O ano de 2018 chegou. A razão disso está no fato de que a polarização polÃtica sofreu um claro deslocamento. Depois do impeachment, tudo indicava que ela ficaria contida no encarniçado embate da oposição contra o governo, com a primeira vociferando contra a legitimidade do segundo. Os ecos dessa retórica tornaram-se, dia a dia, menos audÃveis e as mobilizações, cada vez menores.
2018 chegou e a polarização deslocou-se para a dimensão polÃtico-eleitoral. A mudança é perceptÃvel e com ela os dois polos em contraposição deixaram de ser o PT e o PSDB, substituÃdos por duas postulações à Presidência da República. Lula expressando uma esquerda de discurso sectário em pugna com a direita extremada de Jair Bolsonaro, que representa a mesma coisa em sentido inverso. Na imprevisibilidade reinante, ambos podem chegar inteiros ou acabados a 2018, e, ao invés do acirramento da polarização, paradoxalmente, o discurso dos polos pode se voltar contra postulações diferenciadas que venham a surgir.
Porém, este é um quadro incompleto. O centro polÃtico, combatido historicamente pelo PT e conspurcado nos seus governos, é ainda o grande ausente. Ao centro, a fragmentação é expressiva, o que leva a prever grande dificuldade eleitoral para esse campo, que poderá lançar um ou mais postulantes.
Não resta dúvida de que uma postulação ao centro, especialmente se for como expressão de um campo democrático, representaria a reintrodução na cena polÃtica de um ator indispensável à estabilidade, com vistas a projetarmos avanços civilizatórios dos quais o PaÃs se afastou injustificadamente. Por opção e convicção, Lula e Bolsonaro ocupam extremos opostos e revelam uma evidente ausência de cultura polÃtica democrática que possa fazê-los se aproximar produtivamente do centro polÃtico. Uma recomposição do centro teria, pelo menos, a virtude de gerar a expectativa de superação da polÃtica de facções que se instalou nos últimos anos, comprometendo nossa convivência polÃtica.
Tema complexo, é um equÃvoco imaginar que o centro seja algo fixo, incapaz de se ressignificar. Ele se tornou relevante polÃtica e analiticamente na avaliação das democracias europeias do pós-guerra. Os restos do fascismo, a presença da esquerda comunista e socialista e a emergência da guerra fria jogaram luz em correntes polÃticas que buscavam afastar o perigo de os extremismos alcançarem o poder. Desse lugar "defensivo" nasceram e se afirmaram as seguidas metamorfoses do centro polÃtico, que ainda marcam nosso tempo.
Nem sempre o centro foi ocupado por um partido hegemônico equidistante entre a direita e a esquerda, responsável pelo equilÃbrio do sistema polÃtico. No Chile, por exemplo, o Partido Radical cumpriu esse papel, mas quando a Democracia Cristã (DC) assumiu seu lugar, no final da década de 1950, o centro polÃtico assumiu nova configuração, passando a ser um centro "excêntrico", ou seja, mais um polo do sistema polÃtico, perdendo a função anterior de equilÃbrio. Essa não foi a causa principal, mas foi determinante para que a democracia ruÃsse em 1973. Na Itália, as lições do Chile levaram o Partido Comunista Italiano e a DC a projetarem o famoso compromesso storico, que ressignificaria o centro polÃtico a partir da esquerda, mas essa estratégia fracassou.
A polÃtica brasileira desconhece um partido de centro como fator de equilÃbrio. Antes de 1964, a exclusão do PCB dispensava essa função, facilitada também pela ausência de autodefinição de um ou vários partidos "de direita". A nossa geografia polÃtico-partidária, cheia de claros e escuros, foi o inverso da chilena, o que não nos aliviou da ocorrência de golpes de Estado no correr do século 20. Aqui, o centro é ocupado de forma instrumental, produzindo inercialmente uma lógica centrÃpeta que conduz e reproduz o sistema.
Durante o perÃodo militar, afirmou-se a disjuntiva "situação" e "oposição", simplificando o sistema e fatiando o centro entre os dois polos subalternizados. No interior dessa disjuntiva, lideranças do liberalismo e do comunismo, em "frente polÃtica" contra o regime, arquitetaram uma aliança da esquerda com o centro, abrindo-se a possibilidade entre nós de circulação da noção de "campo democrático". Essa estratégia levou a transição à democracia a bom porto.
Apesar da reprodução da disjuntiva situação/oposição na nova situação democrática, a lógica centrÃpeta permaneceu vigente e se afirmou com a imposição do chamado "presidencialismo de coalizão", que guiou o PaÃs nos últimos anos. Esse arranjo se sustentou fundado em consensos fáticos, como as reformas sociais inclusivas, uma competição eleitoral aceitável, mesmo com graves distorções na representação, e um controle fiscal legitimado.
A conexão desses três pontos se desfez nos governos Dilma. Em termos fiscais, o impacto da decomposição se mostrou insustentável. Foi isso que impulsionou o impeachment, com apoio efetivo de massas. Não corresponde à verdade, portanto, a lenda de que o impeachment ocorreu para resguardar os parlamentares do PMDB do alcance da Operação Lava Jato. Essa é uma interpretação tão simplista quanto ideológica.
O pós-impeachment ensejava o retorno da polÃtica e uma reconfiguração do centro. Contudo, o PMDB, carro-chefe do "Centrão", que se sustentou nos governos petistas e hoje sustenta Temer, perdeu a grande oportunidade de levar adiante projetos de reforma que poderiam criar uma nova base programática para futuros consensos.
Não é equivocada a avaliação de que, do ponto de vista democrático, o centro polÃtico foi perdido e não será fácil recuperá-lo. Repor a convivência polÃtica como terreno comum e postular uma reforma do Estado, com vistas ao bem-estar efetivo da população, podem se constituir em pontos de partida para uma nova combinação entre "reforma social" e democracia polÃtica, a ensejar um novo "arranjo centrista" entre nós.
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Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp
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