A principal constatação ao analisar a continuidade da crise polÃtica é que a força das corporações, especialmente a do Judiciário, tem se contraposto à polÃtica, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. "A polÃtica sumiu, esvaneceu, perdeu força, de modo que as corporações emergiram e estão tomando conta do paÃs", afirma na entrevista a seguir, concedida por telefone. Um exemplo disso é que as corporações do Judiciário estão "chamando os temas da administração para si. Não há medida que o governo tome sem que sofra uma contestação do Judiciário, seja na questão da Amazônia, seja na questão dos preços do combustÃvel", argumenta. Na avaliação do sociólogo, a atual atuação do Judiciário tem como finalidade "passar a história do paÃs a limpo", mas "ele não tem condições de fazer isso apenas com papel e caneta, através de sentenças. O processo de depuração da polÃtica do paÃs é um processo que não pode ser feito assim, a fórceps". Segundo Werneck, as ações e sentenças dos juÃzes brasileiros não deveriam ser fundamentadas apenas em princÃpios, mas, antes de tudo, em cálculos que tragam as melhores consequências para o paÃs. "Os nossos juÃzes não são consequencialistas, isto é, não pensam e não calculam as consequências de seus atos. Na verdade, eles são orientados por princÃpios que querem levar a ferro e fogo, mas esses princÃpios não vêm da polÃtica, e sim das leis. [...] Essa indiferença quanto à polÃtica faz com que as suas intervenções, ao invés de nos levarem a uma estabilidade, a uma situação de tranquilidade institucional, apenas agravem a situação", defende.
Ao comentar brevemente a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF de encaminhar à Câmara dos Deputados o pedido de investigação do presidente Temer, Werneck Vianna recorre novamente ao argumento consequencialista e questiona: "Qual é a consequência de derrubar o presidente Temer agora, faltando pouquÃssimo tempo para a sucessão presidencial? Por que não conduzir a operação Lava Jato de forma que ela cumpra seus efeitos, mas ao mesmo tempo respeite a situação que o paÃs vive, de instabilidade?" E responde: "Se a Câmara decidir que o presidente deve ser denunciado, aà seu mandato será suspenso, ele será processado e viveremos um pandemônio num momento em que a economia dá sinais de ressuscitação. Isso quer dizer o quê? Apenas ativar o mundo dos princÃpios e desconsiderar as consequências".
Defender uma visão consequencialista do Direito, justifica, não significa "sugerir que se deva pôr panos quentes no que foi feito com o dinheiro público, com os negócios feitos de forma criminosa, com as relações criminosas entre a esfera pública e a esfera privada". Ao contrário, afirma, "sou a favor de que se prossiga com a investigação, mas não outorgo a essa corporação do judiciário, não apoio que ela passe o paÃs a limpo". E conclui: "Quem tem que passar o paÃs a limpo somos nós, a sociedade, e as instituições. [...]. Nós estamos à beira de uma sucessão presidencial e essas são as questões que vão ser postas nessa sucessão e o povo vai votar, vai deliberar, e vai saber escolher, separar e discriminar o joio do trigo".
Confira a entrevista, conduzida por PatrÃcia Fachin
Em meio a essa crise polÃtica, para onde deverÃamos olhar agora? Qual é o fato mais relevante deste momento? Eu penso que a crise realmente se agrava agora com essas declarações das altas patentes do Exército brasileiro.
O senhor se refere à declaração do general da ativa do Exército Antonio Hamilton Martins Mourão, que defendeu a intervenção militar no paÃs nesta semana?
Sim, e que, digamos, não foi considerada pelo chefe do Exército como algo a ser reprimido. O general Mourão não foi advertido e não será, ao que tudo indica; ao contrário, ele foi elogiado pela sua história, pelas suas posições. Enfim, tem um novo risco aÃ. Agora, a polÃtica sumiu, esvaneceu, perdeu força, de modo que as corporações emergiram e estão tomando conta do paÃs. A força das corporações entre nós vem de muito longe. No caso da corporação militar, vem da República, que é obra, em boa parte, da intervenção militar.
Embora o general Mourão não tenha sido punido, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que a possibilidade de intervenção militar está fora de cogitação. Mesmo assim o senhor acha que há esse risco?
