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Os 180 anos da Cabanagem

Lúcio Flávio Pinto - Outubro 2014
 

1. O começo da revolta

Escrevi este texto para minha página dominical, que já levava o título de Jornal Pessoal, publicada em fevereiro de 1974 (mais de 40 anos atrás, portanto) em O Liberal. Eu a enviava de São Paulo, onde ainda morava. Junto com meu texto, que pretendia homenagear os 139 anos do movimento, mandei uma entrevista que fiz com Vicente Salles, entrevista incorporada ao seu livro Memorial da Cabanagem. O texto de 1974 pode servir de introdução ao tema para o público em geral, cumprindo a mesma função que desempenhou na sua origem.

Na madrugada de 7 de janeiro de 1835, enquanto a cidade dormia, quatro colunas de homens armados atacavam Belém. Desencadearam a partir daí a mais sangrenta e importante insurreição popular do império brasileiro. Mas a Cabanagem não se restringiu aos cinco anos de luta intensa entre rebeldes e legalistas. Suas origens podiam ser fixadas no momento em que o Estado português assumiu o controle absoluto da economia amazônica e impediu os possíveis protestos através de uma opressiva ditadura política. A "inteligência" nacional procurou revelar essa dominação, tornando-a um fato preferencialmente político, mas a revolta só irrompeu depois de uma irreversível polarização entre possuidores e despossuídos.

Este texto não tem a pretensão de ser um ensaio ou um estudo sobre a Cabanagem. É apenas um trabalho jornalístico de divulgação, inquieto e crítico. Uma lembrança e um convite. Ele é dedicado ao historiador Ernesto Cruz, que possibilitou a consulta a documentos originais e incentivou permanentemente minhas pesquisas, com sua proverbial paciência e seu incansável vigor na descoberta de material bruto para análise, sua e dos que o seguirem; e a Ruy Barata, para que ele tenha energia e condições para executar seu importante projeto de pesquisa.

Quando a revolução irrompeu em Pernambuco, em 1817, o governo paraense adotou "todas as medidas de rigor e severidade" para impedir que o espírito da insurreição influenciasse o Pará. Os navios que vinham do Nordeste eram submetidos a minuciosa revista. Aquelas terras do Pará não deviam conhecer o que se passava em Pernambuco.

O temor era justificado. Desde que, na metade do século XVIII, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do poderoso marquês de Pombal, implantou um amplo sistema econômico que colocou nas mãos dos português - e principalmente do Estado - todas as atividades produtivas da região, era crescente o sentimento de revolta, partilhado pelo clero (Furtado expulsara quase todos os religiosos). Não apenas uma camada social urbanizada e em certa medida intelectualizada, inspirada nos ideais europeus e norte-americanos, começava a demonstrar sua reação ao colonialismo, mas também a massa de trabalhadores, especialmente escravos, multiplicava as tentativas de levante insurrecional.

Justamente para fazer frente "às frequentes desordens, abusos e crimes cometidos pelos nativos", o governo criou a comarca da Ilha Grande de Joanes (Marajó), um ano antes da revolução pernambucana. A nova base permitiria a descentralização de funções econômicas importantes naquela área, mas também da vigilância policial (eram contínuos os saques às fazendas por escravos fugidos). Em 1817, numa evidente demonstração de que a metrópole via com interesse e preocupação a situação na província, o governador destacado para o Pará foi o próprio conselheiro do rei e seu copeiro-mor, além de brigadeiro de cavalaria do exército, Antônio José Menezes, conde de Vila Flor.

Já quando o marquês de Pombal nomeara seu próprio irmão para governador a distante província do Grão-Pará e Maranhão (compreendendo os territórios do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Pìauí, Amazonas, Roraima, Rondônia e Amapá atuais), criando um autêntico vice-reinado no Brasil, ficara claro que a importância atribuída à Amazônia decorria da situação social explosiva, do permanente interesse dos estrangeiros por ela, das riquezas que os colonizadores sempre lhe atribuíram e da intenção de Lisboa de não ceder aos brasileiros que se tornassem independentes essa parte do país.

Nos 45 anos de funcionamento, a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão trouxe, juntamente com grandes lucros para a coroa portuguesa, 38.332 escravos negros para a Amazônia, convertendo-os em um terço da população total.

Convivendo com a insubordinação do habitante nativo, o negro encontrou no sertão boas oportunidades para a fuga do cativeiro. Paralelamente às pequenas rebeliões, multiplicaram-se os mocambos. Uma das maiores revoltas ocorreu em 1809: remetidos de Caiena para o Pará, escravos negros se insurgiram e mataram os guardas que os conduziam. Os escravos se refugiaram num quilombo, na embocadura do rio Cunani, entre o Cassiporé e o Calçoene.

Em 1816, as tropas regulares de Belém entraram em alerta, ocupando o Largo da Pólvora para guardar o armazém. Circulava o boato de que os negros aquilombados atacariam a cidade. Mas o ataque não veio. Embora sem a constância dos negros, os índios também se rebelavam contra a escravidão. Em 1816 eles envenenaram e mataram o brigadeiro inspetor das milícias, Joaquim Pereira Pinto, famoso pelas severas punições que mandava aplicar nos indígenas.

2. Adesão à independência: uma verdadeira guerra (O Liberal, 1974) 

De Lisboa, Filipe Patroni manteve seus contatos e foi ativando o movimento, que conseguiu depor a junta e proclamar, a 1º de janeiro de 1821, a adesão do Pará à revolução constitucionalista do Porto. O fato de a província ter sido a primeira no Brasil a aderir ao constitucionalismo português demonstrava que os comerciantes aceitaram as reivindicações dos nacionais, mas as restringiam ao aspecto constitucional do regime.

O cônego Batista Campos, porém, o líder mais radical de todo o conturbado período, achava que a luta não se esgotava nesse ponto: ela teria que se estender à proclamação da independência e ao estabelecimento da república. Por isso continuou a articular a sublevação, a ponto de a nova junta pedir ao bispo providências para acabar com as reuniões na casa dele, "o qual com geral escândalo perturba a boa ordem e sossego público, e intenta avassalar as sociais virtudes ao domínio da moral corrompida".

Com a revogação da ordem de prisão dada pelo governo, Patroni retorna a Belém em janeiro de 1822. Retoma a tipografia que mandara de Lisboa e que o governo confiscara. Com a adesão de todos os grupos oposicionistas, lança, no primeiro dia de março, o primeiro número de O Paraense. O ambiente era de grande opressão, promovida pelo brigadeiro José Maria de Moura, removido de Pernambuco para o Pará justamente para reprimir a propagação das novas ideias liberais.

As críticas feitas pelo jornal provocaram a ira do brigadeiro. Moura procurou intimidar o sócio de Patroni, o tenente-coronel Simões da Cunha. Patroni reage com críticas violentas. Seu jornal "não pode ser amordaçado pela prepotência, uma vez que tem um programa a defender e uma finalidade a realizar". Intimidado, Simões retira os tipos e o único tipógrafo do jornal. Ainda assim, O Paraense continua a circular. O brigadeiro decidiu então organizar a invasão armada do jornal. Alertado, Patroni imediatamente transferiu a oficina para outro local.

A 25 de maio Patroni foi preso e passou a responder a processo por "propagar ideias de alçar sobre as ruínas da Constituição adotada e jurada por todos os portugueses o pendão da revolta e da independência do Brasil". Foi também acusado de pretender fazer a revolução com o auxílio dos escravos, "para cujo fim os seus precursores haviam espalhado uma circular".

Enquanto Patroni era enviado preso para Portugal, Batista Campos começou a editar O Paraense. Passou a publicar matérias ostensivamente favoráveis à independência, como a proclamação de d. Pedro I e os artigos dos jornais fluminenses a favor da emancipação. Batista Campos foi preso seguidas vezes, mas sempre que era libertado havia grande agitação popular e as críticas aos portugueses se tornavam mais abertas. Irritado, o brigadeiro mandou agredir o cônego, que sofreu vários ferimentos na cabeça e no rosto. Ainda assim, o jornal continuou a circular.

A reação lusitana

A agitação cresceu, mas a junta de governo não a reprimiu. A atitude irritou tanto o comandante das armas que ele ameaçou responsabilizar a junta ao rei pela falta de providências. Exigiu nova prisão de Batista Campos e do bacharel Joaquim Cerqueira e Silva. Pediu ainda a repressão armada contra os colaboradores dos "projetos de uma revolução, que agite e dilacere a Província", e uma devassa que "faça responsáveis os juízes ordinários e mais autoridades das vilas e lugares da Província, pela tolerância de escravos armados".

Segue-se um período de sucessivas denúncias e prisão de suspeitos (advogados, militares e funcionários públicos), que o comandante das armas acrescenta aos "negros e pardos" suspeitos de conspirações.

Batista Campos, preso mais uma vez, diz ao brigadeiro Moura - que o interroga pessoalmente - que seu partido "era maior do que se pensava, pois os meus patrícios não são como os pernambucanos: eles falam, mas também obram". Batista Campos foi solto e voltou a publicar os artigos que lhe chegavam do Rio de Janeiro.

Temendo a situação e já sem confiar na sua própria tropa, o brigadeiro Moura pediu diretamente à corte, em Lisboa, a remessa de pólvora, sal, pedra e duas corvetas ou bergantins de guerra. A junta, prevendo a disposição do comandante das armas, manifestou a intenção de criar um Corpo de Polícia próprio e começou a boicotar o militar.

O brigadeiro ficou alarmado com a expansão das forças brasileiras e decidiu criar seu próprio esquema militar. Tentou reunir mil homens, enviou oficiais a Lisboa para trazer "um corpo de tropa bastante para baldar as agressões internas e externas". Pediu também ajuda financeira ao Maranhão e ao Piauí para que sustentassem as tropas que deslocaria para essas duas províncias, ambas sob sua jurisdição, a fim de combater os independentes.

A fuga de Batista Campos para o interior, perseguido pelos soldados de José Maria de Moura, e o fechamento de O Paraense não diminuíram a agitação. Os conspiradores fizeram a maioria da câmara de vereadores da cidade, mas o coronel João Pereira Vilaça, comandante do 1º Regimento de Linha, deu um golpe armado e dissolveu todas as juntas "para salvar a Província dos horrores de uma guerra civil". Preocupa-o apenas que "os favoráveis à independência não assumam o poder político".

A nova junta que impôs foi composta apenas por proprietários rurais, burocratas, militares e o bispo. Em seguida, deportou todos os integrantes da junta antiga, eleitos pelo povo, exceto Batista Campos, que conseguiu escapar. Tentou expandir seu exército, mas apenas os comerciantes portugueses compareceram ao alistamento militar que organizou. O número foi insuficiente para as suas pretensões. Dos 12.471 habitantes de Belém nesse ano, 5.643 eram brancos e 5.719 escravos negros.

No dia 14 de abril, um grupo de militares deu um golpe para depor o comandante das armas, mas a falta de experiência e a fragilidade do movimento impediram sua progressão. Imediatamente os chefes da rebelião foram presos. Mas a insatisfação já era grande mesmo nos escalões superiores do exército, o que levou o brigadeiro Moura a reforçar a vigilância. A 28 de maio uma nova insurreição se forma em Muaná, onde, pela primeira vez, é proclamada a adesão do Pará à independência e constituído um governo inteiramente nacional. Mas ele durou pouco: foi violentamente dissolvido pelas autoridades portuguesas. Oitenta brasileiros morreram na prisão.

3. A primeira fase da revolta (O Liberal, 1974)

A Cabanagem reduziu de quase um terço a população do Estado do Pará, provocando a morte de aproximadamente 30 mil pessoas, segundo os raros depoimentos da época e alguns dos seus intérpretes. Deixou vilas praticamente sem habitantes, levou ao abandono várias atividades econômicas, criou ódio e conflitos entre colonizadores e nativos que, até hoje, não se apagaram inteiramente.

O período de agitação

Quase todos os historiadores dividem a Cabanagem em dois períodos, como se nada os ligasse: a fase da adesão à independência, entre 1821 e 1824, com um vácuo intermediário sem expressão, e da irrupção do movimento, em 1835, ao ano seguinte, da "pacificação" do Pará por força militar. No entanto, a história parece ter preparado lentamente os elementos que levariam à violenta revolta. 

É possível dizer que ela foi fermentada no jornal de Filipe Patroni, O Paraense, e nos panfletos que circularam em Belém, apesar da vigilância das autoridades, pregando a derrubada do governo, dominado pelos portugueses. Fechado O Paraense e preso Patroni, o cônego Batista Campos, que continuou a publicar o jornal, se revelou um político mais combatente e inflamado. Ele sabia que a luta contra a dominação portuguesa tinha que ser levada à massa da população - e não se restringir a um ajuste de contas da elite. Por isso, além do trabalho panfletário, promovia a agitação política entre os descendentes de índios e de negros. E acabou formando um partido, radicalmente contrário à dominação lusitana.

Arrochados pelo imperialismo comercial de Lisboa e muito ligados às ideias europeias de liberdade, os intelectuais paraenses (em seu sentido mais amplo) entenderam que sua única opção seria unir suas reivindicações econômicas à fermentação latente da insurreição de escravos e índios. No início do século XIX, um terço da população de Belém era constituída de escravos negros e outro terço de caboclos, ambos subjugados por uma exploração cruel, que lhes impedia de desenvolver atividades produtivas de subsistência.

Os lavradores, sendo obrigados a pagar impostos e dízimos excessivamente pesados, entregavam seus filhos ao alistamento militar, que impedia a continuidade da lavoura, e vendiam seus produtos a preços insignificantes nas cidades. A saída para os escravos era a fuga para o interior, formando centenas de mocambos, em geral destruídos pelas expedições armadas.

Esse atrito social ganhou expressão política quando a massa da população identificou seus objetivos com o jogo da facção dos pequenos fazendeiros nativos, residentes em sua maioria no Acará, engrossando suas fileiras. Os negros libertos e os escravos já procuravam outras formas de reação que não a fuga para a mata e o grupo revoltoso da cidade tentava se aproximar deles para atacar com mais eficiência o domínio do comércio português. O período entre 1824 e 1831 é marcado por violentas repressões armadas da tropa oficial, ainda colonizadora, contra as tentativas de insurreição popular.

