Com a maior parte dos votos apurados, o resultado do plebiscito já está definido: haverá assembleia constituinte no Chile, a ser eleita especificamente para esse fim, no começo de 2021, respeitada, na sua composição, a paridade por sexo. Ao final dos seus trabalhos, a nova Carta substituirá a Constituição vigente, elaborada em 1980, para atender as demandas do regime militar.
Tudo aponta para ganhos expressivos na perspectiva do avanço da democracia: o que resta do entulho autoritário deve ser removido e é de esperar que ocorram mudanças significativas tanto no regramento polÃtico eleitoral do paÃs quanto na definição mais precisa dos direitos sociais a que fazem jus os cidadãos chilenos.
Afinal, cabe lembrar, a convocação do plebiscito respondeu a uma séria crise de legitimidade do sistema, expressa na onda de manifestações de massa que se espalharam pelo paÃs em 2019. O que parecia ser, aos olhos do observador externo, um caso de sucesso incontestável, que conjugava crescimento econômico com redução das desigualdades, em ambiente de polÃtica democrática, revelou-se de súbito apenas como calmaria de superfÃcie que encobria a tempestade nas profundezas.
Como em nosso 2013, o estopim foi o preço dos transportes, seguido da vocalização por melhores e mais acessÃveis serviços públicos, principalmente no que se refere à previdência, saúde e educação. Lá como cá, as tarefas são semelhantes: injetar responsabilidade e legitimidade no sistema polÃtico e reformar radicalmente a máquina do Estado, de modo a assegurar a provisão de bens públicos de qualidade a custos acessÃveis. Talvez os constituintes chilenos logrem sucesso no ponto em que falharam, até o momento, tanto Executivo quanto Legislativo no Brasil.
Outro ponto merece a comparação entre nosso caso e o chileno. Entre nós, a onda de manifestações começou a declinar com a proliferação de atos de violência anônima contra o patrimônio imobiliário de empresas e do Estado, que teve como momento de maior impacto midiático o começo de incêndio a que foi submetido o palácio do Itamarati. A partir de então, a dinâmica se repetiu. Manifestações pacÃficas eram seguidas, após o crepúsculo, por depredação e confrontos com as forças policiais.
No Chile, o mesmo roteiro foi ensaiado. No entanto, cedo ficou demonstrada a responsabilidade de provocadores por essas ações, interessados em retirar a legitimidade democrática das manifestações de massa. Ao contrário do Brasil, no Chile a causa da democracia ainda está na ofensiva.
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Sociólogo, diretor da Fundação Astrojildo Pereira
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