É, mas onde há fumaça, há fogo. E há muito tempo não vinha fumaça daÃ, de modo que veio. A preocupação com a sorte do paÃs, com os desequilÃbrios que hoje ele enfrenta, é geral e isso afeta também os militares. Agora, até onde isso vai, não sabemos, mas estamos numa corrida contra o tempo: ou encontramos uma forma institucional, que obedeça aos ritos constitucionais de resolver logo essa crise, ou então tudo é possÃvel.
Quais são os sinais que evidencia e que o fazem afirmar que a força das corporações está se sobrepondo à polÃtica?
Esse é o tema de fundo: as corporações do Judiciário também apareceram com muita força, chamando os temas da administração para si. Não há medida que o governo tome sem que sofra uma contestação do Judiciário, seja na questão da Amazônia, seja na questão dos preços do combustÃvel. A partir do começo deste século houve a reação - que já estava presente nos anos 90 - de alguns setores do Judiciário por conta das privatizações. Isso veio avançando, especialmente com certas intervenções do Supremo Tribunal Federal, e uma dessas intervenções está na raiz da crise atual que nós vivemos, que foi a decisão que decretou a inconstitucionalidade da reforma polÃtica, que introduziu a cláusula de barreira, e aà houve a proliferação desenfreada dos partidos, o que veio a complicar ainda mais a governabilidade do paÃs.
Então, o Judiciário não é inocente em relação à crise que aà está. Nós poderÃamos ter um sistema polÃtico menos agreste, menos hostil à tomada de decisões do que esse que temos agora, com uma multidão de partidos e uma série de partidos esperando a sua institucionalização.
A administração por 13 anos do PT também não ajudou no aperfeiçoamento das instituições, e na raiz dessa crise também está o fracasso da administração petista, especialmente a de Dilma, que levou à crise econômica. Então, temos uma crise polÃtica, uma crise econômica, a crise social que é permanente e se manifesta com brutalidade no Rio de Janeiro, e agora esse embrião de crise militar - não estou dizendo que essa é uma crise plena, mas ela está presente. Algo dela já apareceu.
Qual seria a "dose certa" de intervenção do Judiciário na polÃtica e nas ações do Executivo? Como, a partir da crise atual, pensar o aperfeiçoamento do Judiciário?
Estamos numa corrida contra o tempo: ou encontramos uma forma institucional, que obedeça aos ritos constitucionais de resolver logo essa crise, ou então tudo é possÃvel. O Judiciário perdeu a mão. Nós somos hoje o paÃs em que a presença do Judiciário na polÃtica não encontra paralelo no mundo. É uma invasão sem medida, especialmente com a apuração dessas relações estranhas e espúrias entre Executivo e Legislativo e entre o poder público e o poder privado, que suscitaram esses escândalos que por ora são objeto da Operação Lava Jato.
Então, o Judiciário é capaz de dizer ao Brasil que o paÃs precisa ser passado a limpo, e que quem passará o paÃs a limpo é o próprio Judiciário. Mas ele não tem condições de fazer isso apenas com papel e caneta, através de sentenças. O processo de depuração da polÃtica do paÃs é um processo que não pode ser feito assim, a fórceps. Os nossos juÃzes não são consequencialistas, isto é, não pensam e não calculam as consequências de seus atos. Na verdade, eles são orientados por princÃpios que querem levar a ferro e fogo, mas esses princÃpios não vêm da polÃtica, e sim das leis.
Essa indiferença quanto à polÃtica faz com que as suas intervenções, ao invés de nos levarem a uma estabilidade, a uma situação de tranquilidade institucional, apenas agravem a situação. O procurador-geral, [Rodrigo] Janot, agiu como um macaco em loja de louças, querendo pôr as coisas no lugar, quebrou tudo e fez com que a polÃtica se tornasse uma atividade incapaz de dar conta da situação do paÃs. Na medida em que isso ocorre, outros personagens começam a emergir: uma outra corporação, a corporação militar. Se isso vai prosperar, a essa altura é cedo para prognosticar. Agora, que esses elementos dessa intervenção já estão presentes, isso não se pode negar.
Qual seria a alternativa à atuação do Janot?
