Busca:     


Jader: de novo, o fim

Lúcio Flávio Pinto - Janeiro 2016
 

Trezes anos depois de renunciar ao mandato de senador e à presidência da casa para não ser cassado, ser preso e algemado pela Polícia Federal, o senador Jader Barbalho está atado a um novo nó de acusação. Como sempre, de desviar dinheiro público.

Em 2002, Jader Barbalho teve que renunciar, sucessivamente, à presidência do Senado, que mal tinha assumido, e ao seu mandato de senador. Iniciativas tomadas a contragosto para não ser cassado. Foi uma das quedas mais vertiginosas na história do parlamento nacional. Ele era o político paraense de maior poder desde que a democracia fora restabelecida no país, em 1985. Ocupava um lugar que apenas o coronel Jarbas Passarinho conquistara, durante o regime militar, de chefiar a câmara alta.

A carreira de Passarinho se eclipsou em 1994, quando ele não conseguiu retornar de Brasília a Belém para voltar a ser governador do Pará, cargo que ocupou em 1964, como o primeiro vitorioso por eleição indireta. Na capital federal, Passarinho atuou intensamente desde o seu primeiro mandato senatorial, conquistado em 1966, circulando com a mesma desenvoltura pelo parlamento e pelo executivo, como ministro do Trabalho e da Educação.

Passarinho enfrentou e se saiu bem de três acusações: de autoria do decreto 477, que desmantelou as organizações representativas dos estudantes universitários; de conivência com as torturas; e de enriquecimento ilícito. Não escapou à condenação por ter assinado o terrível AI-5 e ter feito a sua mais infeliz declaração, ao referendá-lo, descartando "os escrúpulos da consciência".

A ascensão de Jader foi bem diferente. De integrante do grupo dos autênticos do MDB (depois, PMDB), que personificava uma oposição mais consequente do que a consentida pelo regime militar, ele chegou ao governo do Pará como a personificação das bandeiras até então associadas automaticamente à esquerda quanto a moral, ética e identidade com as causas do povo.

A imagem sobreviveu à sua aliança com o segundo personagem principal da era da ditadura no Pará, o tenente-coronel (e então governador) Alacid Nunes, que só o apoiou porque tinha como meta maior destruir o seu antigo companheiro de armas e de política, o mesmo Passarinho, ao qual, depois de se desvencilhar de Alacid, Jader também se juntou.

Depois de lhe ter dado um novo mandato de senador, num momento em que elegeria quem quisesse, Jader lançou Passarinho ao governo (contra Almir Gabriel) e o despejou da política. Descartou assim os dois militares para se tornar o coronel civil no poder.

O exercício do governo, no primeiro mandato como governador (1983/87), começou a lançar sobre o nome de Jader Barbalho a pecha de corrupto. Sua forte liderança parecia lhe dar a convicção de que as acusações de enriquecimento ilícito não abalariam o seu eleitor.

Em 1990 ele enfrentou Sahid Xerfan, o candidato do governador, o seu ex-correligionário e protegido Hélio Gueiros, que permaneceu no exercício da função para destruir o homem que o elegera senador e governador. Jader não tinha cargo algum nem suporte institucional. Enfrentou uma campanha feroz patrocinada pelo grupo Liberal e a máquina estadual, mas venceu. Parecia que sua força junto à população mais pobre não fora abalada – e jamais seria. Por isso, seu slogan eleitoral foi "Jader Trabalho".

Foi inevitável a associação com a frase cunhada pelo governador paulista Ademar de Barros: "rouba, mas faz". O povo entenderia que, sendo sua base de votos, partilharia com o autor do slogan os benefícios da sua ação. Haveria desvio de recursos públicos, mas o que distinguiria o líder populista seria seu compromisso em beneficiar o seu eleitor, normalmente esquecido relas elites tradicionais.

No entanto, as seguidas acusações de desvio de dinheiro público para proveito pessoal, multiplicadas quando ele se tornou personagem de dimensão nacional, entrando na disputa por um poder maior, acabaram levando-o ao beco sem saída de 2002. Depois da queda, o coice, na forma da prisão, sendo conduzido algemado por agentes da Polícia Federal para o cárcere, em Mato Grosso.

