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Programa generoso, estratégia errada

Hamilton Garcia de Lima - Abril 2006
 

O PT tinha um programa econômico generoso e queria mudar o Brasil, mas com a estratégia errada: minimizava a questão inflacionária, que entendia ser secundária diante da exclusão social. Primeiro seria necessário acabar com a exclusão para depois tratar da inflação. Foi com base neste raciocínio que colidiu com os populares Plano Cruzado (1986) e Real (1994).

Numa sociedade de massas, consumista e democrática, a inclusão social (crescimento do PIB) precisa ser compatibilizada com o crescimento da renda individual (que exige inflação sob controle) de modo a produzir a sustentabilidade dos governos. Mesmo a ditadura, que manteve eleições em vários níveis, sentiu os efeitos deste descompasso ao fim do "milagre econômico" dos anos 1970.

Nos anos 1980, em meio a uma inflação bem mais grave, que atingia em cheio a franja subalterna dos assalariados (subcidadãos) desprotegidos da correção monetária da poupança, o roteiro se repetiu, só que agora vitimando um governo de direita que também perdia o apoio do empresariado.

O PT, apesar de ter nascido neste contexto, encarou, desde o início, a questão à moda do agitprop pecebista dos anos 1960: como uma boa bandeira de desgaste do adversário, mas não como o calcanhar-de-Aquiles de qualquer política de massas. Assim, perdeu para Collor, que propôs o fim imediato da inflação e a abertura do mercado brasileiro aos produtos importados (verdadeiro fetiche nacional), e para FHC, cuja estratégia de estabilização monetária fez do PSDB um grande partido e lhe deu dois mandatos consecutivos.

Quando, enfim, Lula e a alta cúpula do PT se cansaram de jogar para perder nas presidenciais, ali por volta de 1999, começaram a falar em ampliação da política de alianças na direção do centro político. A ampliação solteira, todavia, não descartava os antolhos da questão inflacionária, tanto que insistiram na crítica irascível ao Plano Real - inclusive produzindo a campanha "fora FHC!".

Foi só às portas da decisiva eleição para Lula que a insubstância de seu programa econômico cedeu espaço para as "alianças amplas". Nesta oportunidade, o PT jogou sua propositura econômica antimercado no lixo e a substituiu, de maneira dissimulada, pela do Real. Agiram, como diria Georges Lavau, "com os pés", sem encarar o debate intelectual que uma mudança deste tipo exigia, e ao qual a socialdemocracia européia, que tanto criticavam, não se furtou.

Agindo assim de maneira "esperta", acabaram caindo numa cilada, deslizando, como dizia Lenin, pelo plano inclinado do oportunismo até reduzir seu projeto de país ao simplório "dar de comer a todos os brasileiros", de Lula. A nobre intenção - mais uma entre aquelas de que o inferno está cheio -, diante de uma elite que sempre pensou o progresso sem o desenvolvimento do povo, apenas mascarava a tragédia de um presidente sem projeto de país.

Por este ângulo, Lula e o PT acabaram se colocando muito aquém do populismo clássico brasileiro, que também sempre criticaram. Vargas, apesar de todo o titubeio e da capitulação sem luta em 1954 - assim como Goulart em 1964 -, tinha um projeto de desenvolvimento para o país, que sobreviveu à própria crise da democracia de 1946 e acabou sendo tocado, em outros termos, pela elite militar que tomou o poder em 1964.

Agora, ao cabo de 22 anos de redemocratização, o horizonte se vislumbra desalentador. Enquanto um novo projeto de desenvolvimento não deslancha, assistimos à volta da velha promessa do "caminho americano" - fetiche liberal tupiniquim, hoje encarnado no PSDB alckiminista - que nunca se realiza. Como seu maior contendor, o "populismo" desidratado de Luiz Inácio Lula da Silva alimenta a esperança de resolver o problema da pobreza com um "bolsa-família" calcado num "bolsa rentista" travestido de "equilíbrio monetário".

Se olharmos atentamente para ambas as formulações estratégicas, chegaremos à conclusão de que a crise de estagnação só se resolverá com o seu aprofundamento.

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Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). 



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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