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A.C. Magalhães e a modernização da Bahia

Carlos Haag - Janeiro 2007
 

Paulo Fábio Dantas Neto. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos Magalhães na modernização da Bahia. Belo Horizonte: Ed. UFMG/Iuperj, 2006.

Responda rápido: quando você vê o senador baiano Antonio Carlos Magalhães (ACM) vociferando na tribuna e se lembra de Gabriela, cravo e canela (tudo bem, pode ser a novela de TV), de Jorge Amado, que figura parece representar melhor o político alcunhado por seus desafetos como "Toninho Malvadeza": o temível coronel Ramiro Bastos, autocrata do cacau, ou Mundinho Falcão, o bem-sucedido rival político do intendente de Itabuna, engenheiro que acaba por levar a modernidade e o progresso para a região? Já se pode adivinhar que você escolheu a resposta do senso comum, porém, errada - segundo o cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, da Universidade Federal da Bahia.

"É uma esterilidade política tratar o carlismo como persistência fantasmagórica de coronelismo ao falar de um personagem que sempre esteve do lado oposto ao do coronel, isto é, como encarnação do Estado que, cada vez mais, dava as cartas e subordinava, a seus desígnios, declinantes oligarquias tradicionais." Dantas é autor da tese de doutorado (defendida em 2005 e agora publicada em livro), orientada por Werneck Vianna.

Assim, os métodos de ACM até podem lembrar os de Ramiro Bastos, mas a intenção, pasmem, era mesmo de ser um Mundinho Falcão, ainda que, de início, controlado pelas elites. "O chamado carlismo nunca foi mera obra do talento político ou do apetite pessoal de poder de ACM, mas a expressão política de interesses, valores e atitudes das elites baianas e nacionais que apostaram numa supressão autoritária do pluralismo para apressar, por cima, uma modernização que lhes preservasse dedos e anéis", observa o pesquisador em seu trabalho.

Logo, um porta-voz de reivindicações, como nota Dantas, endógenas, das elites locais, que demandavam um mix de continuidade e mudanças, ou seja, compromissos simultâneos com as pautas modernizantes nacionais de 1930 e 1964 e com modulações políticas regionais de liberalismo e populismo. "Seria este figurino de quatro dimensões que ACM e seu grupo iriam encarnar, aí agregando, à autocracia e à tradição, como terceiro elemento explicativo do seu êxito, o carisma de administrador dinâmico e de político despótico", avalia.

Portanto, observa o pesquisador, não se engane novamente ao usar o senso comum: não será a vitória do petista Jaques Wagner ao governo da Bahia que representará o "desmonte do carlismo", como sonham alguns. As raízes do "enigma ACM" não estão no iracundo senador, mas num outro, anterior a ele: o "enigma baiano", designação dada pela elite baiana à incapacidade de modernização e industrialização do estado, enfatizada pela comparação com o sucesso de vizinhos, em especial, Pernambuco.

O desânimo dessa elite provinha do que acreditavam ser uma "involução industrial da Bahia", pois, enquanto no século passado o estado contava com uma indústria de transformação diversificada, entre as décadas de 1940 e 50 notava-se uma impressionante estagnação. "A Revolução de 30 trouxe uma lógica perversa para a Bahia: o poder anterior privilegiava interesses regionais, como o café e a pecuária mineira, mas não excluía a burguesia mercantil dos benefícios da política econômica", analisa Antonio Sérgio Alfredo Magalhães, da UFBA, em Formação e crise da hegemonia burguesa na Bahia.

Segundo ele, a partir de 1930 passou-se a privilegiar ramos e atividades que estavam fora do universo da burguesia baiana, que se enfraqueceu diante das facções sulistas e da burguesia baiana cacaueira, cujo poder será abalado com a criação do Instituto de Cacau da Bahia, que tira das mãos locais e coloca nas do Estado a comercialização do cacau. "A burguesia mercantil e financeira conhece então um processo de concentração de capitais", nota Magalhães. "Ao ‘atraso’ do enigma baiano, os governantes estaduais procuraram, entre 1947 e 1954, responder com iniciativas modernizantes de cunho liberal, que pretendiam fazer o progresso aflorar da dinâmica agromercantil e do capital bancário", completa Dantas.

A chegada da Petrobras à região de Salvador fez mudar de vez os planos da elite baiana, pois deixava claro que não se podia mais levar adiante a idéia de uma solução local. "Entre meados de 1955 e da década seguinte criou-se um consenso entre os vários ramos da elite baiana: a modernização local não seria feita nem apesar de e muito menos contra prioridades e interesses do Estado nacional. O problema era saber como arrancar do centro político as decisões e os recursos para viabilizar a nova alternativa."



Fonte: Pesquisa Fapesp, n. 131, jan. 2007.

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