Conseguiu se safar da situação, mas a marca se tornou ainda mais forte e a sua imagem definitivamente negativa. Não há dúvida que a jazida de votos de Jader encolheu. Ainda assim, ele se elegeu deputado federal com a maior votação. Manteve-se sempre à sombra, nunca se pronunciando, se desviando das câmeras e microfones da imprensa. Com esse comportamento alcançou nova vitória: a volta ao Senado, ainda que não como o mais votado. De qualquer maneira, com um milhão de votos.

Aos poucos, Jader foi retomando ao centro do palco nacional. O ostracismo teria lhe feito bem, conscientizando-o de que a nova oportunidade deveria ser aproveitada para se dedicar à causa pública? A resposta positiva começou a ser minada quando passaram a surgir referências ao nome dele no curso das investigações da Operação Lava-Jato, que descobriu um esquema de corrupção e propina dentro da Petrobrás.

Teria sobrado para ele parte do desvio de dinheiro que cabia a políticos do PMDB na distribuição de propinas quando alguma interferência era feita para a obtenção ou o superfaturamento de contratos junto à estatal do petróleo. Teria sido essa a informação dada aos investigadores pelo lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, acusado de ser o intermediário do PMDB no esquema de corrupção montado na Petrobras. Jader teria recebido parte de seis milhões de dólares (23 milhões de reais) negociados em cima de contrato para a construção de um navio-sonda que atuaria na área do pré-sal.

Nesse período, parecia que Jader não tinha requisitos e credenciais para se habilitar a qualquer coisa na Petrobrás ou em outros órgãos públicos. Mas, segundo Baiano, em nome dele teria atuado outro lobista, o paraense Jorge Luz, que teria participado dos entendimentos mantidos entre 2006 e 2008.

À primeira vista, são evidências frágeis. Entretanto, foram suficientes para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedir ao Supremo Tribunal Federal que o nome do senador paraense fosse acrescentado aos dois inquéritos que requereu ao STF para investigar os senadores Renan Calheiros (do PMDB de Alagoas), presidente do Senado, e Delcídio do Amaral (do PT de Mato Grosso do Sul), líder do governo na casa. O ex-governador Jader Barbalho não figurava até então na lista de investigados.

Com a autorização dada pelo Supremo, o chefe do Ministério Público Federal irá investigar Renan, Jader e o deputado federal Aníbal Gomes (do PMDB do Ceará). Nas duas solicitações de abertura de inquérito, as suspeitas são de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os pedidos estão em segredo de justiça e se baseiam em petições ocultas, procedimentos adotados no Supremo para manter em sigilo as delações premiadas.

Procurado pelo G1, o portal de notícias de O Globo, quando a notícia foi anunciada, Jader disse desconhecer a situação. "Estou tomando conhecimento por você. Não tenho nenhuma manifestação a fazer por desconhecer qualquer razão [para abertura de investigação]", registrou o portal.

No dia seguinte, o Diário do Pará reproduziu quase integralmente o despacho da agência de notícias de O Globo sobre o pedido do procurador geral da república para incluir o senador Jader Barbalho, dono do jornal, na investigação da Operação Lava-Jato.

A publicação podia ser interpretada como uma grata surpresa. Há muito tempo o jornal poupa a presidente Dilma Rousseff, seu governo e o PT de destaques no seu noticiário, até minimizando ao máximo ou omitindo por completo alguns fatos que lhes são desagradáveis. Não fez o mesmo com seu próprio dono, citado em título de página interna no primeiro dia e mantido no noticiário nas edições seguintes.

Por que elogiar o que é imposição de ofício, devem ter reagido os inimigos, adversários e críticos de Jader, que compõem a maioria do eleitorado e, por isso, inviabilizaram a volta dele ao governo do Estado (mas não a um novo mandato de deputado federal ou, talvez, também de senador).

Porque em terra de cego quem tem um olho é rei. Nada sai de incômodo ou sequer desconfortável aos Maioranas em O Liberal, o concorrente e inimigo da publicação dos Barbalhos. Os Maioranas excluem do mundo, nos seus meios de comunicação, tudo que não lhes é conveniente, mesmo que seja fato público e notório. É interdito proibitório absoluto, índex medieval. Como eles interferem bastante na vida política, exercem sua influência sem as peias que limitam os Barbalhos. Parecem independentes. Aspiram à credibilidade.

A disposição do Diário do Pará de cortar na própria carne é motivada pela condição de políticos de dois dos seus donos: o ex-governador e seu filho, Helder, ex-prefeito de Ananindeua e candidato em potencial (de novo) ao governo do Estado, em 2018 - e já em franca campanha pré-eleitoral, desafiando a letra da lei.