O próprio governo da regência contribuiu decisivamente para que a onda de violência levasse a uma explosão quando enviou ao Pará, em 1831, uma expedição com a finalidade de acabar "de qualquer maneira" com a agitação política na província. Ocorreram verdadeiras chacinas, o que contribuiu indiretamente para apressar a reorganização do movimento, que viria a ser interrompida pela morte de Batista Campos, uma semana antes de irromper a Cabanagem. Em torno de Félix Clemente Malcher, num engenho próximo a Belém, começa uma nova fase: a da ação armada.

Os testes sangrentos

Aos 19 anos, o guarda-livros Eduardo Nogueira só pensava em desenvolver seu talento e chegar a um "futuro grandioso". Economizava para comprar terras e passagens para uma viagem ao redor do mundo. Mas, ao lado dessas ideias descomprometidas, sua neta, Dilke Barbosa Rodrigues, sua única biógrafa, garante que ele já desenvolvera alguns ideais políticos. Teria sido incentivado inicialmente por um professor particular muito dedicado e, depois, por leituras isoladas, quando os conhecimentos do professor se esgotaram.

As obras de Aristóteles e Chateaubriand, segundo Dilke, influenciaram as ideias políticas essenciais de Angelim: a necessidade da república e a abolição da escravatura. No jovem cearense que a seca expulsara para o Pará com toda a família, começava a se processar a síntese das aspirações dos homens do seu tempo.

Se até 1831 sua vida parecia destinada a sonhos sobre igualdade e prosperidade econômica, os acontecimentos sangrentos daquele ano o levaram por outros rumos. Numa tarde de abril, um grupo de jovens foi até a loja onde Eduardo Angelim trabalhava para convocá-lo a ser o chefe de um movimento já organizado que pretendia depor o presidente da província. Angelim aceitou porque um dos participantes era o seu irmão, Geraldo. Era também uma boa oportunidade de por em prática os seus planos: "liberdade dos escravos, mudança no regime da corte, independência do domínio estrangeiro".

A partir daí, ao Nogueira foi acrescido o título de Angelim, madeira rija da Amazônia. Ele foi às suas terras e começou a arregimentar gente para o movimento, caboclos e negros que recebiam como uniforme uma farda vermelha, tingida com a casca de uma fruta, o muruci, e botas bem altas para evitar as mordidas de cobra. Lavor Papagaio, outro cearense, Francisco e Antonio Vinagre, Félix Malcher, Eduardo e Geraldo Nogueira comandaram a rebelião, sufocada sem dificuldades. Lavor desapareceu, Malcher foi preso, mas Angelim conseguiu fugir.

A conspiração recomeçou em Belém e na ilha das Onças, quartel-general da Cabanagem, até sua irrupção vitoriosa em 1835. Foi fácil para os líderes rebeldes recompor suas fileiras: o número de negros e caboclos dispostos a participar de um movimento armado contra os dominadores portugueses era muito grande. Rapidamente foi se fechando o cerco da capital, que, indiferente à gravidade dos problemas sociais que criava com sua exploração, vivia interessada apenas nos acontecimentos mundanos.

Ataque: no dia de reis

No dia de reis de 1835, a população de Belém saiu às ruas com ânimo festivo para ver uma peça no Teatro Providência. Enquanto o presidente da província, Bernardo Lobo de Souza, dava brilho à encenação com sua presença, os cabanos começaram a ocupar os pontos estratégicos da cidade. Grande quantidade de homens armados se dividiu em quatro grupos: um se dirigiu ao palácio do governo e dominou facilmente seis soldados ébrios e adormecidos; dois outros assaltaram o quartel e também conseguiram a rápida adesão da tropa; o quarto invadiu o edifício da loja maçônica.

Guilherme Inglis, que matara vários cabanos no começo do movimento, foi a primeira vítima do assalto. O presidente Lobo de Souza foi morto num terreno baldio, quando tentava ir da casa da amante para o palácio. Quase sem tiroteio, a cidade foi tomada rapidamente.

O fazendeiro Félix Clemente Malcher foi aclamado primeiro presidente cabano e Vinagre seu comandante das armas. Angelim não aceitou os postos que lhe foram oferecidos. Ou porque não foi abolida a escravidão, como ele queria, ou pelos encantamento dos olhos azuis de Luzia Clara, com quem acabara de casar e com quem sonhava viajar para a Europa.

Logo Malcher, muito moderado, e Vinagre, extremamente radical, se desentenderam. Angelim surgiu como elemento mediador e catalisador. Por isso, ele rompeu com Malcher e foi preso num navio de guerra. Quando Malcher foi deposto e morto por Vinagre, Angelim fugiu num escaler e retomou sua posição. Termina aí a primeira fase das lutas da Cabanagem: um governador legal é nomeado para governar o Pará. 

4. Cabanagem: a revolta social no Pará

Este texto é de 1978. Foi publicado na edição especial de aniversário de O Liberal daquele ano, em 15 de novembro. Nessa época eu era responsável por tais edições, sempre tratando de um tema relevante da história ou da conjuntura do Pará e da Amazônia. Reproduzirei outros textos da edição, que era dedicada ao processo político do Estado, com ênfase nas eleições, que eram então realizadas nessa data.

O Pará foi a primeira província brasileira a aderir às ideias da revolução constitucionalista do Porto, apenas seis meses depois que o movimento irrompeu em Portugal. Mas foi também a última província a aderir à independência nacional. Apesar disso, a dominação portuguesa permaneceu praticamente inalterada até 1835, quando eclodiu a Cabanagem, a mais sangrenta insurreição do império, o mais importante movimento popular da história do Brasil.

A participação da representação paraense nas cortes, em 1821, era tão flagrantemente a favor de Portugal e contra os interesses brasileiros que Fernandes Thomaz, o homem mais influente da política portuguesa, propôs que o Pará deixasse de ser capitania e se transformasse em província de Portugal, "pois se imensa distância nos separa, o amor fraternal, a igualdade de sentimentos nos unem estreitamente".

Sugeriu ainda que fossem considerados beneméritos da pátria todos os que "tivessem concorrido para a regeneração do Pará". A intenção real era promover a recolonização, já que, transformadas em províncias, as capitanias brasileiras poderiam ser regulamentadas pela maioria parlamentar portuguesa.

Mas nem era necessário recorrer aos portugueses natos para alcançar esse objetivo. Os representantes parlamentares paraenses na época da independência, dom Romualdo de Souza e Francisco de Souza Moreira, especialmente o primeiro, foram considerados pelo historiador José Honório Rodrigues como exemplos "da mais completa traição ao Brasil, da fidelidade mais absoluta às Cortes, da submissão total a Portugal".

A adesão à independência, transformada em solenidade pelos próprios portugueses, nada significou para os nacionalistas do Pará. Logo que descobriram a manobra de Grenfell, que mentira anunciando que chegava a Belém antecedendo uma grande armada enviada pelo império, os negociantes chegaram a planejar a morte do militar. Mas logo perceberam não ser necessário: as armas, controladas pelo regimento imperial, eram entregues aos portugueses e bloqueadas aos brasileiros. A repressão no período culminaria em outubro de 1823 com o massacre dos participantes da rebelião do dia 15 nos porões do brigue Palhaço: dos 256 que foram presos, apenas quatro escaparam da morte.

Os paraenses jamais esqueceriam esse morticínio, do qual compactuaria o próprio enviado do governo nacional, John Pascoe Grenfell, militar mercenário. E de 1824 a 1831 seriam organizadas novas e violentas repressões do exército ainda colonizador contra possíveis iniciativas de insurreição popular.

Em 1831 o governo imperial decidiu enviar uma expedição ao interior do Pará a fim de acabar - "de qualquer maneira" - com a agitação política na província. Começaram então verdadeiras chacinas, que contribuíram para a apressada reorganização do movimento desarticulado pela prisão e, em seguida, a morte de Batista Campos. Em torno de Félix Clemente Malcher se juntariam jovens, artífices e burocratas da cidade, índios e negros.

Não por coincidência, o engenho Acará, de propriedade de Malcher, se transformou no centro das articulações: ali mandava a mais opressora das elites locais, a dos senhores de engenho, responsáveis pela importação de grande parte dos escravos chegados ao Pará. Os antagonismos sociais e a tensão política se encontravam ali perfeitamente representados. E dali partiu a luta armada. Em 1834, na luta contra o comerciante Afonso de Jales, o mais radical dos portugueses, os cabanos fizeram o primeiro ensaio do que viria a ser a insurreição.

Do campo à cidade

Reunidos os líderes - Eduardo Angelim e seu irmão, Geraldo "Gavião" Nogueira, Francisco e Antonio Vinagre, Félix Clemente Malcher e Lavor Papagaio - começou a arregimentação da massa. Caboclos, índios e negros são convocados para o exército dos rebeldes. Recebem como vestimenta uma farda vermelha, tingida com a casca de murici, e botas altas para evitar a mordida de cobras. As tropas, porém, são massacradas no engenho Acará, que é totalmente destruído.

Mas a conspiração recomeça em Belém e na ilha das Onças, quartel-general dos cabanos. Foi fácil recrutar combatentes: o número de negros e índios dispostos a participar de um movimento armado contra os dominadores portugueses era muito grande. Rapidamente foi se fechando o cerco sobre Belém. Insensível à explosividade dos problemas sociais à sua volta, a cidade vivia interessada nos acontecimentos mundanos.

No dia de reis de 1835, a população saiu às ruas com ânimo festivo para assistir uma peça no Teatro Providência. Enquanto o presidente da província, Lobo de Souza, dava brilho à encenação com a sua presença, os cabanos começaram a ocupar pontos estratégicos da capital. Grande quantidade de homens armados dividiu-se em quatro grupos: um se dirige ao palácio do governo, onde domina facilmente seis soldados ébrios e adormecidos; dois assaltam o quartel e também conseguem a rápida adesão da tropa; o quarto invade o prédio da Loja Maçônica e o depreda.

Guilherme Inglis, que matara vários cabanos na primeira fase do movimento, é a primeira vítima importante do assalto. O presidente Lobo de Souza, mais conhecido pelo apelido de Malhado, é morto num terreno baldio quando tentava ir da casa da amante ao palácio. A cidade é tomada.

O senhor de engenho e fazendeiro Félix Clemente Malcher é eleito primeiro governador cabano e Francisco Vinagre seu comandante das armas. Angelim recusa os cargos que lhe são oferecidos. Rapidamente Malcher, muito moderado, e Vinagre, representante das alas populares mais extremadas, se desentendem. Angelim tenta permanecer neutro, mas é preso num navio de guerra. Com a deposição e morte de Malcher, pelos próprios cabanos, Angelim é solto e se compõe com Vinagre.

Os líderes cabanos não se opõem a que o marechal Manuel Jorge Rodrigues, enviado pela regência, reassuma o poder legal. Entregam-lhe a capital a 26 de julho. Rodrigues acaba abandonando o projeto de pacificação e manda prender Francisco Vinagre e mais 300 cabanos. Angelim consegue fugir para o interior, já agora para organizar "uma guerra de morte ao marechal Jorge Rodrigues". A violência das palavras de ordem dos líderes e a insatisfação dos combatentes demonstram que, desta vez, a rebelião irá até o fim.

Fase sangrenta

A 14 de agosto de 1835 os cabanos iniciam novo ataque a Belém, sendo recebidos pelas tropas legais, já alertadas. A cidade se transforma numa praça de guerra: combates permanentes são travados nas ruas, navios bombardeiam a cidade, a população foge às pressas para o interior. Morrem muitos cabanos, mas outros são arregimentados imediatamente por uma corneta de chifre, que não para de tocar, chamando voluntários. Os combates duram 11 dias e cada rua é conquistada com muito sangue. O marechal Jorge Rodrigues consegue escapar, mas um grupo de soldados, que não foi avisado da retirada, fica isolado na igreja do Carmo. Precedidos por escravos, os cabanos atacam com fúria. Só não há uma chacina porque Angelim intervém. Ao completar 21 anos, ele é eleito o terceiro governador cabano, depois de Francisco Vinagre.

Começa a fase mais crítica do movimento: ou porque percebem que os líderes não atenderão suas reivindicações, ou porque se consideram em condições de se vingar dos opressores, negros e caboclos passam a não mais obedecer às determinações dos chefes cabanos. A radicalização é agravada pelo rigoroso cerco feito a Belém; o regente paulista Diogo Antonio Feijó envia para a capital paraense mais três mil soldados, em 11 navios de guerra, que se juntariam às 13 embarcações postadas na barra de Belém, sob o comando do general Soares Andréa, velho conhecido (e inimigo) dos paraenses.

O cerco ameaçador dos navios provoca uma reação na cidade: os comerciantes portugueses encontrados pelos grupos mais exaltados são sumariamente executados nas ruas. Angelim, num manifesto divulgado nesse momento, afirma que a situação seria outra se não tivesse ocorrido o cerco, "pois as famílias, os empregados públicos e os negociantes ter-se-iam recolhido às suas casas, como tem acontecido nas revoluções passadas".

Talvez ele manifestasse um desejo pessoal e de outros chefes, mas não o do grosso dos cabanos. Para os negros, principalmente, aquele seria o momento ideal de levar às últimas consequências a rebelião, que fora reprimida ao longo dos anos. Em todos os documentos que divulga nesta fase, Angelim parece mais preocupado em manter o movimento sob uma diretriz política, mas já predomina a revolta do povo - contra os seus opressores e, já agora, contra as indecisões dos líderes.

Uma oferta estrangeira

Além dos problemas internos, os cabanos se defrontam com uma complicação diplomática. Um navio inglês, que transportava grande quantidade de material bélico para um comerciante britânico estabelecido em Belém, foi atacado em Salinas. Os invasores saquearam a carga e assassinaram a tripulação. Só um marinheiro conseguiu escapar.

Logo surgiram na baía três navios de guerra da marinha inglesa, com bandeira branca hasteada no mastro. O capitão Strong exigiu que Angelim mandasse hastear a bandeira britânica no lugar da brasileira, saudando-a com 21 tiros de canhão. Exigiu também a entrega dos salteadores à justiça da Inglaterra e o pagamento da indenização devida à companhia de navegação, "porque a Inglaterra não permite que os seus navios sejam molestados".

