Busca:     


O voto italiano e o Partido Democrático

Alfredo Reichlin - Abril 2008
Tradução: Josimar Teixeira
 

Com o voto de 13 de abril, fechou-se um ciclo político. A simplificação do quadro político aconteceu, e isso é positivo. É boa coisa ter enxugado aquele enxame de 20-30 pequenos partidos, que haviam reduzido a decisão democrática a uma negociação infinita. E é fundamental que este terremoto, que também abalou uma velha esquerda que continua a se dividir, não tenha atingido o verdadeiro coração da esquerda italiana, aquele patrimônio político e moral que foi e continua a ser o mais forte baluarte de uma democracia difícil, bem como aquela cultura que sempre conjugou o caminho das classes trabalhadoras com o interesse nacional.

Pelo contrário. Desta jornada - que certamente não foi uma boa jornada para a democracia - o Partido Democrático emerge como o partido que, com todos os seus limites e as dificuldades da situação, representa a força unitária, reformista e de governo que a Itália até hoje não teve.

Agora, esta força existe. Amealhou um terço dos votos, implantou-se sobretudo nas cidades, mobilizou e organizou forças, suscitou paixões. Pode-se dizer o que se quiser, mas a realidade é que o PD não é um fato midiático e reencontrou sua gente.

Agora, a atenção deve se concentrar na leitura do país tal como se revelou pelo voto. A realidade das coisas supera os esquemas dos politólogos. Começaria assim por observar que, quando um personagem como Berlusconi, que surgiu no distante 1994, volta pela terceira vez ao Palácio Chigi, isso significa que não se trata de um episódio anômalo. É o sinal de uma época que, como tal, deve ser julgada (para fins de memória, o que os historiadores chamam "a era giolittiana" durou menos de dez anos, e o "degasperismo" durou menos ainda). É o sinal de uma condição do país.

Mas tomemos cuidado com os lugares-comuns. Berlusconi não venceu no Norte. A verdade é que, no Norte (sem calcular a Emília), a distância entre PDL (Partido da Liberdade = Força Itália + Aliança Nacional) e o PD se reduziu a 32,1 contra 29,3%. Estamos quase empatados. No Sul é que o "senhor de Milão" triunfa (45 contra 31,5%). A grande novidade do Norte é a Liga, que dobra seus votos. Mas de quem os toma? Quase todos (mais de um milhão) do partido de Berlusconi.

Além dos números, o fato verdadeiro, que dá muito o que pensar, é o sentimento das pessoas (inclusive os operários), é a desconfiança na esquerda e nos sindicatos que se percebe. E a razão disso, creio, não está só nos nossos erros, mas no fato de que uma parte crescente da sociedade não se sente ajudada pelo modo atual de ser do Estado democrático italiano, que não contribui para as pessoas enfrentarem os desafios e os custos da internacionalização. É, pois, o grande problema da democracia moderna que nos diz respeito e que, na Itália, se agrava com a particular ineficiência do nosso Estado.

É evidente, pois, que devemos nos enraizar no território, mas um grande partido deve saber que a resposta ao desafio do mundo novo está em outra parte. Por isso, não creio que a situação tenha se estabilizado. O fato de que a Liga tenha tomado não os nossos votos, mas os de Berlusconi, está abrindo um sério conflito no Vêneto, onde as forças do PDL, da Liga e as nossas quase se equivalem.

Mas a tudo isso deve-se acrescentar a situação do Sul, que é grave, porque o sistema de clientela e o de negócios escusos se reforçaram. Observo os recém-eleitos e me pergunto quem será capaz de não apenas demandar favores, e sim reapresentar a questão meridional não como um problema territorial, mas como a maior questão não resolvida da nação. Todos falam de competitividade. Mas continuo a me perguntar como os italianos (inclusive os do Norte) pensam em enfrentar os desafios do mundo novo e da finança global, se não tiverem por trás de si um Estado diferente, mas unitário.

Este me parece o grande tema que emerge do voto. A crise da nação. Se é assim, o dilema - esclareçamos este ponto - não é se a Itália vai se integrar ao mundo (é lógico que sim: as exportações aumentam), mas como vai fazê-lo. Se o fará reorganizando o imenso patrimônio civil e cultural da nação, o papel do Estado moderno, as novas redes de conhecimento, dos serviços e do capital social, de Siracusa a Bolzano, ou então se será empurrada pela lógica dos "poderes fortes" no sentido de uma secessão silenciosa.