Excluir a informação sobre o pedido de investigação de Jader junto ao Supremo Tribunal Federal equivaleria a uma confissão de culpa ou, pelo menos, sua admissão tácita. No entanto, a inclusão da matéria não significa confiança na inocência do ex-ministro, inocência que ele, no seu íntimo, sabe se existe ou não, mas que começa a se tornar do domínio de terceiros, como os investigadores da Lava-Jato. Até agora, eles não tiveram que voltar atrás num caminho que percorreram.

A mensagem do jornal ao seu leitor pode ser de que Jader, sendo inocente, decidiu ir até o fim para se defender. Mas, se tem realmente culpa no cartório, começou a entrar num jogo perigoso. Treze anos atrás ele teve que recuar de uma disposição semelhante. Primeiro renunciou à presidência do Senado. Depois, ao mandato de senador. Ainda assim, foi preso e humilhado.

Culpado realmente ou vítima de uma conspiração, ativada por seu inimigo, o senador Antonio Carlos Magalhães, com a adesão de setores da grande imprensa nacional. Eles prestaram ao político baiano um favor relativamente fácil, dada a notória relação do nome do ex-governador paraense ao enriquecimento ilícito e o desvio de recursos públicos.

Mesmo que fosse inocente, dificilmente Jader escaparia ao destino que teve, dada a enorme desvantagem na correlação de forças com ACM. Mais uma vez ele se valeu da prescrição das ações propostas contra ele na justiça para se livrar de acusações pesadas e fundamentadas.

Como não houve julgamento final de mérito em nenhuma das várias ações propostas, ele pode invocar sua inocência, mas seus adversários também podem alegar que ele apenas escapou de ser desmascarado e punido pelo excesso de tempo na instrução dos processos instaurados contra ele, em função dos mandatos eletivos que conquistou.

No caso do escândalo de corrupção e propina na Petrobrás, só agora foi aceita a sua inclusão nas investigações, mas foram logo em duas de uma só vez. Numa das quais, pode ser o último elo na cadeia de intermediação da propina. Se isto vier a ser confirmado, não lhe restará nem o bálsamo da delação premiada. Depois dele, não haverá mais ninguém a apontar.

Ao saber do pedido do procurador Rodrigo Janot, Jader reagiu com indignação e prometeu que vai provar sua inocência. Mas não fez o discurso que anunciara para a semana passada, quando se defenderia em plenário. Por isso, a presunção de culpa acaba por prevalecer. E começa a se formar a certeza de se tratar de pantomima, farsa teatral.

Se Jader mente, seu discurso da semana passada no Senado, em favor do voto secreto para decidir se a casa aprovava a prisão do senador Delcídio Amaral, não passará de antecipação da defesa contra a punição que estaria a se avizinhar. Dizendo defender a instituição e a norma constitucional, ele estaria, na verdade, cuidando antecipadamente da própria pele.

Seu discurso, de 13 minutos, foi acompanhado em silêncio e com toda atenção por todos que estavam no plenário do Senado. Apesar da má fama do senador, todos sabem que ele é inteligente, sagaz, tem experiência e faz política como poucos. Seria bom para o Brasil e o Pará que, desta vez, Jader Fontenele Barbalho estivesse falando a verdade. Mas se novamente ele blefa, vai passar por cenas ainda mais constrangedoras, 13 anos depois.

Se ele for fisgado pela Lava-Jato e voltar à cadeia, desta vez o império político e empresarial de Jader Barbalho poderá ser ferido de morte, já que ele está todo empenhado na manutenção do clã, através do filho mais novo. Jader não pensou nessa situação se realmente recebeu propina por negócios escusos na Petrobrás? Diante da sua inquestionável acuidade e capacidade de antevisão dos acontecimentos, não deixa de ser uma surpresa.

Para esse tipo de político, que constitui não só a maioria, mas a quase totalidade dos quadros brasileiros, o castigo não tem efeito pedagógico? É a questão, que será respondida ao longo dos próximos dias. Talvez, agora, de forma definitiva.

----------

Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

----------

Artigos relacionados:

Quem ainda volta em Jader?
Justiça e Jornal Pessoal: a verdade se alevanta
Ex-governadores do Pará em foto de festa
O Liberal e eu
Compromisso com a Amazônia
Política paraense: igual e diferente
Eleições no Pará: o tiro pela culatra
Maiorana: agora no meio da rua
Eleição no Pará será violenta



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

  •