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Uma antologia de agraristas políticos

Michel Zaidan - Abril 2008
 

Raimundo Santos. Agraristas políticos brasileiros. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira–NEAD (MDA)/ IICA, 2007. 200p. 

Raimundo Santos, reconhecido pesquisador do pensamento comunista, associa com muita competência a sua especialidade na teoria política marxista e o crescente interesse pelo estudo das idéias agrárias de vários publicistas do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Há muitos anos, Santos vem se dedicando a uma paciente exegese de textos e documentos e textos no sentido de recuperar os "perfis políticos" desses intelectuais que constituem a matriz agrarista "Caio Prado Jr.–PCB", como os considera.

Com base nesse projeto, já organizou uma antologia de textos agrários pecebistas e publicou vários ensaios sobre a obra desses autores, notadamente Caio Prado Jr., a quem dedicou todo um volume, sem falar que, há pouco, lançou uma nova coleção de escritos caiopradianos num só volume, por ele chamado de Caio Prado Jr.: dissertações sobre a revolução brasileira, sob o selo editorial da Fundação Astrojildo Pereira e da histórica Editora Brasiliense.

Surge agora o novo livro de Raimundo Santos Agraristas políticos brasileiros, publicado por um pool de editores (a mesma Fundação Astrojildo Pereira, o Núcleo de Estudos Agrários (NEAD–MDA) e o Instituto Interamericano para a Cooperação na Agricultura (IICA). No livro, Santos apresenta três substanciosos ensaios sobre Caio Prado Jr., Alberto Passos Guimarães e Ivan Otero Ribeiro. E acrescenta textos representativos das visões agrárias de cada um deles. É mais um serviço prestado pelo antologista à sociologia rural e ao pensamento político brasileiro.

Na parte dedicada a Caio Prado Jr., o interesse de Raimundo Santos é resgatar a contribuição do "marxismo político" caiopradiano, como ele o chama, para a questão da agricultura brasileira, ao acentuar o reformismo agrário do historiador e o papel subordinado das mudanças agrárias nos caminhos da revolução brasileira.

Coerentemente com o seu "circulacionismo" (para Santos, base do seu "marxismo político"), Caio Prado nega qualquer importância revolucionária à luta pela pequena propriedade e à reforma agrária redistributiva, privilegiando o desenvolvimento da indústria, para o que deveria ser subordinada qualquer política agrária. Como se sabe, o "marxismo político" do autor paulistano e seu reformismo agrário entraram em choque direto com o programa do seu Partido Comunista, e ele sempre foi mais valorizado como historiador marxista do que como político.

Em seguida, Raimundo Santos passa para o pensamento do dirigente comunista Alberto Passos Guimarães, responsável por uma posição mais ortodoxa ligada ao partido comunista. Os textos de Alberto Passos são emblemáticos da posição do PCB no que diz respeito à questão agrária. Santos sublinha a referência do autor a uma passagem de Lenin sobre o caso hipotético de uma "revolução agrária não-camponesa", onde o capitalismo já subordinara toda a agricultura.

Segundo Santos, esse cenário inspira o autor de Quatro séculos de latifúndio a imaginar no Brasil uma variante de revolução rural, ou seja, uma revolução (reforma) agrária que começaria sem ser protagonizada pelos camponeses. Postos em ação por sindicatos rurais criados com este fim tático, os pequenos produtores assumiriam, no decurso do processo revolucionário, a direção da reforma agrária tornando-a uma reforma camponesa.

Santos pretende que esse argumento amparou a política dos comunistas de "fundar sindicatos de assalariados e semi-assalariados agrícolas para mobilizar camponeses", bem-sucedida quando, nos anos 1950-1960, o PCB criou a União dos Trabalhadores e Lavradores da Agricultura (Ultab, 1954) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag, 1963).

Finalmente, Raimundo Santos aborda a ensaística de Ivan Otero Ribeiro, morto durante a Nova República no acidente de avião que vitimou o ministro da reforma agrária Marcos Freire e membros da sua equipe da qual fazia parte. A reflexão desse jovem pesquisador desperta grande interesse, ao acentuar a sobrevivência do pequeno camponês no mundo inteiro (que é difícil negar) e trabalhar com o conceito de via prussiana do desenvolvimento capitalista.

Para Ribeiro, o processo de desenvolvimento capitalista da agricultura brasileira foi de cima para baixo, não eliminando a questão da pequena propriedade e da mentalidade camponesa. Daí o seu empenho militante, quando estava no Ministério da Reforma Agrária, de levar adiante um programa de fomento à agricultura familiar; tema de suas pesquisas na Universidade Rural do Rio de Janeiro da qual era professor. Infelizmente, a trágica morte do Ribeiro o impediu de extrair as conseqüências de seu pensamento teórico.

Toda essa discussão é de uma atualidade indiscutível, se se tem em conta os rumos da política do governo Lula para o mundo rural, sobretudo no que diz respeito à reforma agrária e à pequena agricultura familiar. Oxalá esses estudos desenvolvidos por Santos no âmbito do pensamento social e a releitura dos próprios textos dos intelectuais comunistas ajudem a pensar os rumos dessa política e inspirem um programa agrário condizente com os interesses da "maioria da população", no dizer de um deles (Caio Prado), ao insistir sobre o "ponto de vista do trabalho" na hora da definição das políticas públicas.

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Michel Zaidan é professor da Universidade Federal de Pernambuco.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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