Atentar para as consequências. Vou recompor uma situação: os militares fizeram uma intervenção militar em 1964 e fecharam o Congresso, mas logo depois readmitiram a polÃtica, abriram o Congresso, e mais, fizeram alianças com setores sociais relevantes, inclusive com as oligarquias tradicionais, que foram selecionadas para exercer poder em muitos estados que ali estavam. E com isso, porque eles calcularam as consequências, puderam persistir por tanto tempo; eles não foram principistas. Eles agiram com seus princÃpios de conduzir o paÃs à grandeza, ao crescimento, à expansão burguesa.
Essa corporação que hoje exerce esse protagonismo, a corporação dos magistrados, não tem essa percepção polÃtica e a percepção de que tem que agir de forma a atentar para as consequências de seus atos. Qual é a consequência de derrubar o presidente Temer agora, faltando pouquÃssimo tempo para a sucessão presidencial? Por que não conduzir a Operação Lava Jato de forma que ela cumpra seus efeitos, mas ao mesmo tempo respeite a situação que o paÃs vive, de instabilidade?
Nós nascemos com desequilÃbrios muito fortes. Gilberto Freyre falava que o Brasil era o paÃs que sabia equilibrar antagonismos. Mas hoje não tem poder que equilibre os antagonismos. Eles estão correndo à solta, com fúria e isso torna a institucionalidade muito débil. A Carta de 88 e a democracia brasileira, nesse sentido, estão em risco. Ou aparece uma polÃtica de moderação, ou então nós vamos ladeira abaixo.
As ruas estão em silêncio, mas se elas porventura vierem a se manifestar - não estou dizendo que isso está no horizonte, mas é uma possibilidade -, toda uma obra que estamos tentando realizar desde a democratização do paÃs pode ir por água baixo. Pensar e cultivar e preservar a luta contra a corrupção é necessário, isso tem que ser levado à frente, mas as consequências têm que ser sopesadas. Isso não pode ser conduzido de forma principista. Passar o Brasil a limpo é o quê? É começar desde a colonização? A escravidão foi um fato. Quando fundamos o nosso Estado-nação, o fundamos sob princÃpios liberais, mas ao mesmo tempo mantivemos a escravidão. Então, esse tipo de antagonismo que se manteve entre nós é muito difÃcil de ser equilibrado. Quem equilibrou isso foi a polÃtica, o poder moderador do Império. Os militares na República se comportaram como poder moderador.
Esse Judiciário que aà está não está se comportando como poder moderador.
Mas o melhor para a nossa sociedade é manter esses antagonismos?
Mas vamos reescrever a história toda? Não há como reescrever. Nós não somos a América, que nasceu a partir de um princÃpio e ficou fixa e obediente a esse princÃpio. Nós não conhecemos o interesse bem compreendido, do qual falava [Alexis de] Tocqueville, por exemplo.
Mas esse não é um problema nosso? Agora não seria justamente o momento de reverter esse quadro?
Sim, mas como se faz isso? O problema é justamente como se faz isso. Como passar o paÃs a limpo sem quebrá-lo?
Essa falta de percepção que o senhor aponta, de o Judiciário não pensar nas consequências das suas decisões, não pode ser vista como um sintoma da nossa situação histórica, em que não havia punição para polÃticos e a atuação do Judiciário estava sempre atrelada à polÃtica?
Então vamos puni-los, vamos fechar o Brasil (risos). A história do Brasil sempre conheceu esses elementos, e esse moralismo não tem nada a ver com moralidade pública. Moralidade pública é algo que tem um sentido muito mais geral e profundo. A cultura polÃtica que está se ensejando aà é a da União Democrática Nacional - UDN. As classes médias brasileiras se converteram a um udenismo muito preocupante. Moralidade pública não é a mesma coisa que moralismo. Moralidade pública nesta altura é conservar a Constituição, as nossas instituições. Agora, e os crimes cometidos? Devem ser apurados na forma da lei, com respeito à lei, sem açodamento, sem as piruetas que o procurador-geral, Janot, cometeu, sem esse salvacionismo e o messianismo que tomou conta da corporação dos procuradores e que atingiu alguns magistrados. Não serão eles que vão passar o paÃs a limpo. Eles podem até ter dado um bom pontapé inicial nisso, mas passar o paÃs a limpo, somos nós que vamos passar. É a polÃtica que vai passar. Nós estamos à beira de uma sucessão presidencial e essas são as questões que vão ser postas nessa sucessão e o povo vai votar, vai deliberar, e vai saber escolher, separar e discriminar o joio do trigo.
