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Novo ambiente não permite que Dilma repita Lula

Luiz Werneck Vianna - Abril 2011
 

Mudanças no ambiente político e econômico - no Brasil e no mundo - somadas a diferenças de estilo têm impedido a presidente Dilma Rousseff de repetir o governo de Luiz Inácio Lula da Silva na extensão em que gostaria.

A avaliação é do cientista político Luiz Werneck Vianna. Em balanço dos primeiros 100 dias do novo governo, o pesquisador da PUC-RJ ressalta que a presidente, ao lado de elementos de continuidade em relação à gestão anterior - como um "repertório" econômico que remete ao varguismo, ao regime militar e ao terceiro-mundismo -, opera modificações significativas. Uma delas, na política externa. Outra, no relacionamento com o movimento sindical. "A unidade das centrais foi trincada no governo Dilma pela questão do salário-mínimo", diz Vianna.

O acadêmico vê crescente afastamento entre Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical e entende as revoltas de operários do PAC como mudança fundamental na conjuntura, por se darem no Centro-Oeste e serem centradas na construção civil. Como fator de permanência, aponta a continuação do "capitalismo politicamente orientado" do passado, reabilitado no segundo governo Lula e centrado no estímulo, via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a grandes grupos econômicos nacionais. "A Dilma tem essa marca também", afirma o pesquisador (Wilson Tosta).

São 100 dias sem Lula e 100 dias com Dilma. Dá para notar alguma diferença?

Dá. Nas circunstâncias e neles. As circunstâncias se alteraram, em alguns pontos significativamente. A revolução árabe, com que o tema da democracia como valor universal se impõe; com que também a perspectiva dominante durante o governo Lula, de um viés terceiro-mundista, perde muito da sua força. Esse é um ponto. Uma questão interna que também acarreta mudança é a questão sindical e operária. Aí, as mudanças circunstanciais, na contingência e até de personalidade dos atores influem.

De que forma?

O ex-presidente Lula veio dos sindicatos, Dilma não. A questão sindical parece tão desconfortável para a presidente que ela a vem delegando ao Gilberto Carvalho. A questão dos sindicatos no Brasil, com seus matizes e suas nuances, foi como que obscurecida, abstraída, por ser tratada em bloco nas centrais sindicais. Falava-se no governo Lula nas centrais sindicais como uma unidade. Essa unidade foi trincada no governo Dilma com a questão do salário-mínimo. Por mais que as centrais, especialmente CUT e Força Sindical, tenham feito força para não estabelecer contrastes, na medida em que o processo andava o contraste se impunha, inclusive no sensível tema da contribuição sindical. Essa é uma questão que vai seguir e deve aprofundar fraturas.

Dilma não está conseguindo lidar com esse afastamento?

Ela não tem partido. O partido dela tem partido nessa questão, a favor do fim da contribuição e a favor da pluralidade sindical. São duas questões que animaram o sindicalismo do ABC e foram responsáveis, no governo Lula, por aquele Fórum Sindical de 2004, quando o (Ricardo) Berzoini apresentou Proposta de Emenda Constitucional pelo fim da unicidade sindical e da contribuição sindical. E que o Lula fez retirar da pauta. A partir daí, as centrais atuaram como central única.

Nesse quadro, onde entram as rebeliões operárias do PAC?

Aí também está subentendida uma disputa entre elas. O sindicalismo daquela região está fortemente sob orientação da Força ou da CUT. Quem ganhar ali vai definir o tipo de sindicalismo que teremos no governo Dilma. A enorme novidade é a seguinte: o deslocamento do centro de gravidade sindical do Sudeste para o Centro-Oeste do País, do setor metalúrgico para o da construção civil. Pode-se dizer que isso não vai ser um processo permanente. Mas na conjuntura é, em função das obras do PAC, das hidrelétricas que se construirão, da Olimpíada, da Copa do Mundo.

Isso é um fator novo desses primeiros 100 dias de Dilma.

