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Carlos Nelson Coutinho na batalha das idéias

Rodrigo C. Branco - Setembro 2006
 

Carlos Nelson Coutinho. Intervenções: o marxismo na batalha das idéias. São Paulo: Cortez, 2006. 191p.

As prateleiras e estoques das livrarias nacionais foram tomadas de assalto, em uma espécie de "guerra de movimento", por volumes de auto-ajuda e da sensibilidade pós-moderna. Estamos diante da chamada "lógica cultural do capitalismo tardio". O mercado editorial brasileiro, contudo, conserva nichos de resistência, produzindo e editando títulos que vão contra a corrente. A Cortez Editora acaba de nos brindar com o lançamento de um livro engajado, embebido do pessimismo da razão e do otimismo da vontade. Estamos falando do livro Intervenções: o marxismo na batalha das idéias, de Carlos Nelson Coutinho.

A pena de um dos mais importantes filósofos políticos nacionais continua afiada, jorrando, da sua ponta tinteira, sólido conhecimento teórico e "análises concretas de situações concretas" sobre o Brasil contemporâneo. Impossível ficar indiferente. Para quem deseja encontrar chavões teóricos e palavras de ordem desbotadas pelo tempo, aqui vai um aviso: a leitura do livro não é recomendada. Porém, para as pessoas ávidas por aprenderem algo novo, pensando por conta própria, o livro vale cada centavo.

O volume, na verdade, é uma coletânea de intervenções orais e escritas realizadas, desde 2000, em diversos espaços culturais, acadêmicos e midiáticos. São ao todo onze capítulos: 6 conferências e 5 entrevistas, todos com referência da publicação original. Os textos reunidos, na sua grande maioria, são curtos, de fácil leitura, despidos do linguajar acadêmico. São poucas citações literais, o que torna o livro atraente para estudantes, professores e, de certa forma, para o público em geral.

Vale ressaltar, entretanto, que o leitor encontrará inúmeras referências a pensadores e seus respectivos conceitos. Rousseau, Hegel, Marx, Lenin, Lukács, Walter Benjamin, Marcuse, entre outros, são personagens freqüentes nas páginas do título; e, como não poderia deixar de ser, para quem já conhece a obra de Carlos Nelson Coutinho, Gramsci rouba a cena, estando presente de todos os atos, quer dizer, em todos os capítulos.

Por questão de espaço, não abordaremos capítulo por capítulo. Nosso objetivo é escrever sobre os principais temas tratados em Intervenções, que, segundo o próprio autor, são perpassados por um fio vermelho, em uma "tentativa de contribuir para uma análise marxista de importantes problemas teóricos, políticos e culturais do presente, com especial atenção para sua repercussão na batalha das idéias que se trava hoje no Brasil" (p. 11). Falaremos, inicialmente, dos embates teóricos, para, em seguida, tratarmos das questões políticas. Como as passagens sobre cultura são muito difusas e esparsas (a maior concentração está nas páginas 101-10), iremos deixá-las de fora. Indicamos, todavia, a leitura do livro Lukács, Proust e Kafka: literatura e sociedade no século XX, recentemente lançado por Carlos Nelson pela editora Civilização Brasileira.

A verve polêmica do autor está em plena forma. Desde a publicação dos seus primeiros estudos, Carlos Nelson Coutinho afirma-se como um pensador engajado em várias frentes de combate. De um lado, argumenta contrariamente às principais teses das ciências burguesas, fragmentadoras do conhecimento e naturalizadoras dos fatos sociais, concedendo ao capitalismo uma aura divina, como se fosse o fim da história. Neste ponto, os diálogos críticos são com os racionalistas formais, os irracionalistas pós-modernos e os neoliberais.

De outro lado, Carlos Nelson não se furta a polemizar com pensadores marxistas que insistem em tratar a tradição inaugurada por Marx e Engels como uma ortodoxia dogmática. O autor reafirma sua interpretação do marxismo a partir de um ponto de vista herético e revisionista, respeitando o pluralismo dento da tradição, mas ressalta o que considera ser o núcleo duro do marxismo: o humanismo, o historicismo e a razão dialética. Seus principais alvos, neste caso, são as teses da III Internacional e os estruturalistas, em particular, Louis Althusser e seus discípulos.

Tais polêmicas não são destituídas de um sentido maior. O objetivo do autor é criar uma "imagem do Brasil", ou seja, elevar a conceito as especificidades da via não-clássica do nosso país para o modo de produção capitalista. Para isto, Carlos Nelson recorre à categorias leninista e gramsciana – via prussiana e revolução passiva, respectivamente – e a análises de Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes, além de citar Nelson Werneck Sodré e Chico de Oliveira. Carlos Nelson pondera que a leitura dos clássicos, nacionais e internacionais, é obrigatória, condição necessária, mas não suficiente, para o marxismo reafirmar-se como "a mais lúcida análise crítica do capitalismo" (p. 82) ou, nos dizeres de Sartre, como a filosofia insuperável do nosso tempo (cf. capítulo 5).

Na temática política, que ocupará grande parte da atenção do leitor, diversos assuntos são abordados, como sociedade civil e o "terceiro setor" (cf. capítulo 2), partido político, os novos movimentos sociais, a redifinição do sujeito revolucionário (fundado no mundo do trabalho), o neoliberalismo e o triunfo da "pequena política", a desilusão com os rumos do Partido dos Trabalhadores (PT) e a capitulação do governo Lula perante o capital financeiro.

Destacamos, contudo, o debate sobre democracia e sua ligação com a práxis socialista. Inscrito na tradição democrática moderna e tendo feito escola no eurocomunismo italiano, Carlos Nelson Coutinho defende, em contraposição aos liberais (Locke, Constant, Tocqueville, Kant, Mosca, Weber, Schumpeter, Bobbio), uma visão, por assim dizer, maximalista da democracia, aqui entendida não somente como política e representativa, mas que assimile, numa superação dialética, elementos socioeconômicos e a participação plena, efetiva e autônoma dos indivíduos na construção de uma comunidade igualitária e libertária.

Esta defesa de uma democracia substantiva ocorre porque o autor entende, nas trilhas de Rousseau, que "não há democracia efetiva onde existe excessiva desigualdade material entre os cidadãos" (p. 26, grifos do autor). E, para elevar ainda mais o tom da polêmica, sentencia: "Não há socialismo sem democracia, sem dúvida, mas tampouco há democracia plena sem socialismo" (p. 134).

Por último, antes das considerações finais, gostaríamos de destacar uma breve nota crítica: a obra contém, por fechar o foco nas análises sobre o nosso país, poucas referências à conjuntura política internacional, marcada pela nova fase do imperialismo e momentos de ebulição nos seus elos fracos, em particular na América Latina.

Nada disto, porém, tira o brilho das novas intervenções do professor Carlos Nelson Coutinho nas disputas ideológicas do momento, marcadas pela cooptação e capitulação de antigos intelectuais progressistas, muito deles egressos do marxismo. Este, definitivamente, não é o caso do nosso autor, que, mais uma vez, prova a coerência da sua trajetória e a pertinência e atualidade do marxismo na batalha das idéias.

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Rodrigo Castelo Branco é economista, mestre em Serviço Social (UFRJ) e pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas (Lema), do Instituto de Economia da UFRJ.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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