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Atraso de Belo Monte pode custar 4,5 bilhões

Lúcio Flávio Pinto - Janeiro 2015
 

O início do funcionamento da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, projetada para ser uma das maiores do mundo, está atrasado um ano. A primeira das 20 turbinas devia começar a gerar em fevereiro de 2015 - ou menos de um mês, portanto.

No novo cronograma, isso só deverá acontecer no primeiro trimestre de 2016. O concessionário e a Aneel, a agência federal de energia elétrica, discutem sobre a responsabilidade por esse atraso. Se for sua, a Norte Energia terá que comprar de terceiros a energia que será obrigada a fornecer aos consumidores com os quais assumiu compromisso para 1º de fevereiro de 2015.

A conta é de 370 milhões de reais ao mês. Se for confirmado o atraso de um ano, o encargo adicional somará quase R$ 4,5 bilhões, o equivalente a 15% do custo total da usina. A preços de hoje, ela passaria a quase R$ 35 bilhões. O valor do prejuízo em virtude do atraso supera a correção do quanto ela custaria quando o contrato de concessão foi assinado, em abril de 2010, e hoje, que foi de R$ 1,5 bilhão. É um acréscimo impossível de ser absorvido pelo concessionário se ele não puder repassá-lo para a tarifa ou se não dispuser de capital novo para arcar com o prejuízo até poder ser ressarcido. É esse o maior desafio imediato da obra.

Quem leu a manchete de O Liberal da semana passada sobre o assunto e a matéria distribuída pela agência de notícias de O Estado de S. Paulo, usada pelo jornal paraense, deve ter pensado que se trata de mais um derivativo do escândalo da Petrobrás.

O acréscimo feito ao orçamento da hidrelétrica é tratado como "rombo". Se é um rombo, trata-se de desvio de dinheiro púbico através de roubo, propina, maracutaia. E como está em causa a maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), é rombo que não fica a dever à corrupção na Petrobrás.

Por ora, pelo menos, não é isso - ou ainda não é. O ônus de R$ 370 milhões ao mês surgiu porque a usina não ficou pronta na data estabelecida no contrato de concessão para começar a fornecer energia ao Sistema Integrado Nacional, com seus compradores contratados. O concessionário atribui o atraso a fatores externos, que vão desde as manifestações de protesto até demoras nas liberações e autorizações de responsabilidade de órgãos públicos.

Sem essas interferências vindas de fora do canteiro, as obras teriam evoluído no tempo previsto e Belo Monte cumpriria os seus compromissos. E ainda poderia começar a gerar com lucro, segundo a Norte Energia, porque os preços no mercado de energia estão superiores aos assumidos em 2010.

Seus argumentos, entretanto, não foram aceitos pela Aneel, que decidiu impor à empresa as despesas extras pelo uso de energia de terceiros. O contencioso ainda está sujeito a discussões ou revisão e a Norte Energia, na nota que distribuiu para esclarecer a matéria, acredita que poderá mudar a posição da Aneel.

Um dos motivos para o atraso só pode estar na complexidade dos canais de adução de água do reservatório principal para a casa de máquinas, uma inovação temerária em relação ao projeto original. Se for mantido o entendimento do órgão governamental, como essa nova conta será paga, se puder ser paga (o que parece impossível no orçamento da hidrelétrica)? Mantidas as regras atuais, pelos acionistas da Norte Energia. Seus controladores são empresas estatais de energia, à frente a combalida Eletrobrás, e fundos federais de pensão. Ou seja, o governo. Em última instância, o contribuinte.

Sem capital próprio, porém, o consórcio poderá recorrer a empréstimo. O BNDES manteria sua disposição de financiar 80% de tudo que Belo Monte gastar, como vem fazendo com o cronograma financeiro regular do empreendimento?

Parar a obra, no estágio avançado em que ela está, parece fora de cogitação. Por isso, uma coisa é certa: a hidrelétrica do rio Xingu passará logo do limite de R$ 30 bilhões. É o momento para submeter o projeto a um teste de consistência e a uma verificação de planilhas. Quando o leilão da hidrelétrica foi decidido, as empreiteiras integravam o consórcio formado para produzir a energia. Quando as obras se iniciaram, pularam o balcão e assumiram o seu lugar tradicional, de empresas de engenharia e construção.

Foi um imprevisto ou um jogo de cartas marcadas? Se as cartas estavam marcadas, os parceiros sabiam que isso ia acontecer e que o BNDES se apresentaria para salvar o orçamento da obra, acolitado pelas estatais de energia e os fundos federais de pensão? Se a resposta for positiva, o esquema que era usado na Petrobrás também se aplicava no sistema Eletrobrás. É preciso checar essa história antes dos últimos fatos se consumarem.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

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Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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