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O padre Orsini e a ilha de Fidel

Cláudio de Oliveira - Maio 2015
 

Em 1979 eu era estudante secundarista no Colégio Salesiano São José, escola da Igreja Católica em Natal. Apesar de então o Brasil ainda viver sob um regime ditatorial, eram tempos de abertura política e de relaxamento da censura. Temas antes proibidos passaram a circular pela imprensa e pelos livros.

Foi assim que comprei o livro A Ilha, um relato da viagem que o jornalista e escritor Fernando Morais fizera a Cuba, à época comandado por Fidel Castro. Curioso sobre a vida naquele país comunista proibido aos brasileiros, comecei a ler o livro no intervalo de aula no pátio da escola.

Coincidentemente, passava por ali o diretor do colégio, o padre Orsini, que me viu ler a publicação, cuja capa portava uma foto do líder cubano. O padre se aproximou e gentilmente perguntou se o livro era sobre a ilha caribenha. Confirmei. E ele comentou, sorridente:

– Em matéria de socialismo, prefiro o sueco.

E seguiu para a sua sala. Apesar de já àquela altura fazer charges para jornais esquerdistas como o Pasquim e o Em Tempo, não concordei nem discordei do diretor. Aos 16 anos, simplesmente pouco conhecia seja a experiência cubana, seja a do país escandinavo.

Dali a poucos anos, ingressei no antigo Partido Comunista Brasileiro. Posso testemunhar que jamais vi qualquer atitude anticlerical entre os seus dirigentes. Antes, aprendi a admirar e a respeitar líderes católicos, como, por exemplo, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Hélder Câmara, que atuaram firmemente em prol da democracia e dos direitos humanos naqueles tempos difíceis.

Talvez estivesse ali o legado intelectual de um dos mais significativos nomes do PCB do Rio Grande do Norte, o jornalista e ex-deputado Luiz Maranhão. Desaparecido político, era entusiasta do Concílio Vaticano II e acreditava no diálogo entre socialistas e católicos para a promoção de um mundo de paz e solidariedade.

Com o tempo, dentro do PCB, passei a me identificar com os chamados eurocomunistas, adeptos de um socialismo democrático, cuja grande expressão era o PC italiano e o seu secretário-geral, Enrico Berlinguer, defensor do "compromisso histórico", uma aliança entre o seu partido e o Democrata Cristão com o objetivo de modernizar a Itália.

Com o fim da Guerra Fria, o PCI mais a ala progressista da Democracia Cristã, liderada pelo católico Romano Prodi, juntamente com os remanescentes do Partido Socialista, se uniram na fundação do Partido Democrático da Esquerda, hoje Partido Democrático, agremiação do atual primeiro-ministro Matteo Renzi.

Passada um década daquele encontro no pátio do colégio salesiano, voltei a me lembrar do Padre Orsini. Em 1989, era estudante na Tchecoslováquia, na Escola Superior de Artes Industriais da Universidade Carlos, e testemunhei o fim do chamado socialismo real. Na escola, conheci estudantes escandinavos e alemães, que, assim como os tchecos, não demostravam entusiasmo pelo modelo de socialismo soviético. Mas, ao contrário de muitos colegas tchecos, eles não tinham ilusões em relação a um capitalismo liberal de tipo norte-americano. Eram mais simpáticos ao modelo europeu ocidental de economia de mercado com regulamentação social.

O grau de consciência crítica de colegas finlandeses que conheci no Instituto de Língua Tcheca me chamou atenção. Será que nos países do Leste o socialismo teria sido uma imposição de uma vanguarda política bem intencionada, porém desastrada? Na Suécia, as conquistas sociais foram fruto do debate democrático permanente naquele país desde que em 1932 a social-democracia ganhou as eleições? Teria razão o padre Orsini?

Vendo a foto no jornal da recente audiência do Papa Francisco com o líder cubano Raúl Castro, mais uma vez me recordei do padre salesiano. Tanto a Igreja Católica de Cuba quanto o Vaticano tiveram papel relevante para o restabelecimento das relações diplomáticas entre a ilha e os Estados Unidos, passo necessário para virar a página da Guerra Fria em nosso continente.

Por coincidência, dias antes daquele encontro, havia assistido um documentário sobre a vida do primeiro-ministro sueco Olof Palme, assassinado em 1986. Palme foi o primeiro líder ocidental a romper o bloqueio norte-americano, ao visitar Cuba em 1975. O líder social-democrata afirmara na ocasião que o boicote econômico à ilha apenas prejudicava o povo cubano. Argumento agora usado pelo presidente Barack Obama para pedir o fim do bloqueio ao Congresso norte-americano.

Talvez aqui esteja a chave para que os comunistas cubanos saiam do seu labirinto. Líderes como o presidente da França, François Hollande, deveriam encorajar o regime cubano a se abrir ao mundo, a buscar uma democracia pluripartidária e uma abertura econômica. Em troca, ofereceriam cooperação econômica e tecnológica, bem como o apoio a uma economia social de mercado na qual as conquistas da Revolução de 1959, como na saúde e na educação, há muito em risco pelas dificuldades econômicas, deveriam ser preservadas.

Um caminho que pode ter o apoio de amplos setores da opinião pública progressista mundial.

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Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista.

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PS.: o interessante documentário sobre Olof Palme está disponível no Youtube, legendado em inglês. O trecho da visita de Palme a Cuba pode ser visto em outro vídeo, narrado em sueco. Vale pelo colorido das imagens. Podem ser acessados nos seguintes endereços:

https://www.youtube.com/watch?v=DUpMspjc-ZY

https://www.youtube.com/watch?v=5C9YTtLXXfs

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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