Angelim se recusou a atender o oficial. Disse que só pagaria a indenização se o governo brasileiro não cumprisse a sua obrigação legal e entregaria os criminosos à justiça nacional. O capitão Strong aceitou essa posição. Nesse momento, segundo o historiador Domingos Antonio Raiol, que disse ter ouvido a história do próprio Angelim, teria proposto ao governo cabano dinheiro e ajuda militar para sua luta contra o governo imperial brasileiro e para separar a Amazônia do Brasil, transformando-a em vice-reinado britânico. Angelim recusou, ofendido, determinando a retirada da expedição inglesa. [Documentos do almirantado inglês, revelados quase 30 anos depois pelo pesquisador David Cleary, desmentem essa versão.]

O cerco se tornara insuportável. A cidade despovoada, segundo o barão de Guajará, "apresentava por toda parte um aspecto sombrio e contristador. Os rebeldes se tinham descuidado inteiramente da limpeza pública. As ervas e arbustos invadiam as ruas, as praças e as estradas".

Continua o relato do autor dos Motins Políticos: "As valas nem mais davam esgoto às ruas. Entulhadas de areia e lodo, formavam verdadeiros tremedais em vários pontos. Reconheceu-se então o grande estrago causado pela artilharia dos navios de guerra durante os nove dias de fogo no mês de agosto. As casas estavam abertas e em estado de ruínas, com raras exceções; umas quase demolidas, outras destelhadas e esburacadas ameaçavam desabar, não tendo muitas nem portas nem janelas: os facciosos as haviam arrancado para servir-lhes de combustível nos diferentes misteres da vida, durante os oito meses e dezenove dias que estiveram senhores da Capital".

Ciente de que o cerco tornava a fome insuportável para os cabanos, Andréa não aceitou a proposta de acordo. Angelim teve se retirar de Belém, que foi retomada pelas tropas legais a 12 de maio de 1836. Andréa, contudo, só entrou na cidade quando ficou seguro de que do contingente cabano de cinco mil homens, restavam menos de 5% para proteger as mulheres e crianças.

Inicia-se então uma grande caçada a Angelim e seu grupo, perseguidos por 1.130 soldados mobilizados para sua captura. Cercado, o líder cabano se entrega. Outros grupos prosseguem nos combates, subindo o rio Amazonas. Tomam cidades, fazem muitas mortes, travaram duras batalhas. Em Óbidos eles têm que enfrentar a reação organizada pelo padre Sanches de Brito. Também em Manaus se forma sólida resistência, comandada por Ambrósio Aires. Bernardino Sena e Marapajuba, à frente de 1.200 homens, conseguem se apossar de Manaus, da qual são expulsos em fins de agosto de 1836. Bernardino Morre, enquanto Marapajuba foge com seus homens. É novamente derrotado nos rios Urubu e Autazes, onde morre.

Os remanescentes, sempre perseguidos pelas tropas do governo, alcançam Maués, onde se mantêm até 1839, quando o major Coelho de Miranda Leão tenta, sem êxito, a rendição do chefe cabano Gonçalo Jorge de Magalhães. Sem se render, ele e seus 800 homens são anistiados pelo imperador, no ano seguinte.

Quantas mortes a Cabanagem causou nos seus cinco anos de duração? Os números apresentados nos livros vão de 12 mil a 30 mil, que alguns consideram exagerados. Nessas hipóteses, as perdas representariam um quinto da população do Grão Pará e Rio Negro. Capistrano de Abreu diz que a província estava menos povoada do que um século antes. Pelo menos três mil cabanos foram mortos depois que a rebelião já estava controlada e dentro do presídio em que se transformou a corveta Defensora, fundeada na baía.

Mesmo os historiadores que não encaram com simpatia a Cabanagem condenam a violência dos vencedores e os interesses pecuniários do general Andréa. Sua primeira providência ao entrar em Belém, segundo João da Costa Palmeira, "foi pedir mais dinheiro ao governo, enquanto os cabanos economizaram (Angelim deixou com o arcebispo mais de 95 mil contos de réis, dinheiro do tesouro que pediu para ser entregue a Andréa, e 16 mil contos seus, confiscados imediatamente)".

Andréa praticou também o que nenhum cabano fizera, mesmo na fase mais sangrenta da insurreição: mandou prender dois juízes de direito.

A Cabanagem foi, na verdade, o grito de emancipação política da Amazônia, com 13 anos de atraso da libertação nacional. Não levou à autonomia nem promoveu a reconciliação da província com o poder central, do qual se distanciaria ao longo do império. Nem poderia ser de outra forma: enquanto enviava negociadores para parlamentar com os líderes da revolução farroupilha, no Rio Grande do Sul, Feijó mandava a tropa esmagar sem piedade os rebeldes do Pará. Esta medida do tratamento dispensado pelo império não seria esquecido pelos paraenses.

5. Uma lição esquecida (O Liberal, 1978)

A historiografia tradicional não vê nexo entre a adesão do Pará à independência nacional e a Cabanagem. Mas é possível, ao menos para efeito de análise, dividir esse período de duas décadas em duas fases. Uma, caracterizada pela fermentação ideológica, iria de 1815, data da chegada do padre Luis Zagallo a Belém, até 1831, quando a violenta repressão das tropas imperiais determinou a luta armada. A outra, de 1831 a 1839, foi marcada pela dimensão insurrecional.

Cada uma dessas fases poderia ser subdividida. Por exemplo: de 1815 a 1821, com o retorno dos irmãos Vasconcelos, de Portugal para Belém, e o início da imprensa. Ou de 1835 a 1836, quando os líderes da Cabanagem ainda conseguiam segurar a massa rebelde. Mas essa divisão geral já ajuda o raciocínio.

Alguns historiadores costumam desprezar o aspecto ideológico das lutas sociais no Pará. Mas sempre é bom destacar que enquanto no Rio Grande do Sul, onde estouraria a guerra dos farrapos, apenas os padres sabiam ler e escrever, os 600 soldados que participaram da tomada de Caiena eram pelo menos letrados. A própria proximidade da colônia francesa foi fator importante na propagação de ideias políticas.

Funcionava em Belém um seminário bem aparelhado. Mendonça Furtado, irmão que o marquês de Pombal mandou para governar a Amazônia, dera atenção especial à rede de ensino. A classe dos comerciantes conseguia ser bem mais ampla do que na maioria das demais regiões do país.

Período ideológico

Assim, quando Luis Zagallo introduziu as ideias da revolução francesa, que aprendera em Caiena, já encontrou em Belém uma sociedade secreta que lhe deu proteção. Os cuidados adotados na província para evitar a propagação dos ideais de revolução pernambucana de 1817 demonstram a existência de um solo fértil em território paraense.

Deve-se notar que as ideias republicanas e até mesmo abolicionistas quase que antecederam às de independência. Em 1871 Filipe Patroni propôs a introdução de um artigo no Plano das Eleições, estabelecendo que "um deputado deverá corresponder a cada mil almas, entrando neste número os escravos, os quais, mais que ninguém, devem ter quem se compadeça deles, procurando-lhes uma sorte mais feliz, até que um dia se lhes restituam seus direitos".

A leitura desse artigo - diria José Ribeiro Guimarães, na denúncia feita ao ouvidor-geral contra Patroni - "deu um grande choque nos escravos; conceberam ideias de liberdade e julgaram que as figuradas expressões de que se serviram os autores da nossa regeneração política, quando disseram ‘quebram-se os ferros, acabou a escravidão, somos livres’, e outras semelhantes, se entendiam com eles, e começaram a encarar Patroni como seu libertador".

Guimarães acrescentou que essa mesma interpretação era compartilhada "por muitos homens que sabem ler sem entenderem o que leem".

Apesar de reconhecer o mérito da luta de Patroni, pela carta revolucionária enviada de Lisboa e pela fundação da imprensa no Pará, Vicente Sales tende a considerar "muito efêmera essa participação política, que teria qualquer coisa de caudilhesco, imperativo e atrabiliário", levando-o a entregar-se ao oportunismo. Assim que obteve emprego público, Patroni "abandonou praticamente a arena das lutas", tendo então uma existência placidamente burguesa.

A observação é parcialmente verdadeira. De fato, as posições de Patroni eram frequentemente dúbias ou confusas. O próprio Guimarães, na sua denúncia, disse que Patroni, ao mesmo tempo que procurava se beneficiar como representante paraense na corte, enviava de lá "incendiários papeis". Embora dissesse que Patroni não era levado a sério (a nascente interpretação da demência), contraditoriamente, típico representante das classes dominantes, Guimarães "treme" ao considerar que Patroni pode lançar mão do único recurso que lhe resta: procurar "um partido no meio dessa classe que o contempla, que o olha como seu libertador, e então oh, desgraça...".

A preocupação, no entanto, não se restringia a um único intelectual que buscava o apoio político das massas: "há poucos dias - prossegue Guimarães na sua denúncia - eu ouço o soar de vozes de independência americana e união à causa de Pernambuco; ainda mais, proclamações se têm afixado, que persuadem este maldito sistema! Propagadores existem desta doutrina, alguns se inculcam precursores de Patroni, em quem confiam, porque esperam para (o que eles chamam) a grande obra de salvação da pátria".

Luta armada

Talvez o que tenha tornado o cônego João Batista Gonçalves Campos no maior líder político desse período foi sua decisão de buscar no interior, entre escravos, índios e caboclos a adesão às ideias que fervilhavam na capital. Além de radicalizar ainda mais o debate político travado em Belém, dando a O Paraense uma linguagem de combate que faltava ao jornal quando dirigido por Patroni, Batista Campos organizava frequentes encontros no interior, onde divulgava as ideias de libertação para uma massa que talvez não as entendesse, mas se deixava fascinar pelo atrativo daquelas proposições.

Mesmo assim, Vicente Sales, um historiador rigoroso, acha difícil enquadrar num corpo ideológico a atuação de Batista Campos. Concorda que ele realmente tinha entre os seus colaboradores alguns negros, todos seus escravos, que naturalmente manifestavam doutrina subversiva, "mas que essas doutrinas incluíam ideias de igualdade social ou de nivelamento de fortunas, ou seja, uma ordem social comunista, é algo que nunca se chegou a esclarecer definitivamente".

Apesar da participação dos escravos, Vicente Sales considera que, "nesse período da história paraense, pouco se fala da abolição do cativeiro". As ideias de emancipação "não foram incorporadas ao programa dos chefes supremos da revolução; muito ao contrário, foram violentamente reprimidas, sobretudo pelo caudilho Eduardo Angelim".

No livro O Negro no Pará, Vicente acha mesmo que a Cabanagem não chegou a ser conduzida por uma liderança de consistência ideológica. Foi "totalmente entregue a lideranças despreparadas para o exercício do poder, arrebatada pelos homens do campo, que foram eliminados sucessivamente, para terminar nas mãos de um quase adolescente: Eduardo Angelim". As ideias que surgiram nesse período, mesmo as mais extremadas, como as do republicano cearense Vicente Lavor Papagaio, jornalista panfletário, não chegaram a constituir, segundo Vicente Sales, "um corpus orgânica, política e ideologicamente definido".

O historiador talvez exagere nessas considerações, mas elas são benéficas na medida em que combatem as interpretações idealistas e românticas da Cabanagem. Frequentemente são atribuídas virtudes aos seus líderes sem que haja base documental de comprovação. Da mesma forma, porém, as afirmações de Vicente Sales são mais deduções teóricas do que negações comprovadas em documentos. As raízes ideológicas do movimento, que existem e podem ser aferidas pelas denúncias frequentes da classe dirigente portuguesa, ainda não foram reconstituídas adequadamente.

É inegável, contudo, que o movimento adquiriu consistência política na cidade, tanto pela agitação direta como pela atuação da imprensa, dos pasquins e dos panfletos. Mas ela só se exteriorizou no campo e a partir do momento em que se transformou em luta armada, os líderes citadinos foram progressivamente substituídos por interioranos (ou sertanejos, ou camponeses?). A ideologia foi sufocada pelos combates ferozes. Por isso, Vicente diz que a Cabanagem foi "menos um motim político, como historiou o Barão de Guajará, do que a sangrenta luta de classe".

Ele argumenta que não é mera coincidência a luta armada ter se manifestado precisamente na região de maior tensão social: a da lavoura canavieira, nas bacias dos rios Capim, Moju e Acará, e em outra área de canaviais, de Muaná, ao sul da ilha de Marajó. Foi aí que a Cabanagem "atingiu seu verdadeiro estágio de revolução social". Não casualmente, nessas regiões se concentrava a maior quantidade de escravos.

A lucidez política de Batista Campos consistiu em perceber que a luta armada teria que se desenvolver, sobretudo no campo, "fechando a cidade como num anel. O que mobilizou o nativo foi o preconceito contra os reinóis, isto é, não especificamente contra os portugueses, mas contra a mentalidade de lusitanos natos e brasileiros que se identificaram através de interesses econômicos e posições sociais comuns".

"O escravo, porém, se sentia mais atraído pela forma de elementar de luta, diretamente contra o senhor que o explorava, irrompida em diversas ocasiões antes da Cabanagem. Mas pouco a pouco a forma superior, a luta política, e desta para o nível mais elevado, a luta armada, ganhou uma parcela dessa população", complementa Vicente Sales.

Para realizá-la, contudo, seria necessário que existisse um poderoso partido, "consolidado política, orgânica e ideologicamente para conquistar a hegemonia nessa etapa da revolução social paraense. A criação desse partido, no entanto, dependia de alguns poucos líderes sem preparo e incapazes de compreender a grandeza do movimento. Insuflados para a luta pela agitação das lideranças, as massas fizeram a revolução, mas suas reivindicações não foram atendidas pelos líderes. E para a grande maioria dos escravos o engajamento significava apenas a agressão ao senhor", observa Vicente Sales.

A interpretação do historiador é a mais satisfatória que se apresentou, mas certamente não é a resposta final. Ela é uma pista segura na busca das respostas, desfazendo mitos estabelecidos. Indiscutivelmente os líderes da primeira fase do movimento tiveram mais consistência ideológica. Jorge Hurley chega a dizer que, ao morrer, Batista Campos levou consigo o "segredo da revolução". Quer dizer que objetivamente não havia condições para a aliança entre os intelectuais e o povo.