Se, em resumo, esta é a situação, por que o voto deveria criar desorientação? Os problemas são difíceis, mas tornam ainda mais clara a razão histórico-política do PD. E, portanto, também a sua capacidade expansiva potencial além dos limites da soma DS–Margarida. Porque só se fazem alianças em torno das grandes questões. E não iremos a parte alguma, se não soubermos em que mundo grande e terrível se desenrola agora a política italiana.

Fazem rir certas polêmicas sobre o moderantismo. Creio ser muito importante o fato de que exista no cenário italiano um partido da nação. Este não é um velho estribilho. Chamo de partido nacional uma força que não se fecha na província italiana e não se defende do mundo, mas, ao contrário, se considera parte integrante da construção da potência supranacional européia. E só o é, na medida em que for capaz de valorizar toda a grande península que se projeta sobre o Mediterrâneo e no sentido do Oriente. Só em tais bases é que se pode repropor um pacto unitário em Milão e em Palermo.

Por isso, sejam bem-vindas as novas análises sobre a "questão setentrional". Dêem-se ao partido estruturas federais. Porque, no fim das contas, só um forte pensamento histórico-político pode explicar por que se está esgarçando deste modo o tecido identitário da nação e se está esfarinhando o que era uma sociedade de cidadãos, certamente dividida entre ricos e pobres, mas reunida por leis e direitos iguais e por instituições respeitadas. Este não é um problema econômico ou territorial. E há anos o discutimos.

É óbvio que a crise italiana também é econômica, mas continuo a pensar que é, essencialmente, a crise de uma nação. Esta perde identidade por uma razão muito séria: porque não conseguiu superar um desafio que dizia respeito à sua história. Este desafio tem uma data. É a entrada na moeda única e na economia globalizada. O país atravessava um limiar que punha em discussão toda a sua estrutura de economia mista e de forma estatal fraca. Atenção: não só os déficits das finanças públicas, mas toda a sua constituição material, tudo o que existe antes e depois da produção das mercadorias: desde os serviços, a administração pública, a escola, o tipo de compromisso entre Norte e Sul, entre quem está exposto ao mercado e quem está protegido pelo Estado, até a política exterior.

Eis onde perdemos uma batalha fundamental na luta pela hegemonia. Era preciso fazer grandes reformas, produzir idéias originais e não só variantes do "pensamento único" imposto pelos bem-pensantes. Falo de idéias como as elaboradas por personagens de modo algum subversivos, como Beneduce, Mattei, Di Vittorio, Vanoni, Saraceno. Decerto, estes homens operaram em outro tempo. Mas eles não acreditaram nunca que, para fazer a Itália do "milagre", bastava entregar-se ao mercado. Nunca confundiram banqueiros com estadistas.

A verdade é que se criou um vazio, e isso é que abriu o caminho seja para a Liga, seja para o voto siciliano. Mas o voto não criou uma nova hegemonia. O problema estratégico do reformismo italiano é como redefinir o perfil e a forma de Estado com que o país se integra ao mundo. Este problema continua aberto. Logo, é inútil ficar lambendo as feridas. Finalmente, temos um sujeito político pós-novecentista capaz de enfrentar este problema. Veltroni terá esta ambição? Acredito, espero que sim. De outro modo, assistiremos ao paradoxo de que Tremonti [*], e não a esquerda, é quem explicará às pessoas atemorizadas que o modelo liberista do capitalismo global já é coisa do passado.

----------

Alfredo Reichlin foi membro da secretaria, da direção e do comitê central do PCI, além de responsável pelo Departamento Econômico e ministro do "governo sombra" daquele partido. Foi também presidente da Direção Nacional dos DS (Democratas de Esquerda). Recentemente, esteve à frente da comissão responsável pela redação da "Carta de valores" do PD (Partido Democrático). Dirige a Fondazione Cespe - Centro Studi di Politica Economica, em Roma. 

----------

[*] Giulio Tremonti, político e economista da direita italiana, autor de um best-seller econômico, La paura e la speranza. Europa: la crisi globale che si avvicina e la via per superarla (Milão: Mondadori, 2008).



Fonte: L'Unità & Gramsci e o Brasil.

  •