Esses anos, especialmente esses últimos dez anos, têm sido um perÃodo de um duro aprendizado para a sociedade. Ela está atenta. Ela está imobilizada, mas está atenta e está registrando e se autoeducando, e especialmente num processo sucessório, as propostas virão. Passar o paÃs a limpo é isso. Não é entregá-lo a uma corporação de ungidos.
Quais devem ser as consequências da decisão do STF, de aceitar o pedido de investigação do presidente Temer, solicitado por Janot, e enviá-lo para a Câmara?
A decisão do Supremo não entra no mérito; ela apenas encaminha à Câmara dos Deputados, conforme reza a Constituição, e a Câmara vai decidir. Se a Câmara decidir que o presidente deve ser denunciado, aà seu mandato será suspenso, ele será processado e viveremos um pandemônio num momento em que a economia dá sinais de ressuscitação. Isso quer dizer o quê? Apenas ativar o mundo dos princÃpios e desconsiderar as consequências.
Eu até diria que os militares foram muito mais atentos à s consequências do que a corporação dos magistrados tem sido hoje, tanto é que quando eles entenderam que era a hora da retirada, eles negociaram uma transição. Alguns dos nossos magistrados não atentam para isso. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral que preservou e absolveu a chapa Dilma-Temer foi uma decisão consequencialista. Os fundamentos foram todos dessa natureza, de natureza polÃtica. As provas que o relator Herman Benjamin apresentou são provas consistentes. O tribunal analisou as provas, mas se as levasse em conta, o resultado seria catastrófico.
O voto do ministro Gilmar Mendes foi consequencialista, porque ele é tipicamente consequencialista. Aliás, o consequencialismo foi tema de um dos maiores filósofos polÃticos de nosso tempo, Ronald Dworkin, que é referenciado por boa parte dos magistrados que estão no STF, como o ministro Barroso, que tem uma obra na qual cultua o pensamento do Dworkin, que preconiza a participação do Direito na vida pública, mas sempre atento à s consequências dos seus atos, porque o judiciário não pode se sobrepor ao mundo da polÃtica. Mas isso não significa se curvar a ela. Essa é uma dialética difÃcil. Esse é um tema do direito contemporâneo e surge para que o juiz leve em consideração as consequências de seus atos. Há um caso americano clássico que foi decidido nesses termos: estava sendo construÃda uma barragem, mas durante a construção se descobriu que uma determinada espécie seria erradicada. Então, em defesa dessa espécie, foi-se à Suprema Corte americana para barrar essa obra que já estava em andamento. A decisão do tribunal foi consequencialista: dado que a obra já foi iniciada, vamos concluÃ-la, mesmo sabendo que aquela espécie ficaria ameaçada.
Mas há como saber a priori quais seriam as melhores consequências?
Na verdade não, mas nós estamos verificando, dia a dia, no nosso cotidiano, quais são os riscos que se avolumam, e um deles agora - o qual acredito que você não está considerando - é a possibilidade de uma interrupção da vida democrática - mais uma. A Miriam Leitão, no O Globo de hoje, na sua coluna, talvez de forma exagerada, está trabalhando com essa hipótese de forma muito forte.
Mas optar pelo consequencialismo não leva em conta apenas as consequências a curto prazo e não a longo prazo e, de outro lado, não leva também a uma desilusão em relação à justiça e à própria polÃtica?
Eu sou favorável à intervenção que se tem feito contra a corrupção na polÃtica brasileira, e tenho defendido, sempre que posso, a Operação Lava Jato; isso é uma coisa. Agora, esses magistrados e essa corporação não estão soltos no mundo, eles não podem operar livremente, independentemente do que vai ocorrer no entorno.
O modelo do bom juiz de Ronald Dworkin é o juiz "Hércules", aquele que é capaz de resolver situações difÃceis pensando nas consequências. Ele resolve, mas "não joga a criança fora com a água do banho". E a "água do banho", nesse caso, é a democracia brasileira. Se nós formos obedecer a esse impulso moralista que está animando os setores das classes médias brasileiras - se levar isso à s últimas consequências -, teremos uma terra desertificada, infértil para a atividade polÃtica. É preciso separar alhos de bugalhos, não botar tudo no mesmo saco.