Na segunda fase, o comando é dividido entre jovens egressos das cidade, mas dotados apenas de carisma ou liderança natural, e homens humildes, das camadas populares. Não eram mais "os homens de prol da sociedade abastada", como observa Arthur Cezar Ferreira Reis.

Em livro publicado 20 anos após o fim da Cabanagem, o alemão Heinrich Handelmann lembrou que a questão indígena, apesar de ser a mais importante, em função da população de tapuias, ainda não fora resolvida. E advertia: "Faz 20 anos, na grande revolta de 1835, eles [os índios] demonstraram que perigosa arma eles são nas mãos de um rebelde decidido, e como são capazes de, com um levante, destruir num ápice o bem-estar de toda a vastidão da região por anos e anos".

A lição da Cabanagem e a observação espantada de Handelmann foram esquecidas pelas elites dirigentes da Amazônia.

6. Censura é criada no Pará antes do jornal a censurar 

Este é o último dos textos relativos à Cabanagem que escrevi para o suplemento de aniversário de O Liberal em 1978. Reproduzo apenas a parte relativa à trajetória da imprensa até a Cabanagem.

A censura à imprensa foi estabelecida no Pará antes mesmo da publicação de qualquer jornal impresso. Esse extremado espírito repressivo se manteve durante a maior parte do desenvolvimento jornalístico no Estado. Ao mesmo tempo em que os jornais eram usados como autênticos centros de propaganda política, os donos do poder procuravam impedir as críticas e controlar o funcionamento da imprensa.

Por isso, entre 1822 e 1908, período levantado pelo historiador Manuel Barata, existiram no Pará 494 publicações, a extrema maioria com vida curta, mas ao menos, no caso dos numerosos pasquis, intensa.

Foi a Junta Governativa Provincial, eleita em 1821, que decidiu instituir a censura à imprensa. Esse controle estatal da liberdade de pensamento era adotado justamente no momento em que o Pará aderia às ideias liberal da revolução do Porto, do ano anterior, paradoxo bastante caro aos regimes de então.

Primeiro, a censura

A junta censora foi criado antes do surgimento de qualquer jornal, mas demonstrava a preocupação dos comerciantes porugueses, muito conservadores, com o aparecimento de diversos pasquins, que corriam de mão em mão espalhando as novas ideias de libertação e atacando a classe dirigente.

Apesar de Belém ter nessa época menos de 15 mil habitantes, dos quais um terço eram escravos, reduzindo o público com acesso a esses escritos, a junta resolveu adotar medidas preventivas que impedissem a difusão de ideias contrárias ao regime. Assim, proibiu a publicação de artigos de crítica à religião católica ou aos bons costumes e à moral, além de ataques pessoais.

Para poder publicar seus artigos, o autor deveria apresentar aos censores três cópias do texto, também o copiador devia assinar o artigo e os autores e copiadores "ficarão responsáveis pelos fatos que nele se contiverem".

A primeira junta de censura era integrada pelo chantre Joaquim Pedro de Morais Bittencourt, membro de uma família de senhores de engenho; pelo médico e naturalista português Antonio Correa de Lacerda e pelo frei João Antonio do Livramento Lacerda, homem de "estofo cultural", segundo o historiador Arthur Cezar Ferreira Reis. Lacerda acabou renunciando ao cargo, mas ainda propôs quatro medidas para responsabilizar os jornalistas por artigos que divulgassem.

Arthur Reis acha que a criação da censura foi uma medida precipitada, já que não existia ainda publicação impressa, apenas pasquins feitos à mão e que circulavam clandestinamente. Eram panfletos incendiários, mas Ferreira Reis considerava que essa papelada "evidentemente não seria levada ao exame da censura". Baseado nas suas pesquisas, ele concluiu que a censura não chegou a atuar.

Depois, o jornal

Ainda que não tenha desempenhado realmente seu papel repressivo, a censura certamente causou intimidação à nascente imprensa paraense. O primeiro jornal, O Paraense, só apareceria em 1822, para servir à agitação de Felipe Patroni. Dois anos antes, João Francisco Madureira Pará abriu, moldou e fundiu caracteres e construiu um torculo, com dinheiro conseguido através de subscrição pública, formando uma oficina tipográfica, que começaria a funcionar em 28 de maio. Entre outros produtos, ela imprimiu o folheto O despotismo desmascarado ou a verdade denodada.

A gráfica que imprimiria o primeiro jornal foi adquirida em Lisboa, por associação de Patroni com um alferes de milícias baiano e um tenente de milícias paraense, Domingos Simões da Cunha e José Batista Camecran. Com a máquina vieram Daniel Garção de Melo, um português que chefiaria a oficina, um tipógrafo francês, Luiz José Lazier, e outro espanhol, João Antonio Alvarez. Seriam os primeiros operários especializados, de três nacionalidades distintas, que se responsabilizariam pela impressão de boa parte dos jornais desse período.

Apesar de oposicionista, O Paraense tinha, em princípio, uma linguagem moderada. Só quando Patroni foi remetido para Lisboa a fim de responder a processo por desacato ao rei, em novembro de 1822, Batista Campos assumiu o jornal e deu-lhe maior agressividade. Passou a atacar o virulento comandante das armas, brigadeiro José Maria de Moura.

Batista Campos procurava dosar os ataques pessoais ao português Moura com a reprodução de proclamações oficiais e artigos de jornais fluminenses favoráveis à independência. Perseguido, entregou o jornal ao também cônego Silvestre Antunes Pereira da Serra, de posições conciliatórias. Mesmo assim o jornal não suportou as pressões, deixando de circular em fevereiro de 1823, ao atingir a 70ª edição.

A sociedade foi então dissolvida e Daniel Garção assumiu o controle, criando a Imprensa Constitucional, que passou a editar O Luso Paraense, com posição diametralmente contrária: pela união do Pará a Portugal. A mesma tipografia editaria ainda O Independente, terceiro jornal paraense, e O Verdadeiro Independente, primeiro órgão oficial, pró-Portugal.

Até a eclosão da Cabanagem, circulariam em Belém 31 jornais, dos quais 22 entre 1831 e 1835. Os mais duradouros foram O Verdadeiro Independente (1824/27) e o Correio do Amazonas (1831/34). Todos os jornais desse período são partidários, dividindo-se no apoio intransigente à continuidade dos vínculos com Portugal, pela independência completa ou por uma posição conciliadora, combinando os interesses opostos.

Boa parte deles pertencia a um mesmo grupo, que apenas trocava o nome do jornal para escapar às perseguições. As principais figuras dessa etapa são o cônego Silvestre, conciliador, o cônego Batista Campos, pela independência, e José Ribeiro Guimarães, colonialista, que trocavam entre si, pelos jornais que dirigiam, ideias e insultos.

Depois de O Paraense, o jornal de maior impacto foi a Sentinela Maranhense na Guarita do Pará, dois números escritos por Vicente Lavor Papagaio, mulato panfletário que acompanhava Batista Campos. Circulando em 1834, o jornal combatia ferozmente o presidente da província, Bernardo Lobo de Sousa, incitando a população à rebelião. Lavor Papagaio foi deportado para o Maranhão, sua terra natal, onde morreu pouco depois, assassinado pelos seus inimigos.

No ano em que rompeu a Cabanagem, circularam em Belém apenas três jornais, dois dos quais oficiosos. Os cabanos provavelmente não chegaram a lançar um jornal, restringindo suas comunicações a ordens e manifestos. De 1837, quando foi lançado um novo jornal, até 1870, registra-se uma fase menor da imprensa, embora com 89 novos periódicos. O primeiro dos grandes jornais daria sua partida em 1840, o Treze de Maio, fundado por Honório José dos Santos como órgão oficial, mas restringindo bastante o noticiário político-partidário para dar mais destaque às notícias. Foi o jornal de mais longa duração desse período: 22 anos. A história já era outra.

7. Filipe Patroni, uma figura enigmática (Jornal Pessoal, 2014) 

Não há dúvida que Filipe Patroni é, pelo menos, a mais curiosa e enigmática figura da era dos "motins políticos", conforme a classificação que o historiador Domingos Antônio Raiol, a maior fonte da história desse período, deu aos acontecimentos no Pará entre 1821 e 1835. Ele é costumeiramente associado à Cabanagem. Mas quando a revolta popular irrompeu, em 7 de janeiro de 1835, já havia se transferido para o Rio de Janeiro - e se manifestou contra os cabanos.

Começou a advogar na capital do império quando voltou de Lisboa, em 1823. Cinco anos depois deixou o seu escritório e retornou para se casar com sua prima, Maria Ana. Ficou em Belém durante menos de um ano. Em 1829 assumiu o cargo de juiz de fora de Niterói, que era então a comarca de Praia Grande. Só em 1842 morou de novo em Belém. Depois de vender seus bens, inclusive escravos, em 1851 foi de vez para Lisboa, onde morreu em 1866, aos 68 anos de idade. Nessa trajetória, nada mais teve a ver com os movimentos populares.

Sugestivamente, seu controvertido primeiro livro, A Bíblia do Justo Meio da Política Moderada, com o subtítulo de Prolegômenos do Direito Constitucional da Natureza, foi publicado em 1835. A partir daí sua produção intelectual foi se distanciando dos acontecimentos históricos e da racionalidade, avançando para delírios filosóficos beirando a completa demência. Eram delírios numa mente poderosa, que deu a Patroni fluência em línguas vivas e mortas (francês, inglês, espanhol, grego, latim, sânscrito e a língua geral dos índios) e um conhecimento enciclopédico e erudito.

Sua última produção intelectual com vínculos programáticos foi a Cartilha Imperial, com a qual pretendia influir na formação de Pedro II. Começou a escrevê-la no Rio, em 1838, e a concluiu em Belém, em 1840, ano da anistia do imperador aos últimos cabanos que ainda estavam com as armas nas mãos. Nada do que sobreviveu de Patroni indica qualquer interesse da parte dele por esses eventos.

Mas, se há um ideólogo na origem das irrupções sociais e políticas do Grão Pará, ele é Patroni. Na apresentação das suas obras escolhidas, publicadas pelo Conselho Estadual de Cultura em 1976, a historiadora Anunciada Chaves, presidente do órgão, diz que Patroni, "figura singular e fascinante de liberal apaixonado e revolucionário, dotada de extraordinária capacidade mental, dedicou a vida toda às grandes causas políticas - Independência, Abolição e República".

Há certo exagero nessa afirmativa, mas não muito. Patroni foi, de fato, um defensor da monarquia representativa, com a divisão de poderes entre o monarca e o parlamento, entre a nobreza e o povo. Foi o tribuno e o ideólogo dos direitos civis conquistados pela revolução francesa três décadas antes do momento mais intenso da sua participação. O que a detonou foi a revolução constitucionalista de 1821 em Portugal, que acabou com a monarquia absolutista.

Patroni não foi, a rigor, um precursor - e menos ainda ativista - da independência brasileira. O que ele queria era conquistar certas liberdades públicas e certas vantagens junto à metrópole. O ofício que carregou consigo para chegar à corte ressaltava que o povo do Pará "portuguesamente" amava o rei e que, "por tantos títulos, deseja que se estreitem cada vez mais os laços, que sempre nos têm unido". Patroni queria "ver já unido o Amazonas ao Tejo".

Ele parecia convencido da possibilidade de eliminar a espoliação colonial, mesmo sem acabar com a dominação portuguesa. No discurso que fez perante as cortes reunidas em Lisboa, se referiu ao "jugo" de dois séculos e disse que, com o movimento que eclodiu em 1º de janeiro de 1821, em Belém, esse jugo "foi sacudido". O povo não se dispunha mais a "baixar de novo a cerviz".

Seu febril empenho foi mobilizado para transportar essas conquistas para o Pará, que vivia sob a tirania de sucessivos governadores gerais e comandantes militares mandados por Lisboa. Pode parecer que suas idas e vindas entre as duas capitais, a metropolitana e a colonial, possam ser interpretadas como prova do seu oportunismo. O que ele pretendia, ao estabelecer a ponte entre a vanguarda lisboeta e a retaguarda belenense, era se estabelecer como líder, representante e porta-voz na relação entre esses dois mundos.

Mas essa é uma visão pobre e equivocada. Patroni tinha ambições de poder, um poder exercido pela elite, mas era sincero e fundamentado o seu desejo de abrir maior participação popular. Suas iniciativas e sua desenvoltura, que lhe permitiram arranjar o parque gráfico para a publicação de O Paraense, derivavam do poder do seu padrinho, de quem adotou o nome, o capitão de fragata Felipe (ou Filipe: ainda há controvérsia a respeito, como em quase tudo mais sobre o personagem) Alberto Patroni. Mas o risco havia e o dele foi sério.

O apadrinhamento foi fundamental para que ele se livrasse da prisão a que foi condenado em Belém, mas, mesmo assim, ele precisou de artimanhas para conseguir escapar para Lisboa.

Em 25 de junho de 1822, a junta provisória do governo civil, que tanto lhe devia, determinou ao ouvidor geral que "imediatamente lhe declare e apresente ordem" pela qual mandou Patroni para Lisboa, quando ele devia ser mantido preso em Belém, como estava, por ordem do rei, expedida pelo juiz da correição do crime da corte e casa. Nesse mesmo dia a junta comunicou ao comandante da fortaleza da Barra ter sabido que por ali Patroni foi deixado passar, "sem que fosse munido de passaporte algum" da própria junta "que lhe permitisse a saída desta Província". O militar foi advertido sobre o "extraordinário acontecimento de que as suas funções de comandante o tornaram responsável".

São indicadores do perigo que Patroni passou a representar para as autoridades constituídas quando, ainda em Lisboa, descobriu serem "hostis ao Brasil as intenções da corte, convencendo-se logo de que nada havia que esperar da metrópole", como assinala Raiol. Imediatamente ele começou a "preparar os ânimos de seus conterrâneos para a grande obra de emancipação de sua pátria". Redigiu uma circular "em que, anunciando a eleição de nova junta administrativa, provocava os seus concidadãos a seguir o exemplo de Pernambuco". Antes de retornar, mandou uma circular, apreendida e transformada em peça da denúncia contra ele.

