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O impeachment, Antígona e Creonte

Arlindo Fernandes de Oliveira - Abril 2016
 

O conflito entre o direito natural e o direito positivo é uma das hipóteses de leitura do significado da peça de teatro Antígona, de Sófocles. Sua história é conhecida e preexistente à própria peça: dois irmãos em luta pelo trono, um com direito legal a ele, e o outro em rebeldia, enfrentam-se e morrem.

O tio, Creonte, assume o poder e, de acordo com as leis vigentes, determina: um deles, aquele que tinha direitos legais, será sepultado com todas as honras; enquanto o outro, em conflito com a lei, teria o seu cadáver colocado em uma pedra, exposto, assim, à ação das aves de rapina e de outros animais.

Antígona, irmã de ambos, reclama o direito do irmão ao sepultamento regular, com base em leis divinas, superiores, a seu ver, às leis da cidade. Creonte, um governante isento de patrimonialismo, ao menos nesse caso, quer que a lei secular seja aplicada, e o cadáver do sobrinho exposto às intempéries, como ocorreria a qualquer outro cidadão.

Hoje, no Brasil, o impeachment configura a oportunidade para o PT e o Governo brasileiro, que revelam um projeto político mais do que fracassado, porque falecido, de um sepultamento digno, de acordo com as leis da cidade. O impeachment constitui procedimento regular, determinado pela Constituição, disciplinado pela Lei 1.079, de 1950, e recentemente regulado pelo Supremo Tribunal Federal.

Trata-se, na verdade, não de um golpe, mas, ao contrário, de uma solução caridosa, como queria Antígona: além de dar ao PT o discurso da vitimização, que ele sabe usar bem, lhe oferece uma hipótese de viabilidade eleitoral, talvez a única que pode conseguir nessa conjuntura, como oposição à política econômica de Michel Temer, que será, necessariamente, de arrumação da casa e que, por isso mesmo, implica uma série de custos políticos.

O impeachment seria, nessa perspectiva, a adoção da norma positiva, a lei da cidade, o critério de Creonte, para fazer a justiça que queria Antígona.

Mas assumir o Governo nessas circunstância pode ser um grande ônus para qualquer força política. O quadro macroeconômico e a situação das finanças públicas são tão degradados que o vencedor da luta do impeachment na Câmara poderá até mesmo amanhã amargar efeitos indesejados de permanecer no Governo ou de conquistá-lo e virar vitrine. Pode não haver tempo para reorganizar a economia até o pleito de 2018.

Talvez por isso mesmo, há oposicionistas, como o PSOL e a Rede, cujo projeto partidário se fortalece sobre os escombros do PT, mediante a recolha de parte desse espólio. Para essas forças, parece melhor que o PT e seus aliados do Governo apodreçam em praça pública, sob sol e chuva, chefiando um governo sem projeto, sem força e sem dignidade, e que - tudo parece indicar - será derrotado desonrosamente, seja qual for o resultado da votação do impeachment na Câmara dos Deputados.

Essa solução, embora possa não parecer à primeira vista, é muito mais dura e cruel com os petistas: implica expor o Governo Dilma à desmoralização cotidiana, o enxovalhar público diante de todos, a perda da capacidade de representar quem quer que seja, especialmente os mais pobres - que sofrerão daqui por diante os efeitos mais pesados da crise.

Junto disso, e como consequência inescapável, os prejuízos, imensos, severos, no plano eleitoral e em qualquer plano, político e ideológico, que a decrepitude do PT implicará a curto, médio e longo prazos, para todas as forças de esquerda e de centro-esquerda do Brasil e de toda a América Latina, inclusive aquelas que se opõem à política populista e às suas práticas corruptas, patrimonialistas e, de toda forma, contrárias à política e à cultura historicamente defendidas no mundo pela centro-esquerda e demais forças democráticas.

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Arlindo Fernandes de Oliveira é advogado e Consultor Legislativo do Senado Federal, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral.

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Mudanças na legislação eleitoral e a eleição municipal



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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