Juliano Nery Juliano Nery 7/5/2012

O folgado

Foto de celular tocando musicaSe tem uma coisa que me irrita na vida em sociedade é a figura do folgado. Entenda-se por folgado, o sujeito que quer se dar bem em tudo, aquele partidário da antiga Lei de Gerson, evocando a campanha publicitária década de 1970, que tinha o meia-armador habilidoso e campeão do mundo no México, como protagonista. À época, ele aparecia levando vantagem em ocasiões do cotidiano, como um mote para a venda de uma marca de cigarro, que o tinha como garoto-propaganda. Gerson arrependeu-se da campanha, o cigarro não anda muito em moda, mas, o benefício próprio, independentemente do bem comum, continua em voga. O exemplo mais recente é o da utilização de aparelhos sonoros no mais alto volume dentro de veículos de transporte coletivo em nossa cidade. Funciona assim: o camarada entra no veículo, escolhe o que tiver de mais chocante no seu set list e crava no último volume. "Ficou incomodado? — O problema é seu... — Adoro essa música e ainda vou cantar junto!" A folga. Exemplos não faltam para ilustrar.

Basta entrar numa fila de banco e você verá. Cortar fila é a forma mais básica, mas já existem aprimoramentos: pode ser que apareça alguém, entregando um bolo de documentos para a pessoa mais à frente e, quando questionado, dirá que a pessoa na fila estava apenas guardando lugar para ele. Terá aquele que dirá que fará apenas "uma perguntinha" para o gerente e ficará por horas sendo atendido no seu lugar. E tem gerente e caixa de banco que, mesmo com uma fila monumental a sua frente, fecha os atendimentos sem a menor cerimônia e aponta um singelo "dirija-se ao guichê ao lado, por favor." E embora a do banco seja a fila mais famosa, o mesmo pode acontecer na fila do posto de saúde, do pronto-socorro... Em qualquer lugar, pode um folgado aparecer.

O folgado pode ser o seu companheiro de trabalho, aquele que arruma um atestado médico Mandrake na véspera do feriado, deixando para você a batata quente de desarmar duas bombas prestes a explodir durante o expediente: a sua e a dele. Tem aqueles que nem matam o trabalho, mas morrem de preguiça e mesmo estando presente, parecem que nem existem. Às vezes, ele está dentro de casa e quer comer um bife a mais no almoço, tomar toda a jarra de suco e não quer saber de lavar as louças. Geralmente, os grandes folgados começam a ser trabalhados desde pequenos para depois esbanjarem seu talento mundo afora, quem sabe até em grandes esquemas de corrupção, que a gente tão bem conhece em nosso país.

Fiquemos alertas. Nós mesmos podemos nos tornar grandes folgados. Quem é que nunca foi incentivado a usar uma carteirinha de estudante depois de 10 anos de sair da faculdade? Quem é que nunca foi incentivado a ganhar "um por fora para o cafezinho" para facilitar um serviço ou favorecer um amigo? Temos que ficar espertos com as pequenas corrupções e com os incentivos que recebemos. Ninguém começa com desvios milionários e nem com propostas de deixar queixo caído... Tudo parte de um vértice que não se dá muita importância e que chamamos de "jeitinho brasileiro"... Todo cuidado é pouco!

Fiquei feliz com a matéria sobre o som alto no busão tramitando na Câmara dos Vereadores e com os avisos nos veículos sobre as sanções aos infratores. Quiçá, tornando-se um caso de lei, eliminemos os folgados da vez. E fiquei pensando: serão necessárias leis para inibir fura-filas e para os partidários do jeitinho brasileiro e da Lei de Gerson? Deixo a pergunta...

Para Juliano Nery, a folga devia ser aquele descanso após a semana de trabalho.

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Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.

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