O que mais assustou o ouvidor José Ribeiro Guimarães foi o parágrafo 10 do Plano das Eleições concebido por Patroni, que estabelecia: "Um deputado deverá corresponder a cada trinta mil almas, entrando nesse número os escravos, os quais, mais que ninguém, devem ter quem se compadeça deles, procurando-lhes uma sorte mais feliz, até que um dia se lhes restituam seus direitos".

Segundo a denúncia do ouvidor, a leitura desse artigo "deu um grande choque nos escravos; conceberam ideias de liberdade e julgaram que as figuradas expressões, de que se serviram os autores da nossa regeneração política, quando disseram ‘quebraram-se os ferros, acabou-se a escravidão, somos livres e outras semelhantes’, se estendiam a eles, e passaram a encarar Patroni como seu libertador".

Contraditoriamente, o ouvidor garantia que a distribuição pela cidade desse "incendiário papel, a que se chama circular", que circulou "nas mãos de todos", não teria tido maiores consequências porque o autor não tinha credibilidade. Patroni não era perigoso porque sua agitação era ato de "um homem sem bens, emprego ou estabelecimento algum, sem arriscar nada, sem ter que perder". O problema passava a existir porque, em tais condições, ele "pode lançar mão do único recurso que lhe resta: pode procurar partido no meio dessa classe que o olha como seu libertador, e então oh! desgraça...".

O Patroni que voltou a Lisboa depois de ter sido perseguido e preso em Belém já era outro. No novo discurso que fez, em novembro de 1821, ele começou num tom de violência raríssima para ocasião como essa, advertindo o monarca, de corpo presente, que essa era a quarta vez em que lhe dirigia o discurso: "É, porém, infelicidade, não sei se minha, se da Província em que nasci, se da nação a que pertenço, se de Vossa Excelência que a rege; todas as vezes que entro nesta casa, não entro eu para outro fim que não seja acusar o desleixo, e nenhuma energia dos agentes do poder, com quem vossa Majestade tem repartido a autoridade, que o povo português lhe há confiado".

A inércia na transformação em realidade das promessas feitas seriam motivos suficientes para "pôr os povos do Pará na última desesperação e contribuir para que eles rompam todos os obstáculos, para se libertarem dos seus tiranos". Garantia que todos "querem obedecer à lei, e não ao contrário; todos querem ser bem governados".

Os maus governos prosseguiram e o povo perdeu a paciência. A Cabanagem explodiu. Outras podiam ter explodido depois. Como agora, aliás. Nisso, Patroni foi um verdadeiro profeta.

8. Quando o Brasil ofereceu a Amazônia aos ingleses

Desde 2002 os historiadores brasileiros têm à disposição documentos primários que, se examinados, poderiam levá-los a repensar a formação do império brasileiro no século XIX. Poderiam ir até além: a partir deles, chegar a uma nova interpretação sobre o significado e os desafios da incorporação da sua maior região, a Amazônia, ao conjunto nacional.

Cabanagem (documentos ingleses), editado naquele ano pela Secretaria de Cultura e a Imprensa Oficial do Estado do Pará (com 274 páginas), se tornou o mais importante livro sobre a Cabanagem desde que Domingos Antônio Rayol concluiu Os Motins Políticos, 130 anos antes, ainda a maior obra sobre o tema. A unir e valorizar ambas está a quantidade de documentos primários que contêm, como nenhuma obra - na já relativamente extensa bibliografia sobre a Cabanagem - conseguiu reunir.

Rayol, o barão de Guajará, foi contemporâneo do movimento social que irrompeu em 1835 e se prolongou até 1840, provocando - segundo várias fontes, inclusive ele - a morte de pelo menos 20% dos 150 mil habitantes da província do Grão-Pará e Rio Negro. Por sua condição de testemunha dos acontecimentos, o barão foi o maior de todos os divulgadores da documentação original e a principal - ou, às vezes, a única - fonte de quase todos os relatos posteriores.

Graças ao historiador e antropólogo inglês David Cleary, foi facultado o acesso a uma valiosa porção dos papéis oficiais. Esses documentos foram produzidos na época por representantes do império britânico sobre uma sangrenta insurreição, que, se ocorrida hoje, teria causado a morte de dois milhões de pessoas na Amazônia.

Desde então, ninguém pode escrever a sério sobre a Cabanagem sem levar em consideração os documentos do Ministério das Relações Exteriores e da Marinha da Inglaterra, recolhidos no arquivo público de Londres (o Public Record Office) e reproduzidos no livro. O mais precioso dos documentos refere-se a um fato ocorrido no dia 17 de dezembro de 1835 e até então completamente ignorado pela historiografia. Relembro esse episódio porque parece haver relutância em incluí-lo na reconstituição dos acontecimentos da Cabanagem, mesmo em produções intelectuais recentes.

Nesse dia, os embaixadores da Inglaterra e da França foram convocados à sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro, para uma audiência "secreta e confidencial" com Diogo Antônio Feijó, que governava o Brasil, como regente, em nome de d. Pedro II, ainda sem idade para assumir a administração do império depois da renúncia de seu pai, d. Pedro I.

Feijó comunicou aos dois embaixadores que esperava reunir no Pará, até abril do ano seguinte, uma força de aproximadamente três mil homens para retomar o controle da capital e das áreas próximas a Belém, em poder de rebeldes. Eles haviam desencadeado um sangrento motim em janeiro daquele ano, destituindo as autoridades legais, assumindo o governo e iniciando uma perseguição a cidadãos portugueses, sobretudo os comerciantes, ainda os donos do poder local. Feijó repetiu-lhes o que já havia pedido, em outro encontro secreto anterior, ao próprio embaixador de Portugal, de cujo jugo colonial o Brasil se havia livrado apenas 13 anos antes: que mandassem de 300 a 400 soldados de seus países para participar do ataque aos amotinados cabanos, como os rebeldes eram conhecidos (por habitarem cabanas ou por referência à revolta anterior, da Cabanada, no Nordeste - ainda há controvérsias a respeito).

Essas tropas chegariam a Belém "como que por acaso", recebendo autorização do governo para permanecer em território nacional. Seriam mantidas de prontidão "para cooperar com as tropas brasileiras, a pedido e a critério das autoridades brasileiras em comando". Essa "cooperação" se faria "pelos interesses gerais da humanidade e da civilização, e também pelo objetivo específico de proteger nossos respectivos conterrâneos e restituir a eles [estrangeiros] a posse de suas residências e bens". Mas o regente do império fazia uma ressalva: teria que ser omitido "o fato de as medidas terem sido tomadas a pedido do governo brasileiro".

Os dois embaixadores se comprometeram a transmitir imediatamente o pedido aos seus respectivos governos. Na carta que enviou ao ministro das relações exteriores da Inglaterra, Lorde Palmerston (que em seguida viria a ser primeiro-ministro), Henry Stephen Fox informou, porém, ter desde logo alertado o governante brasileiro que não acreditava no sucesso da iniciativa, "a não ser que o comunicado nos fosse feito por escrito". Só assim seria possível avaliar o alcance da "cooperação" requerida, assim como "justificar tal cooperação no caso de ela ser concretizada, e posteriormente merecer objeções por qualquer parte do Brasil".

Segundo o embaixador, o regente respondeu-lhe "que como a Constituição do Império proíbe terminantemente a admissão de tropas estrangeiras no território do Brasil sem o consentimento da Assembleia Geral (que não poderá mais ser obtida a tempo), lhe é impossível formular sua proposta por escrito, e que, ademais, seria motivo de descrédito para o governo se fosse divulgado oficialmente o fato de que, sem ajuda externa, ele não é capaz de derrotar um punhado de insurgentes miseráveis". Assim, Feijó não podia ir além de uma solicitação verbal em caráter secreto, "deixando a cargo de nossos governantes basear nisso as instruções que lhe pareçam convenientes aos comandantes de suas respectivas forças navais", acrescentava Fox.

Ao transmitir o conteúdo da conversa reservada, o embaixador inglês, mesmo não podendo "deixar de transmitir o comunicado" ao seu superior, não via "a menor possibilidade de o governo de Sua Majestade ou o governo francês anuírem com os desejos do regente, ou consentirem em ordenar uma operação militar, com base em um pedido formulado de maneira tão imprecisa e informal".

Como o próprio Feijó admitira, acrescentou o diplomata na correspondência, sua proposta "viola diretamente as leis e a Constituição do país; e, é claro, seria desmentida de imediato, e a culpa pela intervenção não autorizada seria atribuída às potências estrangeiras, se isso fosse visto como conveniente".

Respondendo à consulta, em 9 de maio de 1836, Lorde Palmerston informou o encarregado dos negócios na embaixada no Rio de Janeiro, W. G. Ouseley, que o governo inglês havia dado "a mais atenciosa consideração à sugestão feita" por Feijó, mas não se sentia "à vontade" para cumprir esses desejos.

Em primeiro lugar, porque seria "uma divergência dos princípios gerais que regem a conduta do governo britânico, em relação aos países estrangeiros, interferir tão diretamente nos assuntos internos do Brasil". Palmerston considerava "inadequado para a dignidade deste país fazer uma demonstração, sem estar preparado, se fracassada fosse, para acompanhá-la pela força: e o Governo de Sua Majestade não acreditava justificável se envolver em operações em terra pelo interior da Província do Pará, com o objetivo de apoiar a autoridade do Governo do Rio de Janeiro contra a população do distrito".

Mas ainda que não houvesse "objeções insuperáveis a esse tipo de procedimento", o chanceler inglês lembrava que a constituição brasileira "expressamente proíbe a penetração de tropas estrangeiras em território brasileiro sem o consentimento do Poder Legislativo".

Mesmo descartando o pedido, o governo britânico se sentia "altamente gratificado pela confiança por parte do Regente, da qual a sugestão dele produz uma prova inequívoca, e que o Governo de Sua Majestade sinceramente espera que as medidas inteligentes e enérgicas adotadas pelo Regente, para a pacificação do Pará, cheguem a um bom êxito para restaurar a paz e a ordem naquela importante Província".

Em abril de 1836, a tropa imperial brasileira e uma esquadra britânica realmente se encontraram no Pará, mas não da maneira pretendida por Feijó. Três navios de guerra foram deslocados de Barbados para Belém, pelo Comando Supremo das Índias Ocidentais, com a missão de exigir a prisão dos assassinos da tripulação de um navio mercante inglês, que fora pilhado cinco meses antes no litoral paraense.

O capitão Charles Strong encontrou uma província em pânico pelos violentos combates travados entre as tropas imperiais e os rebeldes, que continuavam de posse da capital. Mas ele foi recebido em Belém "de forma muito melhor do que esperava". Após esse contato, Strong manifestou ao almirantado sua admiração de que "os brasileiros não viessem tomar a cidade, o que certamente os botes da minha esquadra teriam feito, se necessário" (receio que talvez se explique pelo desconhecimento - e medo - do litoral dominante em relação ao sertão desprezado, como também se veria, 60 anos depois, na repressão aos revoltosos de Canudos). Em outra correspondência, garantiu que "podíamos facilmente ter desembarcado 220 homens, incluindo fuzileiros com pequenas armas", e tomado Belém dos rebeldes. Mas preferiu manter-se como observador.

Na busca da indenização para os prejuízos materiais e na reparação dos crimes cometidos contra o brigue Clio, o oficial inglês enfrentou mais resistência na autoridade legal. Angelim, que louvou "a suavidade dos modos" de Strong, reforçando a "amizade que a nação inglesa consagra ao Pará", eximiu-se de responsabilidade, "pois o Pará não existe desmembrado do império". Deixava claro que não havia nenhum propósito separatista no movimento sob sua liderança, ao contrário do que caracterizava a Farroupilha, rebelião que eclodiu simultaneamente no outro extremo do país, no Rio Grande do Sul, ameaçando a unidade territorial do nascente império.

A documentação inédita revela que a Inglaterra em nenhum momento tentou se apossar da Amazônia, transformando-a em possessão colonial britânica, como fez na Ásia e na África. Os navios da esquadra foram deslocados de Barbados para investigar se naquele lugar estratégico poderia estar se repetindo um motim semelhante ao de Santo Domingo. Lá, escravos e índios se uniram para se libertar do grande inimigo comum, "pondo fim ao mundo criado pelos brancos".

Para a Inglaterra, naquelas paragens o representante desse mundo era o governo brasileiro. O Rio de Janeiro confirmou todos os compromissos herdados da administração portuguesa, dispensando a nação mais poderosa de então de cobrar esses compromissos pelas armas.

"Se a revolução [cabana] não for agora sufocada, a extensa e fértil província do Pará poderá ser considerada como perdida para o mundo civilizado", assinalou o embaixador Fox. Mas isso não aconteceria: os índios e negros amazônicos "eram muito menos avançados em relação à civilização do que os negros de São Domingos foram, quando eles por primeiro se tornaram livres". A pérfida Albion não tinha o que temer.

Essa carta e os demais documentos não permitem uma visão conclusiva sobre a Cabanagem, nem são suficientes para exprimi-la de maneira convincente, mesmo porque ainda há arquivos a vasculhar no Brasil sobre uma revolta que resultou em algo raro no país: o povo no poder, comandando o governo diretamente. É fato original, ainda que não tenha tido resultado prático de significação por falta de um programa de ação entre os rebeles que assumiram o poder institucional.

Ao invés de provocar polêmica e discussão, a preciosa documentação inglesa continuou abandonada nos porões do Arquivo Público em Belém, ignorada pela intelectualidade e guardada com certa negligência por seus responsáveis oficiais. Talvez por se tratar de documentação primária (prefere-se em geral interpretar sobre fontes secundárias ou outras interpretações) e por exigir uma completa revisão conceitual sobre um dos momentos mais importantes da história nacional e seu significado atual.

O silêncio conveniente foi quebrado. Os documentos chegaram finalmente ao domínio público, embora o livro já exija reedição corrigida e modificada para que a forma corresponda ao conteúdo e a leitura seja mais escorreita. A nova documentação sepultou especulações com a aparência de verdades históricas feitas até então. Como a de que Eduardo Angelim, "quando Presidente [o último presidente cabano], recebeu tentadora proposta de um capitão inglês, para proclamar a independência do Pará, no que teria o apoio de potências estrangeiras. E o caudilho negou-se até a discutir a sugestão".