Com isso, não estou tentando sugerir que se deva pôr panos quentes no que foi feito com o dinheiro público, com os negócios feitos de forma criminosa, com as relações criminosas entre a esfera pública e a esfera privada. Sou a favor de que se prossiga com a investigação, mas eu não outorgo a essa corporação do Judiciário, não apoio que ela passe o paÃs a limpo. Quem tem que passar o paÃs a limpo somos nós, a sociedade, e as instituições. Agora, há nuvens negras no horizonte, que se acumulam. Nós temos que ter sensibilidade e inteligência polÃtica para evitar os furacões, eles nos rondam, eles estão nos rondando.
Com a saÃda de Janot da Procuradoria-Geral da República e a entrada de Raquel Dodge, vislumbra alguma mudança na atuação da PGR daqui para frente?
A expectativa é que sim.
Na outra entrevista que nos concedeu, o senhor disse que a expectativa era a de que agora a PGR atuaria segundo a lei.
A expectativa é a de que a ministra Raquel Dodge tenha um comportamento mais consentâneo com as dificuldades que estamos vivendo. Isso não quer dizer que não se atente, que não se puna e que não se elucide um tipo de crime que tomou conta da polÃtica brasileira; minha posição não é essa. Minha posição é de que este é um processo de limpeza do paÃs, para usar essas categorias que os procuradores gostam, é um processo que passa por eles e por nós, pelo Judiciário e pela polÃtica. Se nós destruirmos a polÃtica, como estamos nos esforçando cada vez mais em fazer, ou nós teremos, de um lado, um governo de juÃzes, que é a pior das tiranias, porque delas não tem a quem se socorrer; ou teremos uma recaÃda de intervenção militar. São duas opções trágicas. Nós temos que evitá-las, temos que salvar a Carta de 88, as nossas instituições e temos que chegar à sucessão presidencial de 2018, onde teremos - e já estamos tendo - espaço para novas ideias, novos candidatos e novas personagens. Passar o paÃs a limpo é isso; não se passa o paÃs a limpo nem por força dos civis, nem por força das canetas ilustradas dos nossos magistrados.
Não há [Emmanuel] Macron à vista. Mas temos tempo para descobri-lo, para construir essa identidade. Faltam meses para a sucessão presidencial, é tempo de encontrarmos solução. Eu espero que essa procuradora, a Dra. Raquel, seja fiel à moderação das suas declarações anteriores, à sua história de moderação, embora tenha uma identidade também construÃda na luta contra a corrupção polÃtica. É uma presença, por ora, alvissareira.
Especificamente em relação à condução da Lava Jato, diante dos últimos acontecimentos, como o depoimento dos irmãos Batista, a prisão de Geddel e o depoimento de Palocci, diria que ela está no rumo certo?
Está andando e deve continuar a andar, mas não de forma endereçada como foi a incursão da Procuradoria-Geral da República contra o presidente da República. Agora está provado que houve uma armação, sobretudo, no que se revela o papel daquele jovem procurador [Marcelo Miller], que era o "homem forte" do Janot, e que participou da armação e armou com o Joesley [Batista] naquela conversa com o presidente da República. Não há inocente na polÃtica brasileira, aliás, não se faz polÃtica nem aqui e nem alhures com inocência; a polÃtica é um jogo duro, bruto. A polÃtica não é um lugar para a prática de anjos, o que não quer dizer que devamos nos render à s artes do Diabo.
A frase famosa do [Otto] Bismarck não é para ser esquecida: Se as pessoas soubessem como as leis são feitas e soubessem como as salsichas são feitas, ninguém as comeria, ou seja, as leis são feitas tal como as salsichas. Há leis boas que asseguram a ordem, que criam direitos e por isso esse é um mundo muito complicado, é um jogo de interesses muito perigoso, e é por isso que é preciso atuar nele sabendo manter seus princÃpios, mas negociando atento ao que está no entorno.
Na quarta-feira, 20-09-2017, a Câmara aprovou o fim das coligações para as eleições de deputados e vereadores, mas a medida só entrará em vigor a partir de 2020. Isso pode ter um efeito na polÃtica?
