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Dilma injustiçada?

Lúcio Flávio Pinto - Maio 2016
 

Na defesa final da presidente Dilma Rousseff no Senado, já na madrugada de hoje, falando na condição de advogado-geral da União (contestada por seus pares), José Eduardo Cardozo garantiu que os parlamentares cometeram uma injustiça histórica.

Segundo ele, "procedimentos, como o direito de defesa, são usados para oferecer legitimidade a um processo que rasga a Constituição" e condena "uma mulher honesta e inocente".

O nome desse procedimento é golpe, insistiu ele na mesma tecla: "Quanto mais uma palavra se aproxima da realidade que se quer esconder, maior o incômodo que seu uso traz". Todo o processo teria utilizado "pretextos jurídicos para tirar do poder uma presidente legitimamente eleita do poder em uma injustiça histórica".

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva, viu o Brasil de hoje amanhecer "um país menos democrático", mas garantiu que a presidente está disposta a continuar trabalhando para reverter "essa imensa injustiça cometida".

"Dilma acredita nas causas pelas quais lutou toda a vida e irá até o fim na busca por justiça e na defesa da democracia. Sem dúvida, neste percurso, terá ao seu lado uma verdadeira legião de militantes, apoiadores e simpatizantes engajados na causa democrática", escreveu ele no seu blog.

"Integrei um governo comandado por uma mulher honesta e honrada, injustamente afastada do cargo para o qual foi eleita por 54 milhões de brasileiros. Contribuí, como o faço há três décadas, com um projeto de país do qual me orgulho muito", proclamou.

O presidente do PT, Rui Falcão, divulgou uma nota para declarar que a decisão do Senado "é a continuidade do golpe contra a democracia e a Constituição. O Partido dos Trabalhadores, ao lado dos demais integrantes da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo, e em conjunto com todas as forças democráticas, continuará mobilizado nas ruas e instituições nacionais. Saberemos levar a todos os cantos do país o protesto contra a usurpação e o golpe", acrescentou.

No entanto, o Brasil amanheceu tranquilo, embora cansado. Mais do que tudo: cansado do comando do país, que o levou a um estado pré-falimentar e não dava nenhum sinal de que poderia corrigir os rumos e devolver a confiança à nação para o hercúleo trabalho de recuperação.

O governo do PT faliu e, se foi derrubado por um golpe parlamentar, como o partido insiste em qualificar o processo de impeachment, a maioria da sociedade brasileira o avalizou e referendou. A mobilização das ruas se esvaziou no dia da votação e o dia seguinte, do afastamento, não correspondeu à expectativa dos que, dos dois lados das trincheiras, especulavam sobre o início de uma guerra civil.

Quando os senadores deram início à sessão de ontem, o ministro Teori Zavascki divulgou seu voto, claro e categórico, contra o pedido do governo de sustar o andamento do processo. Não há maneira de o Supremo Tribunal Federal apreciar o comportamento do congresso sem rasgar a constituição. Ao chegar ao Senado, a instância é política e o órgão competente para julgar a presidente por crime de responsabilidade é o colegiado de senadores, disse o ministro.

Se irregularidades foram cometidas ou mesmo ilegalidades perpetradas, o momento processual de revogá-las já passou. Todos os recursos foram usados na forma da lei e não deram o resultado desejado, de provar que o impeachment é um golpe branco, ou que não caracterizou os crimes de responsabilidade alegados.

Para ser coerente, o governo devia reforçar seus argumentos para o julgamento de mérito da questão, que começará agora, com prazo de 180 dias para ser concluído, sem o que a presidente, ré no processo, voltará ao cargo do qual hoje foi privada.

Ao invés disso, o advogado-geral da União, que chegou ao cargo depois de ter sido ministro da Justiça, age como profissional de porta de xadrez. Preparou o texto com o qual o presidente interino da Câmara Federal, deputado Waldir Maranhão, de forma carnavalesca, voltou atrás autocraticamente na história e, como se detivesse um aparelho especial de flash-back, acolheu o argumento do AGU (não confundir com a AGU) sobre os erros processuais, pedindo os autos de volta para refazer a votação.

A manobra cavilosa exemplifica o pouco apreço do autor da peça pelo jogo democrático e, em particular, pela justiça. Na sua versão verdadeira, a armação significava que, por interposta pessoa, o autor do recurso, apresentado à mesa da Câmara Federal, se tornou também o autor do deferimento do pedido por ele mesmo formulado. Uma farsa grotesca, além de infantil, logo desfeita pelo involuntário autor da palhaçada.

Não tendo conseguido provar a inocência da sua cliente, no devido processo legal, no qual lhe foi garantido o amplo direito de defesa e o pleno contraditório, nos prazos devidos, o advogado da presidente, por acidente também o chefe do órgão de defesa de todos os poderes constitucionais que formam a União Federal, tentou o jogo sujo, à margem da lei e até da decência.

Não é procedimento de quem devia merecer todos os elogios que os seus parceiros e aliados lhe fazem. Dilma Rousseff, mulher honrada e injustiçada, diz que vai continuar a defender o seu mandato e a sua honra vilipendiada.

Até agora, o que demonstrou de verdade foi um impressionante apego ao poder, independentemente do uso que esse poder lhe permitiria para fazer o que, por sua ótica particular, acha que fez pelo Brasil. O juízo que sobre ela fazem os seus pares difere substantivamente do que a maioria do povo brasileiro, diretamente ou por seus representantes políticos, tem manifestado desde que ela assumiu este segundo mandato, suspenso melancolicamente antes de completar o terceiro semestre.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

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Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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