Nenhuma documentação acompanha a afirmativa, mas ela é repetida em quase todos os livros escritos sobre o assunto como prova de que a Amazônia só não se internacionalizou naquele momento porque os líderes rebeldes reagiram às insinuações (tanto de ingleses como de americanos) e o Estado brasileiro foi competente na manutenção da unidade nacional. O mito prevaleceu durante tantos anos porque os historiadores não se lançaram adequadamente na busca da verdade. Também porque era - e continua a ser - interessante cultivar uma versão heroica, que pode ser simpática e útil como símbolo para contextualizações atuais. O problema é que ela não é verdadeira, como atesta a documentação inglesa. Mesmo que seja difícil e penoso admiti-la, a verdade ainda é o que conta na história. Em relação à Cabanagem, ela se firma com um atraso de quase 170 anos, mas chegou, desta vez para ficar. E, talvez, convencer. Ou será preciso esperar pelo bicentenário?

9. O império quis entregar a Amazônia aos ingleses

Foi um artigo que publiquei no jornal O Estado de S. Paulo (antes do transcrito acima) que deu conhecimento da descoberta da mais importante documentação sobre a Cabanagem desde que Domingos Antonio Rayol escreveu Os Motins Políticos, cujo último e quinto volume saiu 40 anos depois da eclosão da revolta no Pará. Quando publiquei o artigo, os documentos que David Cleary localizou em Londres ainda estavam pendentes de publicação em Belém, dois anos depois que ele os entregou à direção do Arquivo Público. A revelação do fato deve ter contribuído para que, finalmente, saísse o volume dos Documentos Ingleses, em 2002. Reproduzo a primeira parte do artigo a seguir, concluindo sua publicação, no último item (n. 12), com a entrevista que Cleary me deu. Na esperança de que o debate necessário sobre os documentos ingleses finalmente se estabeleça, antes que cheguem os 180 anos da Cabanagem.

Teorias geopolíticas registram, desde o século 16, uma permanente cobiça internacional sobre a Amazônia, a maior fronteira de recursos naturais do planeta, quase do tamanho do território dos EUA, se considerada toda a Amazônia latino-americana (da qual o Brasil representa mais do que dois terços).

No século 19, porém, a Inglaterra, a nação mais poderosa de então, com uma das mais eficientes marinhas de todos os tempos, teve a possibilidade real de se apossar da Amazônia. Bastaria se aproveitar de um pedido feito sigilosamente, em dezembro de 1835, pelo representante do governo imperial brasileiro, o regente Diogo Antônio Feijó. Ele autorizou que tropas britânicas (e também portuguesas e francesas) invadissem o Pará, atendendo a seu próprio chamado, e dessem combate aos rebeldes.

Se seu plano fosse aceito, estrangeiros poderiam matar cidadãos brasileiros em pleno território brasileiro, com conhecimento e aprovação do governo nacional. Onze meses antes, os nativos haviam desencadeado um motim, que ficou conhecido como Cabanagem, o mais sangrento de toda a história brasileira (no curso do qual, em cinco anos, segundo alguns registros historiográficos, de 15% a 20% da população regional morreu, o que seria equivalente, hoje, a dois milhões de mortos).

O encontro secreto entre Feijó e os embaixadores inglês e francês só foi revelado 160 anos depois, quando o antropólogo inglês David Cleary, então com 42 anos, autor de uma elogiada pesquisa sobre os garimpos de ouro da Amazônia, encontrou, no Publics Records Office, em Londres, correspondência travada, de 1835 a 1839, entre a embaixada, o ministério das relações exteriores e o almirantado britânico.

Cleary publicou um artigo a respeito nos Estados Unidos, não traduzido para o português. A documentação, ainda inédita, aguarda, há mais de dois anos, a publicação prometida pela direção do Arquivo Público do Pará, para o qual o pesquisador enviou o material, em microfilme. Essa talvez seja a maior revelação recente da história brasileira, mudando ou anulando muita coisa do que se pensava, particularmente sobre o primeiro império brasileiro e a mais sangrenta insurreição popular do período, que antecedeu de quatro décadas a Comuna de Paris, de 1871.

Era o dia 17 de dezembro de 1835. Os embaixadores da Inglaterra e da França, Fox e Pontois, chegaram à sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro, para uma audiência "secreta e confidencial" convocada por Diogo Antônio Feijó, que governava o Brasil como regente, em nome de d. Pedro II, ainda sem idade para assumir a administração do império depois da renúncia de seu pai, d. Pedro I.

Feijó comunicou aos dois embaixadores que esperava reunir no Pará, até abril do ano seguinte, uma força de aproximadamente três mil homens para retomar o controle da capital e das áreas próximas a Belém, em poder de rebeldes. Eles haviam desencadeado um sangrento motim em janeiro daquele ano, destituindo as autoridades legais, assumindo o poder e iniciando uma perseguição a cidadãos portugueses, sobretudo os comerciantes, ainda os donos do poder local. Feijó repetiu-lhes o que já havia pedido, em outro encontro secreto anterior, ao embaixador de Portugal, de cujo jugo colonial o Brasil se havia livrado apenas 13 anos antes: que mandassem de 300 a 400 soldados de seus países para participar do ataque aos amotinados cabanos, como os paraenses eram conhecidos.

Essas tropas estrangeiras seriam embarcadas em navios de guerra dos três países e chegariam a Belém "como que por acaso", recebendo autorização para permanecer em território nacional. Seriam mantidas de prontidão "para cooperar com as tropas brasileiras, a pedido e a critério das autoridades brasileiras em comando". Essa "cooperação" se faria "pelos interesses gerais da humanidade e da civilização, e também pelo objetivo específico de proteger nossos respectivos conterrâneos e restituir a eles a posse de suas residências e bens". Mas o regente do império fazia uma ressalva: teria que ser omitido "o fato de as medidas terem sido tomadas a pedido do governo brasileiro".

Os dois embaixadores se comprometeram a transmitir imediatamente o pedido aos seus respectivos governos. Na carta que enviou ao ministro das relações exteriores da Inglaterra, Lorde Palmerston (que em seguida viria a ser primeiro-ministro), Henry Stephen Fox informou, porém, ter desde logo alertado o governante brasileiro que não acreditava no sucesso da iniciativa, "a não ser que o comunicado nos fosse feito por escrito". Só assim seria possível avaliar o alcance da "cooperação" requerida, assim como "justificar tal cooperação no caso de ela ser concretizada, e posteriormente merecer objeções por qualquer parte do Brasil".

Segundo o embaixador, o regente respondeu-lhe "que como a Constituição do Império proíbe terminantemente a admissão de tropas estrangeiras no território do Brasil sem o consentimento da Assembleia Geral (que não poderá mais ser obtida a tempo), lhe é impossível formular sua proposta por escrito, e que, ademais, seria motivo de descrédito para o governo se fosse divulgado oficialmente o fato de que, sem ajuda externa, ele não é capaz de derrotar um punhado de insurgentes miseráveis". Assim, Feijó não podia ir além de uma solicitação verbal em caráter secreto, "deixando a cargo de nossos governantes basear nisso as instruções que lhe pareçam convenientes aos comandantes de suas respectivas forças navais".

Ao transmitir o conteúdo da conversa reservada, o embaixador inglês, mesmo não podendo "deixar de transmitir o comunicado" ao seu superior, não via "a menor possibilidade de o governo de Sua Majestade ou o governo francês anuírem com os desejos do regente, ou consentirem em ordenar uma operação militar, com base em um pedido formulado de maneira tão imprecisa e informal".

Como o próprio Feijó admitira, acrescentou o diplomata na correspondência, sua proposta "viola diretamente as leis e a Constituição do país; e, é claro, seria desmentida de imediato, e a culpa pela intervenção não autorizada seria atribuída às potências estrangeiras, se isso fosse visto como conveniente".

Fox observa ainda: "não penso que exista a menor probabilidade de que o governo brasileiro consiga, nem agora nem em qualquer momento, reunir uma força regular tão grande quanto aquela que o regente afirmou contar".

Finaliza a correspondência com uma última advertência: "O emprego, no Pará, de uma força inglesa e francesa, em conjunto com uma portuguesa, tornaria o procedimento ainda mais questionável, levando em conta o ciúme que ainda existe neste país com relação à influência e aos desígnios de Portugal".

Respondendo à consulta, em 9 de maio de 1836, Lorde Palmerston informou o encarregado dos negócios na embaixada no Rio de Janeiro, W. G. Ouseley, que o governo inglês havia dado "a mais atenciosa consideração à sugestão feita" por Feijó, mas não se sentia "à vontade" para cumprir esses desejos.

Em primeiro lugar, porque seria "uma divergência dos princípios gerais que regem a conduta do governo britânico, em relação aos países estrangeiros, interferir tão diretamente nos assuntos internos do Brasil". Palmerston considerava "inadequado para a dignidade deste país fazer uma demonstração, sem estar preparado, se fracassada fosse, para acompanhá-la pela força: e o Governo de Sua Majestade não acreditava justificável se envolver em operações em terra pelo interior da Província do Pará, com o objetivo de apoiar a autoridade do Governo do Rio de Janeiro contra a população do distrito".

Mas ainda que não houvesse "objeções insuperáveis a esse tipo de procedimento", o chanceler inglês lembrava que a constituição brasileira "expressamente proíbe a penetração de tropas estrangeiras em território brasileiro sem o consentimento do Poder Legislativo".

Mesmo descartando o pedido, o governo britânico se sentia "altamente gratificado pela confiança por parte do Regente, da qual a sugestão dele produz uma prova inequívoca, e que o Governo de Sua Majestade sinceramente espera que as medidas inteligentes e enérgicas adotadas pelo Regente, para a pacificação do Pará, cheguem a um bom êxito para restaurar a paz e a ordem naquela importante Província".

Em abril de 1836, a tropa imperial brasileira e uma esquadra britânica realmente se encontraram no Pará, mas não da maneira pretendida por Feijó. Três navios de guerra foram deslocados de Barbados para Belém, pelo Comando Supremo das Índias Ocidentais, com a missão de exigir a prisão dos assassinos da tripulação de um navio mercante inglês, que fora pilhado cinco meses antes no litoral paraense.

O capitão Charles Strong encontrou uma província em pânico pelos violentos combates travados entre as tropas imperiais e os rebeldes, que continuavam de posse da capital. Mas ele foi recebido em Belém "de forma muito melhor do que esperava". O presidente mandado pelo Rio de Janeiro, almirante Manuel Jorge Rodrigues, confinado numa ilha próxima, havia alertado Strong que "se eu atracasse, seria assassinado". Mas o presidente cabano, o jovem Eduardo Angelim, terceiro no posto desde o início da revolta, disse-lhe que só não fora cumprimentá-lo a bordo do próprio navio inglês porque "o povo não permitiria que ele o fizesse".

Após esse contato, Strong manifestou ao almirantado sua admiração de que "os brasileiros não viessem tomar a cidade, o que certamente os botes da minha esquadra teriam feito, se necessário, em meia hora, mas o nome de Eduardo (um mero rapaz) parecia fazer um terrível efeito, e não vimos além de cento e cinquenta homens armados e estes em estado deplorável". Em outra correspondência, garantiu que "podíamos facilmente ter desembarcado 220 homens, incluindo fuzileiros com pequenas armas", e tomado Belém dos rebeldes. Mas preferiu manter-se como observador.

Na busca da indenização para os prejuízos materiais e na reparação dos crimes cometidos contra o brigue Clio, o oficial inglês enfrentou mais resistência na autoridade legal. Angelim, que louvou "a suavidade dos modos" de Strong, reforçando a "amizade que a nação inglesa consagra ao Pará", eximiu-se de responsabilidade, "pois o Pará não existe desmembrado do império". Deixava claro que não havia nenhum propósito separatista no movimento sob sua liderança, ao contrário do que caracterizava a Farroupilha, rebelião que eclodiu simultaneamente no outro extremo do país, no Rio Grande do Sul (então província de São Pedro), ameaçando a unidade territorial do nascente império.

A Cabanagem foi reprimida a ferro e fogo a partir do momento em que os rebeldes abandonaram Belém. O historiador Arthur Cezar Ferreira Reis, uma das fontes mais respeitadas sobre a região, calcula que 20% dos 150 mil habitantes da Amazônia naquela época foram mortos, pelos rebeldes ou - e principalmente - pelas tropas imperiais, no período de "pacificação".

A documentação inédita revela que a Inglaterra em nenhum momento tentou se apossar da Amazônia, transformando-a em possessão colonial britânica, como havia feito na Ásia e na África. Os navios da esquadra foram deslocados de Barbados para investigar se naquele lugar estratégico poderia estar se repetindo um motim semelhante ao de Santo Domingo, escravos e índios se unindo para se libertar do grande inimigo comum, "pondo fim ao mundo criado pelos brancos".

Para a Inglaterra, naquelas paragens o representante desse mundo era o governo brasileiro, que confirmara todos os compromissos herdados da administração portuguesa. "Se a revolução [cabana] não for agora sufocada, a extensa e fértil província do Pará poderá ser considerada como perdida para o mundo civilizado", assinalou o embaixador Fox para Lorde Palmerston. Mas isso não aconteceria: os índios e negros amazônicos "eram muito menos avançados em relação à civilização do que os negros de São Domingos foram, quando eles por primeiro se tornaram livres". A pérfida Albion não tinha o que temer.

A nova documentação sepulta especulações com a aparência de verdades históricas feitas até agora. Como a de Carlos Rocque, autor de Cabanagem – Epopeia de um Povo, um dos mais recentes livros de uma bibliografia perturbadoramente reduzida sobre o tema. Segundo Rocque, Eduardo Angelim, "quando Presidente, recebeu tentadora proposta de um capitão inglês, para proclamar a independência do Pará, no que teria o apoio de potências estrangeiras. E o caudilho negou-se até a discutir a sugestão".