2020 me pareceu uma decisão incorreta, melhor seria agora, mas, enfim, se for isso é melhor que nada. E a cláusula de barreira, que já era para estar vigente há muito tempo, se não fosse o Supremo alterá-la por uma medida populista e tê-la declarado como condicional, também passou.
Como o senhor avalia a situação social do paÃs, embora não tenha havido manifestações nos últimos meses?
O paÃs está atento, está registrando o que está se passando, mas não encontrou ainda a hora da sua manifestação, até porque as ruas estão caladas, o que não quer dizer que vão ficar assim. Uma fagulha pode desencadear um novo ciclo de manifestações de resultados imprevisÃveis.
E a economia está melhorando? Por que o senhor avalia que a economia está dando sinais de recuperação?
A economia dá sinais de recuperação, agora, se eles são sustentáveis, eu não tenho condições de avaliar. Os sinais estão presentes e torço para que eles se afirmem com mais força, porque é preciso reanimar o mercado e trazer essa multidão de desempregados para a vida laborativa. Não há como pensar no tema da moralidade sem pensar no tema do trabalho. É preciso que o paÃs enfrente as suas dificuldades mais duras do ponto de vista da sua população: tem que criar emprego, reativar a economia e dar oportunidade para as pessoas. Ficamos reféns das leituras dos jornais que apenas transcorrem no mundo da moralidade, no mundo angelical das entidades morais, mas não se trata disso. Nós temos que desencavar, tirar e extrair do desemprego milhões de pessoas - não são poucas, são 13 milhões de pessoas - e dar oportunidade aos jovens que estão chegando ao mundo e não encontram o que fazer, não encontram uma ocupação digna a ser exercida.
Recentemente foi aprovada a reforma trabalhista, a qual muitos sociólogos estão criticando. Como o senhor avalia essa reforma?
Tem elementos interessantes, sobretudo aqueles que extraem os sindicatos da tutela estatal, das relações espúrias do Estado, como tem sido desde 1930. Nós precisamos de sindicatos fortes, combativos, não se faz um paÃs sem um sindicalismo potente. A Inglaterra foi feita com um sindicalismo potente, a França idem. O nosso sindicato ficou alinhado, refestelado nas antessalas palacianas; precisamos de um sindicalismo livre e combativo, muito combativo.
Essa Reforma Trabalhista, no essencial, vai nessa direção. Cabe a nós, aos trabalhadores, ativar o sindicato, não ficar "esperando a chuva dos céus". Ao longo dessa administração petista, qual tem sido a demonstração de vigor do nosso sindicato, salvo colher direitos que lhes são adjudicados de cima para baixo? Não se faz um paÃs sem sindicato forte, e sindicato forte é autônomo, tem que começar pela autonomia.
Há espaço para reativar o sindicalismo nos dias de hoje?
Temos que reativá-lo, isso cabe aos trabalhadores. O problema é que a esquerda brasileira está em frangalhos, ela viveu muito tempo abraçada com esse Estado que está aÃ, com as estruturas do Estado. Esse é o paÃs da "estadofilia". Precisamos criar um paÃs da sociedade civil, da energia dos que vêm de baixo. Nós temos que recriar a esquerda no Brasil. O que aconteceu com a Teologia da Libertação, que era um movimento que favorecia a animação dos que vinham de baixo? A hierarquia católica a escondeu. Nós vivemos nos anos 80 um mundo de associativismo, inclusive nas camadas médias. O PT era um partido que estimulava o associativismo, que criticava as estruturas sindicais corporativas. Mas hoje ficamos sem a Teologia da Libertação e sem o PT autonomista, só ficamos gravitando em torno do Estado e deu nisso aÃ. Isso precisa ser recriado, reconstruÃdo, nós precisamos de tempo, de liberdade e de serenidade.
Qual sua percepção do governo Crivella?
Ele está acuado, como todos os governos, sem recursos. Mas enfim, a chamada "administração escolar" parece estar sendo encaminhada de forma razoável. O tema da educação é um tema central na nossa realidade. Enfim, o governo Crivella não inspira devoções, mas pelo que estou sentindo agora, também não deve ser escarmentado. Vamos ver, vamos dar um pouco de tempo.
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Observador polÃtico 2017