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Ex-governadores do Pará em foto de festa

Lúcio Flávio Pinto - Fevereiro 2008
 

A imprensa publicou outro dia uma foto que vale como iconografia da elite dirigente do Pará: cinco governadores se reuniram no aniversário de um deles, o mais antigo, Aurélio Correa do Carmo. Posaram para a posteridade, pela seqüência cronológica no cargo, Alacid Nunes, Jader Barbalho, Hélio Gueiros e Carlos Santos. A imagem não incluiu os outros três únicos ex-governadores ainda vivos: Jarbas Passarinho, Almir Gabriel e Simão Jatene.

Certamente alguém logo acrescentará os nomes de Laércio Franco, Hélio Gueiros Jr. e Valéria Pires Franco. À maneira do apresentador e comerciante Santos, alegre, como sempre, na foto batida no aniversário de Aurélio do Carmo, os três também foram companheiros de chapa do governador e assumiram eventualmente o cargo. Mas não devem contar, por não terem sido eleitos. São resíduos de democracia autocrática (se tal é possível) que o Brasil cultiva, remanescendo de inclinações oligárquicas na fundação do país, que se tornou liberal à sombra da casa-grande. Mesmo sem terem sido eleitos, acabam por ocupar cargos eletivos (como os biônicos suplentes de senadores). Em favor de Carlos Santos (e em desfavor do Estado), conta o fato de ele ter assumido o governo nos nove últimos (e mais do que terríveis) meses no segundo mandato de Jader Barbalho.

Já os dois governadores tucanos dificilmente iriam ao convescote na Estação das Docas. Almir não aceitaria ombrear seu antecessor e menos ainda, agora, ficar ao lado do seu ex-amigo e ex-correligionário Jatene. Os dois têm mágoas incontornáveis um do outro. Almir, mais iracundo e rancoroso que todos, está convencido de que a falta de apoio do seu antigo pupilo foi a causa principal de ser derrotado por Ana Júlia. E Jatene não perdoa o padrinho por não lhe haver permitido disputar a reeleição, como fizera o próprio Almir, sem qualquer embaraço partidário.

Se fosse o candidato, Jatene teria o apoio de Jader, e Ana Júlia Carepa, nesse contexto, não se apresentaria como candidata do PT. Não venceria sem a cobertura do PMDB. Jatene nunca fechou totalmente a porta para Jader, para desespero do capo do PSDB. Por isso, talvez, não fosse impossível seu comparecimento à festa de aniversário com o quinteto governamental, ao contrário da absoluta impossibilidade quanto a Almir. Mas também não seria recomendável, ainda, abrir eventuais jogos, escondidos na manga da casaca.

A presença de Aurélio do Carmo ao lado de Alacid Nunes seria uma prova do espírito democrático dos dois ex-governadores. Aurélio foi cassado três meses depois que o grupo militar, do qual Alacid fazia parte, tomou o poder nacional, em abril de 1964 (abril é o mais terrível dos meses, alertou o poeta Eliot). O chefe, na época, era Jarbas Passarinho, mas Alacid dificilmente conseguiria trocar o quartel pelo palácio se a antiga estrutura de poder, montada pelos "baratistas" em torno do PSD, que entronizou Aurélio, não tivesse sido desfeita por Passarinho, o "anfíbio" da linha de frente.

"Desfeita", aliás, não é o termo exato: "remontada" seria a expressão mais adequada, quando Passarinho deu o último passo que faltava para se assumir abertamente como político (agora, profissional). Aurélio foi descartado depois que muitos do seu esquema trocaram de camisa, possibilitando a eleição indireta, pela maioria da Assembléia Legislativa, do novo governador, o coronel Passarinho (enquanto o tenente-coronel Alacid ia para a prefeitura de Belém, no lugar de Moura Carvalho).

Alacid também teria motivos para não querer a companhia de Jader Barbalho. O então deputado federal do PMDB dificilmente teria derrotado o esquema federal, patrocinado por Passarinho para eleger Oziel Carneiro, com o decidido apoio do presidente-general João Figueiredo, se não contasse com a dissidência do governador. Alacid estava tão interessado em se livrar de Passarinho que arcou com o desgaste de trair seus antigos colegas de caserna. Figueiredo chamou-o para um acerto "lá fora", mas Alacid, as usual, não foi. Ganhou por um W0 pervertido, na lógica interna dos aquartelados.

Tão logo se investiu no poder, Jader tratou também de se desvencilhar dos "alacidistas", o que fez com a eficácia costumeira dos seus muito apreciados golpes de mão. Mas logo depois provaria também sua cota do próprio veneno, servido frio por Hélio Gueiros, a quem arrastou para o Senado e o governo, na esperança de que o correligionário e amigo mantivesse o lugar esquentado até a sua volta. Gueiros tinha outros planos e apoiou o adversário de Jader na eleição seguinte, contando com todas as baterias do grupo Liberal, azeitadas por muito dinheiro público. Voltou a carregar nas tintas da acusação ao malversador dos recursos públicos, na véspera tratado por ele como estadista.

Passando a borracha no passado, remoto ou recente, lá estavam os cinco ex-governadores, sorridentes e felizes, como amigos de infância e companheiros de viagem. Mais do que uma demonstração de espírito democrático, o que não se pode deixar de louvar, em homenagem à tolerância, vital em política e tudo mais, o que eles fizeram na festa de aniversário de Aurélio do Carmo foi mostrar que o que os separa, aparentando tudo, é nada. O mesmo nada de substância que poderia distingui-los quando no exercício do poder máximo em um Estado tão carente de liderança positiva, de projeto, de luz, de coerência e de determinação.

Melhor, para eles, foi mesmo cumprir o rito do natalício: bater palmas, cantar o parabéns, cortar o bolo, trocar abraços e posar sorridentes para a muda foto da posteridade das grandes lideranças do Estado. Eles são o Pará que decide. Errado, invariavelmente.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006) e Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007).



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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