Nenhuma documentação acompanha a afirmativa, mas ela é repetida em quase todos os livros acatados como referência. Pasquale di Paolo diz, em Cabanagem – A Revolução Popular da Amazônia, que o capitão inglês propôs ao presidente cabano a "declaração de independência da Amazônia". Gustavo Moraes Rego Reis registrou, em A Cabanagem, que os ingleses "sugeriram e ofereceram proteção à província, caso fosse proclamada a separação política do Império". Quando o próprio Angelim morreu, em 1882, o jornal Diário do Grão Pará registrou que o maior dos líderes cabanos havia recusado "recursos militares do governo Americano para proclamar a independência da Amazônia".

O mito prevaleceu durante tantos anos porque os historiadores não se lançaram adequadamente na busca da verdade e porque foi interessante cultivar uma versão heroica, observa Cleary na entrevista que me concedeu. Doutor em antropologia por Oxford e professor visitante do Departamento de História da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, até assumir uma diretoria da ONG ambientalista TNC (The Nature Conservancy) em Brasília, no ano passado, Cleary já publicou um livro em português: A garimpagem de ouro no Brasil: uma abordagem antropológica (Editora da UFRJ, 1990).

10. Regente pediu a estrangeiros que atacassem os rebeldes

No dia 17 de dezembro de 1835, os embaixadores da Inglaterra e da França, Fox e Pontois, foram à sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro, para uma audiência "secreta e confidencial" convocada por Diogo Antônio Feijó. O padre paulista governava o Brasil como regente, em nome de d. Pedro II, ainda sem idade para assumir a administração do império depois da renúncia de seu pai, d. Pedro I.

Feijó comunicou aos dois embaixadores que esperava reunir no Pará, até abril do ano seguinte, uma força de aproximadamente três mil homens para retomar o controle da capital e das áreas próximas a Belém, que estavam em poder de rebeldes, que se sublevaram 11 meses antes. Em janeiro iniciaram um movimento sangrento.

Destituíram e executaram as autoridades legais, do presidente ao comandante das armas e o chefe da esquadra. Foi a primeira vez que rebeldes assumiram o poder. Com esse controle, iniciaram perseguição a cidadãos portugueses, sobretudo os comerciantes, ainda os donos do poder local.

Feijó renovou aos embaixadores o que já lhes pedira, em outro encontro secreto anterior, inclusive ao embaixador de Portugal, de cujo jugo colonial o Brasil se havia livrado apenas 13 anos antes: que mandassem de 300 a 400 soldados de seus países para participar do ataque aos amotinados cabanos, como os paraenses eram conhecidos.

Essas tropas estrangeiras seriam embarcadas em navios de guerra dos três países e chegariam a Belém "como que por acaso", recebendo autorização para permanecer em território nacional. Seriam mantidas de prontidão "para cooperar com as tropas brasileiras, a pedido e a critério das autoridades brasileiras em comando".

Para se ter uma ideia do significado dessa combinação inusitada de forças nacionais e internacionais para atacar cidadãos do próprio país, o Rio de Janeiro deslocaria para Belém três mil homens, dos quais apenas dois mil seriam soldados regulares. Inglaterra, França e Portugal chegariam ao cenário bélico "como se fosse por acaso", conforme a recomendação maquiavélica de Feijó, entrando com metade dessa tropa, ou mil soldados regulares, autorizados a matar, se necessário fosse, os cidadãos nacionais do Brasil, mas que o representante do imperador classificava de "rebeldes desgraçados".

De um Brasil de que a capital do império tinha pouca - e deturpada - informação e pelo qual o Rio de Janeiro não tinha maior apreço, nem mesmo sabia exatamente o que era, uma distante possessão de portugueses dominantes e nativos dominados, gente de categoria inferior, incapaz de entender outra linguagem que não a da força. Para empregá-la, Feijó se declarava disposto a enganar o poder legislativo e autorizar ilicitamente a invasão estrangeira ao Pará, violando para isso a constituição do império.

Essa "cooperação" bélica, sem igual na história brasileira e rara em qualquer parte do mundo, em qualquer época, por implicar na renúncia deliberada ao exercício da soberania, delegada a estrangeiros, se faria "pelos interesses gerais da humanidade e da civilização". Essas seriam as razões a serem apresentadas aos brasileiros e ao mundo.

Mas o regente era mais ardiloso: intervindo militarmente no Pará, os três países se mobilizariam "também pelo objetivo específico de proteger nossos respectivos conterrâneos e restituir a eles a posse de suas residências e bens", reproduziu o embaixador inglês.

O regente do império fazia uma ressalva: teria que ser omitido "o fato de as medidas terem sido tomadas a pedido do governo brasileiro". Lendo sob escândalo íntimo esse trecho do documento, fica-se a imaginar: quantas vezes Salvador, o Rio de Janeiro e Brasília não travaram conversas secretas assemelhadas com estrangeiros (e nacionais) desse tipo? Quantas sugestões vis desse porte não deram? E quantas foram consumadas?

Teremos que aguardar por documentos americanos, japoneses ou ingleses antes de chegar a conclusões sobre a história contemporânea da região, da mesma maneira como ainda nos faltam documentos portugueses, franceses, ingleses e americanos. A Amazônia tem sido explorada multinacionalmente sem ter-se internacionalizado.

A teoria geopolítica sobre a permanente cobiça internacional pela Amazônia precisa ser relativizada a cada momento histórico apontado como ameaçador. No trato com o governante brasileiro, o embaixador da poderosa Inglaterra foi mais cauteloso. Além de pedir que a proposta de deslocar tropa estrangeira para o interior do Brasil fosse feita por escrito, ainda que da forma confidencial da conversa pessoal, Fox desaconselhou seu chefe, o ministro britânico, a adotar a sugestão.

O respeito pela soberania brasileira e pelo processo constitucional pode ter sido mero pretexto, mas a atitude do embaixador (respaldada pelo Ministério do Exterior da Inglaterra) levava a duas conclusões: a nação estrangeira era mais legalista do que o governo nacional brasileiro e a Inglaterra achava que não precisava invadir a Amazônia, estabelecendo um governo colonial, como na Índia, para usufruir de suas riquezas.

Podia fazer essa exploração através do capital e do poder de convencimento por outros meios (como os de hoje, que agiram nos desvãos da Petrobrás). Não à toa o banco de Londres se antecipou, na Amazônia, ao banco do Brasil. O que a clarividência do colonialismo britânico percebeu: não aceitar que "a culpa da intervenção não autorizada" fosse "atribuída aos poderes estrangeiros", como queria Feijó e muitos dos seus seguidores até hoje, em relação à ameaça internacional sobre a Amazônia. Usam-na como habeas corpus para seus erros e maus intentos, ainda que não impedindo que a cobiça se torne real.

Os dois embaixadores se comprometeram a transmitir imediatamente o pedido aos seus respectivos governos. Reproduzo a seguir, na íntegra, a carta que o embaixador Henry Stephen Fox enviou ao ministro das relações exteriores da Inglaterra, Lorde Palmerston (que em seguida viria a ser primeiro-ministro). É o documento individual de maior importância sobre a Cabanagem. Precisa ser divulgado, lido e interpretado por todos aqueles que querem ir além dos tratados fáceis, das versões doutrinárias e da abundante mitologia em torno da maior revolta popular da história do império brasileiro.

Segue-se o incrível documento.

Secreto e confidencial

Excelência

Há alguns dias eu e Monsieur Pontois, Ministro Francês na Corte do Brasil, fomos convidados pelo Regente Feijó para uma conferência particular, quando Sua Excelência nos fez a seguinte comunicação confidencial:

Ele disse que o Governo Brasileiro estima que possa reunir no Pará, por volta do mês de abril próximo, uma força de 3.000 homens, compreendendo 2.000 soldados regulares; que ele calcula que essa força seja suficiente para retomar a cidade do Pará e vizinhanças, mas que, não obstante, para tornar o êxito mais seguro e para privar os rebeldes de qualquer esperança de resistência, ele deseja que a Inglaterra, a França e Portugal façam reunir no Pará, aproximadamente no mesmo período, e como se fosse por acaso, uma esquadra de navios de guerra, transportando uma tropa de cerca de 1.000 soldados regulares, aptos para o serviço em terra, quer dizer, cerca de 300 a 400 de cada nação. Ele propõe que esta força deveria ficar de prontidão para cooperar com tropas brasileiras, a pedido e à discrição das autoridades civis e militares brasileiras no comando e que seriam mais particularmente empregadas na ocupação temporária dos postos do Marajó, Cametá e outros lugares nos arredores da cidade do Pará; tal cooperação, ele julga, seria suficientemente justificada, ao que parece, pelo interesse geral da humanidade e da civilização, como também pelos motivos particulares de proteger nossos respectivos conterrâneos e de colocá-los novamente de posse de suas propriedades e residências, sem que fosse de conhecimento público que as medidas foram usadas a pedido do Governo Brasileiro".

Monsieur Pontois e eu concordamos imediatamente e declaramos ao Regente que não esperávamos que qualquer resultado sucedesse a não ser que o comunicado fosse por escrito (o que poderia ser feito de maneira igualmente confidencial) para que pudéssemos informar os nossos Governos exatamente sobre a extensão da cooperação que Sua Excelência desejava obter, seus limites e objetivos expressos; e, ainda, para justificar essa cooperação, caso se concretizada e fosse contestada por qualquer parte no Brasil. O Regente nos respondeu que, como a Constituição do Império proibia taxativamente a admissão de tropas estrangeiras no território brasileiro sem o consentimento da Assembleia Geral (o que não poderia ser obtido agora em tempo hábil), ele estava impossibilitado de colocar sua proposta por escrito e que, além disso, seria desonroso para o Governo tornar oficialmente conhecido que eram incapazes, sem ajuda estrangeira, de dominar um punhado de rebeldes desgraçados e que, portanto, ele somente poderia solicitar que comunicássemos aos nossos Governos o que ocorreu nessa entrevista, como o assunto de uma conversa confidencial com o Regente, deixando ao encargo dos nossos Governos, enviar aos comandantes das suas respectivas forças navais aquelas instruções que achassem convenientes sobre o posto em questão.

Monsieur Pontois e eu prometemos ao Regente, portanto, que faríamos o comunicado aos nossos Governos na forma confidencial que ele desejava, mas não lhe oferecemos qualquer certeza, até onde valesse nossas opiniões, de ser atendido seu pedido de cooperação. O Regente declarou, em resposta a uma pergunta minha, que nem os Ministros brasileiros residentes na Inglaterra e na França, nem o Marquês de Barbacena, agora encarregado de uma missão especial na Inglaterra, seriam informados do comunicado que acabava de nos dar em confidência.

O acima exposto é o conteúdo da conversa com o Regente, do qual eu e M. Pontois concordamos em fazer um sumário depois que se concluísse a entrevista. O mínimo que posso fazer, é claro, é transmitir o comunicado a Vossa Excelência, mas não creio que haja a menor possibilidade de o Governo de Sua Majestade ou de o Governo Francês aquiescerem aos desejos do Regente, ou consentirem comandar uma operação militar com base em um pedido tão informal e vagamente feito. A proposta do Regente é, como ele mesmo admitiu, uma violação direta das leis e da Constituição do país e seria, é claro, imediatamente rejeitada, e a culpa da intervenção não autorizada atribuída aos poderes estrangeiros se se achasse coinveniente fazê-lo.

Devo obser, também, que não creio que haja a menor probabilidade de que o Governo Brasileiro consiga, agora ou no futuro, reunir diante do Pará uma força regular tão grande como a que o Regente propunha contar.

O Ministro Português não foi convidado pelo Regente para a mesma conferência comigo e com o Ministro Francês, porém, quero crer que uma comunicação semelhante já lhe tenha sido feita, ou está prestes a sê-lo, em separado. Empregar no Pará os ingleses ou franceses com uma força portuguesa tornaria ainda mais questionável esse procedimento, considerando a peculiar ciumeira da influência e dos propósitos que Portugal ainda nutre por este país.

Arrisco-me a sugerir, sem prejudicar o Regente Feijó, cuja conversa comigo e com M. Pontois foi particular e confidencial, que seria prudente não mencionar esse assunto ao Marquês de Barbacena, que provavelmente estará em contato com Vossa Excelência sobre outras questões.

11. Arthur Reis e Hurley: dois pontos de vista

Em 13 de maio de 1936 Belém comemorou o centenário do fim da cabanagem, marcada pela reocupação da capital paraense pelas tropas imperiais, sob o comando do brigadeiro Francisco Andréa. Na verdade, a cabanagem chegou ao fim apenas na cidade. Mas prosseguiria pelo interior da Amazônia por mais quatro anos, terminando em Maués, no Amazonas, onde ainda havia um exército de 800 rebeldes com as armas nas mãos. Eles só se desarmaram com a anistia concedida pelo jovem imperador, Pedro II.

Do Amazonas veio certo contracanto ao hino conservador em torno da data pela voz de um jovem historiador. Com apenas 30 anos, Arthur Cezar Ferreira Reis já publicara seu primeiro livro, História do Amazonas, ainda sem acesso à mina de documentos que se escondia no Arquivo Público do Pará. Dessa jazida se servira o desembargador Jorge Hurley para produzir Traços cabanos, publicação oficial das comemorações. Reis fez a resenha do livro na revista amazonense Cabocla.

Reproduzo parte do texto, invertendo a sequência original para que o episódio propriamente amazonense venha depois da apreciação geral feita pelo futuro governador do vizinho Estado, sujeito a muitos questionamentos, mas inegavelmente um dos principais historiadores da região.

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Jorge Hurley lançou-se ao esmerilhamento da Cabanagem, nas suas origens, nos seus episódios, nas suas consequências. No Arquivo de Belém fez colheita magnífica, selecionada. Escreveu, então, uma trilogia interessantíssima, de que nos manda o primeiro tomo sob o título Traços cabanos. São quinze capítulos estampando episódios da Cabanagem, a começar no desembarque de Andréa, o caso da escuna Clio, as façanhas de Jacó Patacho, o "Lampeão glebário", assuntos que ficam definitivamente esclarecidos.

