R. Afonso, R. Varsano et alii, "Carga tributária no Brasil – 2014 (análise por tributo e bases de incidência)", p. 33, tab. INC 02-b. Disponível em:
http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/29-10-2015-carga-tributaria-2014.

[14] Para quem o Governo Lula "trocou um projeto de nação por um projeto de poder". Vide O Estado de S. Paulo, 09/03/2009. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,para-frei-betto-bolsa-familia-e-projeto-de-poder,335703

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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