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Belo Monte: agora é caminho sem volta?

Lúcio Flávio Pinto - Janeiro 2013
 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, começou a realizar, no final do ano passado. o maior empréstimo da sua história de 60 anos: numa sexta-feira de fim do expediente bancário de 2012, 28 de dezembro, liberou a primeira parcela, de 5,2 bilhões de reais, de um total de R$ 22,5 bilhões que comprometeu com a construção e operação da hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu. É a maior obra de infraestrutura em andamento no Brasil. Quando concluída, será a quarta maior usina de energia do mundo.

Para se ter uma ideia de valores, o orçamento para 2013 do Pará, onde a hidrelétrica está sendo construída, é de R$ 13 bilhões. Esses recursos devem ser suficientes para cobrir todas as suas despesas de custeio e capital, com mais de 100 mil funcionários públicos, jurisdição sobre 1,2 milhão de quilômetros quadrados (o 2º maior território do país) e população de 7,5 milhões de habitantes (a 9ª maior).

Os recursos estaduais destinados especificamente aos investimentos, porém, não passam de R$ 300 milhões (vão se multiplicar através de bilionária operação de crédito). Em atividades de compensação pelos danos que deverá causar e para poder entrar em funcionamento, os construtores de Belo Monte dizem já ter aplicado R$ 700 milhões na área de influência da usina, em torno de Altamira, a principal cidade da região.

Em um ano e meio de construção, iniciada em junho de 2011, Belo Monte engoliu R$ 6 bilhões. Desse montante, R$ 2,8 bilhões foram recursos próprios da Norte Energia, uma sociedade de propósito específico (SPE) formada pelas estatais Eletrobrás, Chesf, Eletronorte, Petros, Funcef, e Cemig, e pelo grupo Neoenergia, Light, J. Malucelli Energia, Vale (ex-estatal) e Sinobras. O controle do capital é amplamente estatal, embora a SPE tivesse sido concebida como empresa privada.

Dos R$ 5,2 bilhões liberados, 3,1 bilhões foram creditados imediatamente na conta da Norte Energia. Os outros R$ 2,1 bilhões ficaram disponíveis em 2 de janeiro junto aos agentes financeiros repassadores. A Caixa Econômica Federal responde pela maior parcela, de R$ 1,6 bilhão, e o banco particular BTG Pactual pelos restantes 464 milhões.

Explica-se a diferença pela origem do dinheiro. O que o BNDES depositou de pronto se origina do caixa do tesouro nacional, como boa parte dos recursos que fizeram o banco brasileiro superar em ativos o Banco Mundial, financiando empresas nacionais com pretensão a multinacionais. É capital de risco lato senso: se não retornar, a viúva pagará a conta.

Já o dinheiro repassado indiretamente vem do caixa do BNDES, que se alimenta do Fundo de Amparo ao Trabalhador, de recursos próprios e de outras fontes. A Caixa e o BTG Pactual respondem pelas garantias - naturalmente, cobertos por taxas de seguros. Elas encarecem o valor do dinheiro, mas lhe dão maior segurança.

Foi essa retaguarda financeira, fortalecida pelo aval da União, tanto técnico quanto político, que permitiu a Belo Monte encerrar 2012 apresentando resultados comemorados efusivamente. A obra começa agora sua fase mais intensa: o rio Xingu, um dos maiores do mundo, foi parcialmente desviado pela primeira ensecadeira, uma barragem de areia e pedra com 1.200 metros de extensão. O desvio se completará com a segunda ensecadeira, 100 metros maior.

O interior do círculo formado por elas será secado e dentro dele iniciada a construção da barragem de concreto de montante, do vertedouro principal e da casa de força secundária, que irá gerar 2% da potência da casa de força principal, 50 quilômetros abaixo. As obras principais serão construídas a seco graças a esse desvio, algo inédito em hidrelétrica desse porte. É o que garantirá a celeridade na sua implantação.

A sintonia política e econômica dos construtores da grande hidrelétrica com o governo federal responde pelos resultados até surpreendentes alcançados. Embora o canteiro de obras tenha sido paralisado por manifestações de protesto, algumas das quais seguidas de depredações das instalações e equipamentos, que provocaram 148 dias de paralisações, 20% do cronograma físico já foram executados, conforme estava previsto.

Para intensificar ainda mais os trabalhos, a Norte Energia prevê dobrar neste ano o saldo de investimentos, chegando a R$ 12 bilhões dos R$ 28,9 bilhões de custo final da usina. O número de trabalhadores previstos para essa etapa pulou de 23 mil para 28 mil.

Em função de todas as providências que têm sido adotadas para compensar os imprevistos e superar os problemas, sobretudo pela reação dos que se opõem à construção da hidrelétrica, certamente o valor de chegada de Belo Monte será maior do que os atuais R$ 28,9 bilhões.

O governo reage às críticas repisando o caráter estratégico de uma usina que diz representar 33% da expansão de capacidade de energia prevista para o Brasil entre 2015 e 2019. E promete: a primeira das 24 turbinas de Belo Monte começará a funcionar em fevereiro de 2015; a última, em janeiro de 2019.

Belo Monte já é um caminho sem volta?

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

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Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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