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Traços cabanos não é absolutamente uma obra que apresente os vinte anos de intranquilidade que vivemos sob o Primeiro Império e as Regências, com unidade, exposição circunstanciada ou visão sintética. Estamos diante de um livro de episódios, documentados, que era preciso vir à luz como o foram. Como, de certo, o de Jacó Patacho, "Lampeão glebário", imortalizado nas páginas de O Missionário, de Inglês de Souza.

A história da Cabanagem, serena, das origens ao seu epílogo, tem de ser feita ouvindo-se a palavra dos que a movimentaram e encontramos espalhada no noticiário dos jornais da época, em Belém e na Corte, na panfletária que circulou em massa e foi uma característica muito curiosa do Primeiro Império e das Regências, apreciando-se essa documentação preciosa que agora nos vai sendo confiada.

Ainda há pouco tempo, a 13 de maio, não se fez em Belém e no Rio de Janeiro, a comemoração festiva do centenário do fim da Cabanagem! E não sabemos tão bem que a tomada de Belém não encerrou o ciclo sangrento, como muito acertadamente assinalou, apoiado no que já afirmei documentadamente, Basílio de Magalhães, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro?!

Traços cabanos é uma contribuição feliz, para o conhecimento de nossa formação político-social. Jorge Hurley nos deu ali um farto cabedal de minúcias importantes.

Mando-lhe, com estas linhas, as minhas felicitações.

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Há, todavia, em Traços cabanos referências aos meus mirrados, paupérrimos ensaios regionais. No capítulo "Os cabanos no Amazonas", a referência vale quase como uma contestação. É que, na História do Amazonas, afirmei a morte violenta de Bararoá, no Autaz, a 6 de agosto. Hurley, com o ofício nº 31, de 23 de outubro de 1838, de Andréa ao Secretário dos Negócios da Guerra, encerra as dúvidas a respeito do incidente, que tantos prejuízos imediatos trouxe à ordem geral na Comarca do Amazonas.

Bararoá, pela descrição do futuro barão de Caçapava, foi morto pelos cabanos já no (rio) Madeira. É, assim, um tópico sobre o qual não se pode mais dizer em contrário. Só esse tópico. Porque, em torno da figura de Ambrósio Aires, há ainda outras lacunas desafiando pesquisas. Geralmente apontado como degredado político nordestino, envolvido no movimento democrático, constitucionalista, de 1824, aqui estaria cumprindo penalidade.

Ora, na relação dos que se viram às voltas com a justiça impiedosa, sangrenta das comissões militares de Dom Pedro I, não consta o nome do nosso herói. Sabemos apenas de Alexandrino Magno Taveira Pau Brasil, José Ferreira de Azevedo, frei Alexandre da Purificação, três patriotas daquela jornada cívica que aqui vieram padecer a culpa de suas atitudes políticas. Só esses três nomes aparecem. A não ser que Bararoá, revolucionário, ao fracasso do movimento, como o boticário Vicente Alves da Silva, aqui tivesse vindo parar como fugitivo.

O fato é que já o encontramos, em 1832, contra as nossas aspirações autonomistas, inteiramente ao lado do Governo do Pará, o que não ocorreria com frei Alexandre, que se bateu por nossos anseios libertários. Encontramo-lo, mais, nesse instante, como autoridade legal, no rio Negro. Criminoso político no exercício de funções militares, naqueles momentos de tantas paixões? Teria sido dos anistiados em 1831?!

Uma figura singular, surpreendente, esse Ambrósio Aires, rixento, bravo, terror dos cabanos.

12. A história mais interessante e menos conhecida no Brasil

Segue-se a entrevista de David Cleary, o autor da descoberta dos documentos sobre a Cabanagem em Londres.

Como e quando você se interessou pela Cabanagem?

Desde que comecei a trabalhar na Amazônia e ouvi falar do episódio pela primeira vez, em 1984.

Como e quando chegou aos documentos do Foreign Office?

No verão de 1993, li Motins políticos, de Domingos Antônio Rayol, publicado há mais de um século, mas ainda o melhor livro sobre o assunto. Rayol menciona diversas vezes a presença de comerciantes e navios britânicos, e intervenções militares britânicas. Eu sabia de pesquisas anteriores, sobre outros assuntos, que os arquivos ingleses são bem organizados e não seria difícil achar o material consular nem o material naval. Munido com datas e nomes de navios britânicos tirados de Rayol, fui para o PRO [Public Records Office] e de fato, com a ajuda de um arquivista, achei o material consular em aproximadamente duas horas. Daí, tirei mais informações e consegui localizar vários pacotes de material relevante do Almirantado, também sem muitas dificuldades.

Acha que pode haver ainda, na Inglaterra e em outros países europeus, documentos inéditos sobre a Cabanagem? O que seria preciso fazer para localizá-los?

Sem dúvida. Acho que na Inglaterra achei a maior parte dos documentos; o material consular e militar é completo e bastante compreensível. A única lacuna é o material sobre um pedido de indenização feito pelos comerciantes britânicos de Belém, que é mencionado na correspondência, mas não achei o material. Talvez exista num arquivo brasileiro; adivinharia no arquivo do Itamaratí. Há sem dúvida material consular e naval na França, que também manteve consulado em Belém na época, acompanhou de perto os eventos, de lá e de Caiena, também mandou navios de guerra e teve um interesse direto territorial muito mais significante do que o britânico.

Jeanine Potelet, professor da Universidade de Paris-X Nanterre, já vasculhou os arquivos da marinha francesa, da mesma maneira que eu fiz em Londres para a Marinha Real, e publicou resumo fascinante no Boletim do Museu Goeldi, em 1990, incluindo até desenhos da cidade na época, feita por oficiais franceses. E deve existir mais material consular e naval em Lisboa, que de todas as fontes deve ser a mais fascinante, já que os portugueses foram os mais afetados pela eclosão da violência.

Existe material consular no Arquivo Nacional, em Washington, que já vasculhei, mas bem pouco, já que o cônsul americano da época não escreveu muito e um dos cadernos mais relevantes é ilegível - parece que molhou. Só precisa mandar um pesquisador competente, com capacidade linguística.

Este material é, sem dúvida, fácil de localizar. Sou antropólogo, não historiador, e mesmo assim achei o material em questão de horas. Isso num arquivo bem organizado e catalogado, é claro, mas arquivos consulares e militares geralmente o são. Já existe um trabalho relevante na França, o que significa que estes materiais franceses também são fáceis de localizar.

Quanto a Portugal, não sei, e eu mesmo ia até fazer uma busca em Lisboa, mas acabei saindo do mundo acadêmico, pelo menos por enquanto, e não deu tempo. Mas comparado com muitos episódios desta época da história brasileira, a Cabanagem é relativamente bem documentada, e somente uma pequena fração da documentação relevante já foi levantada.

O que você considera mais importante na documentação que encontrou em Londres?

Ela esclarece definitivamente a natureza da participação da Inglaterra na Cabanagem, e dos países estrangeiros, de modo geral, que tem sido um ponto polêmico, porém pouco documentado, na historiografia. E de longe o fato mais importante é a correspondência secreta, que mostra como o governo imperial tentou armar uma intervenção militar estrangeira no próprio território brasileiro, um fato extraordinário e inédito.

Quais as causas, diretas e indiretas, da Cabanagem, no seu entendimento?

Direta, uma briga política entre facções da elite regional, e a decisão de uma facção de armar o povão. Indiretamente, um contexto de tensão racial e exclusão econômica, e de ódio contra os portugueses, que sobreviveu, embora em formas mais brandas, durante décadas depois da Cabanagem. Essa é uma das coisas mais interessantes e menos escritas na história da Amazônia.

Você acha que a Inglaterra, se quisesse, podia ter se aproveitado da proposta apresentada pelo regente Feijó para se estabelecer na Amazônia e transformá-la em mais uma das suas colônias? Por que isso não ocorreu?

Militarmente, sem dúvida. Tinha capacidade e o fato de que não o fez demonstra muitas coisas interessantes sobre a natureza do imperialismo britânico na época. Não o fez porque, em primeiro lugar, não precisou. Já dominava o comércio exterior do Brasil. Seus comerciantes trabalhavam no Brasil sem muito impedimento, conseqüência do lugar privilegiado que a Inglaterra conquistou no Brasil a partir da época da transladação da família real portuguesa, em 1808.

Era mais eficiente do que construir um império à portuguesa quinhentista. Ou seja: controle de pontos estratégicos no litoral e domínio das rotas marítimas. O imperialismo britânico funcionava assim até a segunda metade do século 19, quando os vitorianos estragaram tudo com suas idéias tolas de missões civilizadoras. Quando os seus comerciantes foram ameaçados, reagiram, como no caso da Cabanagem.

Mas acredito que o arquivo britânico demonstra, com a maior clareza possível, a primazia dos interesses comerciais sobre os políticos. Quem quiser imaginar complôs ou segredos para desmembrar o país, como ainda se vê até hoje em alguns círculos militares e nacionalistas, que se ache nos arquivos do próprio governo brasileiro da época, porque existem!

Os cabanos estabeleceram um governo popular em Belém quatro décadas antes da Comuna de Paris. Você concorda em que essa precedência faz da Cabanagem um movimento precursor, uma antecipação ao seu tempo? Que avaliação você faz dos governos cabanos?

Não sei responder muito bem a esta pergunta, porque uma resposta adequada deve ser baseada em documentos, e não os examinei ainda, embora devam existir alguns no Arquivo Público, em Belém. Acho difícil comparar a Cabanagem e a Comuna. A Comuna teve a participação de muitos ideólogos alfabetizados, o que não foi o caso da Cabanagem. As raízes da Cabanagem estão na história social e econômica da Amazônia nas décadas desde a época pombalina - eu olharia mais para trás para explicá-la, não para o futuro. E não sei até que ponto que eu chamaria os governos cabanos de verdadeiramente populares. As lideranças - os Vinagre, Angelim - jamais foram populares, por exemplo. Às vezes, acho que a tradição esquerdista da historiografia brasileira procura exemplos de governos populares quando a realidade era bem mais complicada.

Como você situaria a Cabanagem no contexto da sua época?

A maior e, de longe, a mais interessante das rebeliões provincianas que sacudiram o país ate a década de 1840. Uma janela direta para a especificidade do norte do Brasil, comparado com o resto do país; a complexidade racial, com a presença indígena, a maior influência da presença portuguesa, e a vingança contra eles, proporcionalmente mais violenta. O fato de que nunca foi uma rebelião separatista, no sentido de querer se separar do Brasil. A profundidade do ódio pessoal entre duas facções de elite, ambas escravocratas, ambas privilegiadas economicamente, e ambas demonstrando uma absoluta falta de astúcia ou de vontade de negociar, provocando uma conflagração que era (e é!) sem precedentes, em termos de escala, na história do Brasil. Uma tragédia shakespeariana.

Por que é tão pobre a bibliografia sobre a Cabanagem? De quais leituras você obteve informações importantes para sua compreensão?

Não sei, e sempre me estranhei sobre isso. Tem o Rayol, que continua a fonte fundamental, e o livro de Vicente Salles, Memorial da Cabanagem, que, embora não concorde com tudo o que diz, é um livro de primeira qualidade. Tem a obra de [Jorge] Hurley, na década de 1930, que resgatou uma série de documentos importantes. O resto da bibliografia é, me desculpe, extremamente provinciana, marcada por preconceito ideológico e uma falta de interesse em localizar ou analisar os documentos do episódio, primeiro dever do historiador. Nem todo mundo pode pesquisar na Europa, mas há muitos documentos ainda no Arquivo Público do Pará, que os pesquisadores e estudantes locais deviam estar trabalhando, e não estão - ou, se estão, não estão publicando.

A Cabanagem, mal conhecida e muito falada, tornou-se um mito para os habitantes da Amazônia?

Sim, porque houve o descaso de não levantar os documentos e fazer um historia bem feita, com a exceção de Rayol e Salles. Mitos florescem na ausência de pesquisa.

Os centros mais importantes do Brasil praticamente desconhecem a Cabanagem. A situação continua a mesma, hoje, apesar de tudo o que se fala sobre a Amazônia?

Sim, infelizmente. A história da Amazônia continua sendo um campo de pesquisa que não atrai o número de pesquisadores que a sua importância merece. E o resultado da ignorância da sua história está aí: políticas públicas mal concebidas, muitas vezes repetindo os erros pombalinos do passado, e investimentos desastrados pelas entidades multilaterais e estrangeiras, que conhecem a região bem menos do que seus comerciantes da época da independência. Uma das coisas deprimentes é que às vezes a documentação mostra que os comerciantes, diplomatas e militares da década de 1830 eram mais sagazes do que seus colegas de hoje.

Vai ser preciso um brazilianist ou um amazonólogo estrangeiro se interessar pelo tema e publicá-lo fora do Brasil para que os nacionais descubram a Cabanagem?

Não. Não há falta de pesquisadores brasileiros e amazônicos competentes. Espero que não.

Você pretende continuar a se dedicar ao assunto ou ele é algo lateral no seu esforço de pesquisa?

Nem tanto como eu quero. Trabalho numa entidade ambientalista que tem outras prioridades. Mas tudo o que faço é de certa forma vinculado com meu conhecimento da história da Amazônia, e neste sentido nunca deixarei a trabalhar com a Cabanagem. Espero um dia achar o tempo de escrever mais uns artigos, ou talvez um livro, reunindo as fontes estrangeiras e as comparando com material brasileiro, enfocando o papel dos estrangeiros no episódio e o ele que demonstra sobre a natureza do imperialismo na América Latina e a Caribe da época. Mas não sei se - e quando - terei tempo de fazer isso. O melhor para mim seria orientar um historiador brasileiro, de preferência paraense, sobre o tema. Assim, eu sentiria que levando estes documentos para o Pará estava, de certa forma, ajudando a fortalecer a historiografia local, em todos os sentidos.

Que projeto você está desenvolvendo atualmente relacionado à Amazônia?

Trabalho na TNC do Brasil, sigla de The Nature Conservancy, uma entidade ambientalista. Basicamente, procuro fortalecer a capacidade institucional dentro da Amazônia para lidar com vários aspectos de questões ambientais na região. Quando os meus dois nenens me permitem, escrevo um livro sobre a história ambiental da Amazônia, que espero publicar dentro de cinco anos. A editora está sendo paciente.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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