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Dragão chinês cada vez maior

Lúcio Flávio Pinto - Junho 2015
 

A globalização tem induzido a abertura dos países a um regime de trocas cada vez mais franco. É uma marca positiva dos nossos tempos. Mas é saudável que um dos seus efeitos seja a perda da soberania do país? Esta é uma das questões mais importantes do momento. O Brasil, que sempre foi uma nação colonial, vinculada (ou atada) a um poder dominante, parece estar entrando numa nova etapa dessa dependência, talvez mais grave do que as anteriores - ou, pelo menos, tão desfavorável. O polo controlador, agora, é chinês.

Os chineses estão avançando sobre a logística de transporte, de geração e de distribuição de energia no Brasil e, em particular, na Amazônia. Missões empresariais, políticas e diplomáticas repetem visitas ao país para consolidar sua presença e exercer pressão para obter determinadas vantagens. Os resultados são promissores, sobretudo agora, em que o Brasil está com baixa liquidez, carente de capitais para fechar suas contas e manter investimentos.

Essa ofensiva teria um grau de risco próprio do sistema comercial se dele participassem apenas empresas privadas. No caso da China, entretanto, essa circunstância é onerada pelo fato de que as empresas de ponta da sua economia são estatais, funcionando em regime híbrido: praticando regras de mercado, mas sujeitas ao controle político do governo, por sua vez conduzido por um partido único. É um partido comunista, que pratica o centralismo decisório, mas podia ser outro tipo de partido, tão problemático pelo monopólio de poder que possui.

O ingresso mais recente de uma empresa japonesa na região é o da Cwei Brasil Participações, subsidiária integral da China Three Gorges Corporation. Estatal, ela assumiu, em novembro do ano passado, o controle acionário da hidrelétrica de São Manoel, localizada na bacia do rio Teles Pires, formador do Tapajós, entre Mato Grosso e Pará. A Cwei comprou 50% da participação de 66,7% que a EDP tinha no empreendimento. Os restantes 33,3% são da estatal brasileira Furnas.

O consórcio Terra venceu o leilão de São Manoel em dezembro de 2013, habilitando-se a construir e operar a usina, com capacidade para 700 megawatts, durante 30 anos. O consórcio se comprometeu a iniciar a entrega da eletricidade em maio de 2018. Seu problema agora é conseguir os recursos necessários para realizar a obra, calculados em 2,7 bilhões de reais, dos quais 66% seriam obtidos através de financiamento de longo prazo.

O grupo EDP/Furnas vinha encontrando dificuldades de acesso a empréstimos de custo viável porque a agência de risco Moody’s a rebaixou, por falta de garantias seguras. O ingresso da Cwei pode modificar essa situação e viabilizar o projeto. Mais um sob o domínio da China. A Três Gargantas é dona da linha de transmissão da energia da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, a de mais alta tensão do país, com extensão de dois mil quilômetros e investimento de cinco bilhões de reais. Deverá entrar em operação em 2018, levando a energia produzida na área central do Pará até Minas Gerais e daí para o sul e sudeste do país.

A mineração é outro foco chinês prioritário. Em menos de um ano, o minério de ferro de Serra Sul, em Carajás, entrará no mercado. Toda a sua produção, que chegará a 90 milhões de toneladas, praticamente dobrando o que Carajás já fornece, estará garantida por um contrato bilionário que a Vale assinou, no mês passado, com bancos da China. Em troca de uma compra quase integral do que sairá da jazida de S11D, o maior projeto de mineração em curso no mundo, os chineses receberão o minério mais rico que existe, com teor de 67% de hematita contida na rocha.

Para se ter uma ideia da qualidade do produto, a mineradora brasileira está lançando o Brazilian Blend Fines, um novo produto, superior ao minério padrão do mercado, com teor de 63% de ferro, em condições de competir com os melhores minérios da Austrália, que é a líder mundial em volume físico.

O problema é que o melhor produto australiano, como o Brockman Premium, deverá acabar em menos de 14 anos. Ele é usado principalmente para elevar o teor e viabilizar outros minérios australianos de mais baixa qualidade, que são os predominantes. Se a situação já se tornará difícil para os australianos com esse produto, ficará pior quando o S11D entrar em operação.

As maiores mineradoras australianas, a Rio Tinto e a BHP, com a queda do preço da commodity, pareciam não ter mais competidores com os quais dividir a liderança. Com os custos operacionais abaixo de 20 dólares a tonelada, a RTZ assumia o alto da pirâmide das mineradoras, tendo atrás de si a BHP.

A questão agora é que a mais nova mina de Carajás, com previsão de entrar em funcionamento no início de 2016, terá um custo de US$ 11 a tonelada, graças ao seu excepcional teor de pureza, sem igual no mundo. Bom para a Vale, ótimo para os chineses. E para o Brasil?

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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