Sim, mas esses 100 dias devem se prolongar. No que se refere à construção civil, certamente. Foram milhares e milhares de trabalhadores novos, sem a menor tradição de vida sindical, que estão chegando a um dos principais teatros de operações do capitalismo brasileiro, nas proximidades do agronegócio, em obras estratégicas. Outra questão das circunstâncias é a inflação. O governo Lula não conheceu ameaças de surtos inflacionários, como o governo Dilma vem conhecendo. Inclusive, é ela que está pagando a conta das políticas anticíclicas exercitadas a partir de 2008. Poderemos ter um surto inflacionário que, se vier, varre este ciclo de governos do PT. O mundo que a Dilma conhece é novo em relação ao que Lula conheceu.

A votação do salário mínimo foi um marco da mudança, não? Dilma fincou pé nos R$ 545. Isso foi só ali ou se repete?

Isso tende a avançar, a deslocar o sindicalismo para fora do Estado, devolvê-lo às ruas, ao parlamento. O sindicalismo no Brasil, hoje, está instalado no interior do Estado, não é?

O que o sr. aponta no movimento sindical pode ser replicado? A relação com o MST, por exemplo, fica mais distante?

Já ficou. Tende a se aprofundar.

O PMDB hoje atrapalha menos a presidente que o PT?

O que admito como estratégia para o PMDB é se converter em uma base segura para o governo Dilma, em que ela confie mais do que em qualquer outra configuração. Não estou dizendo que vai ter êxito, mas a meu ver é o sentido desse movimento. Acho uma política esperta.

E a oposição? O que explica a sua desagregação?

A oposição não tem programa. Sempre pode-se dizer que o governo não tem programa, estamos no reino do pragmatismo instrumental. Uma coisa é ser pragmático. Outra é não ter fim algum, é ir tocando.

Na economia, a atuação do governo não aponta para um capitalismo de Estado?

É um capitalismo politicamente orientado.

Esse não é um objetivo estratégico do governo?

É, mas aí teria de ser anunciado em um programa de clara natureza terceiro-mundista, o Estado afirmado programaticamente como instância superior, indutora. Isso não é feito.

Então, se há objetivos estratégicos, são sub-reptícios.

São contínuos às nossas práticas anteriores. Inclusive, com este inesperado ocorrido no segundo mandato do Lula, que foi devolver vida ao repertório da era Vargas e parte do repertório do regime militar.

Quer dizer, na medida em que nós avançamos, em vez de inovarmos, procurarmos repertórios novos, nós consultamos repertórios antigos.

Essa contradição, a meu ver, nos mata, nos imobiliza. A Dilma tem isso, tem essa marca também. Ela não vem do ABC, vem do trabalhismo brizolista.

O que podemos esperar de um governo Dilma, então, é a continuidade disso.

Tem outras forças atuando lá. E o mundo não está favorável a essa inclinação. Imagino um deslocamento maior dessa agenda terceiro-mundista, dessa agenda BNDES, dessa agenda capitalismo politicamente orientado, dessa agenda 1950. Agora, o que a oposição não tem é um programa alternativo a esse, e não puramente negativo. A oposição se conforta com a denúncia liberal dessas políticas, e com isso não tem lugar nos sindicatos, na sociedade, não tem lugar nenhum.

O senhor, anteriormente, disse que o presidente Lula comandava um Estado Novo do PT e era um Getúlio havia tempos. Essa relação acabou?

A operação que Lula realizava acabou.

O senhor se refere ao uso do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para trazer todos os setores sociais para dentro do governo e ficar de cima arbitrando? Isso morreu?

Morreu. Ficou o repertório, a associação via BNDES com grandes grupos econômicos.

Dilma é, então, uma continuação imperfeita de Lula?

Continuação ela é. E provavelmente por vontade própria o seria mais. O que estou tentando sustentar é que ela não tem nem a circunstância nem o estilo pessoal para levar a cabo essa continuação. O que penso é que cada vez mais ela vai ser provocada no sentido de criar um governo novo, ter um estilo novo, separando-se assim do governo anterior.

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Fonte: O Estado de S. Paulo, 11 abr. 2011.

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