Mães encontram dificuldades para matricular filhos diagnosticados com TEA em escolas particulares de Juiz de Fora

Reportagem constatou a falha.

Por Vitória Beatriz (estagiária) com supervisão de Petterson Marciano

Educação inclusiva para portadores de TEA

Alunos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm dificuldades para encontrar educação inclusiva em redes de ensino particulares de Juiz de Fora. O Portal Acessa foi em busca de mães que receberam negativas ao tentar matricular seus filhos e procurou também saber o posicionamento do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino da Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe).

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a Constituição Federal determina no Art. 205 que a educação é direito de todos, e a Resolução do CNE/CEB nº 2/2001, a qual define as diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica, determina que as escolas do ensino regular devem matricular todos os alunos em suas classes comuns, com os apoios necessários. Tendo isso em vista, qualquer escola, pública ou particular, que negar matrícula a um aluno com deficiência comete crime punível com reclusão de 1 a 4 anos (Art. 8º da Lei nº 7.853/89).

Ainda que a garantia da educação especial esteja prevista em lei, não é o que muitas famílias encontram nas redes de ensino particulares da cidade. Por isso, o Portal foi em busca de depoimentos que ilustrassem a verdadeira situação da educação que muitas das vezes não oferece inclusão.

Escolas negam matrícula na cidade

Em março deste ano, Laís Carvalho, mãe de uma criança diagnosticada com TEA, soube da disponibilidade de vaga em escola particular, que seria uma vaga de desistência. Ela e seu marido marcaram uma entrevista e foram conhecer a escola, porém na hora de fornecer as informações em relação a matrícula, Lais informou que seu filho tinha autismo. Naquele momento a coordenadora pedagógica informou que não teria mais a vaga, pois a sala já tinha 2 vagas preenchidas por autistas. Por causa da negativa, ela e o marido foram a um posto policial, fizeram uma ocorrência e entraram na justiça contra a escola. Dias depois a mesma escola entrou em contato com a família, mas eles já não se sentiam seguros para inscrever o filho após o desconforto passado.

Com Aline Silva, mãe de uma menina também diagnosticada com autismo, não foi diferente, ela recebeu 3 negativas só no ano de 2022. Com a primeira escola, ela realizou o contato procurando por uma vaga para o 8° ano do Ensino Fundamental. Ao receber a confirmação de que havia uma vaga disponível, seu marido foi para a escola realizar a matrícula. “Moramos cerca de 300m da escola, mas ao chegar lá a diretora não deixou a funcionária fazer a matrícula dizendo que não havia vaga. Eu questionei o porquê de a vaga estar disponível há 10 minutos atrás, ela simplesmente ignorou e disse não haver a vaga para meu marido matricular nossa filha.”

Na segunda escola, ainda em busca de uma vaga para a filha, os pais encontraram uma nova proposta de ensino que pareciam gostar. Em uma reunião realizada via Google Meet, onde haviam mais 4 pais interessados em matricular seus filhos, Aline explicou que a filha possuía Autismo nível 1 e, no mesmo momento, o diretor respondeu que aquela instituição não aceitava crianças autistas. Segundo Aline, o diretor justificou a negativa dizendo que “não temos como pagar uma professora para ficar com ela“.

Após mais uma tentativa frustrante, Aline e seu marido partiram para mais uma escola. Desta vez, esta escola permitiu com que a criança passasse por uma adaptação. Mas, com apenas três dias de matrícula, a escola chamou os pais para uma reunião alegando que sua filha precisaria de acompanhamento de um professor, porém que eles não poderiam pagar por ele: “Então eles pediram para que nós contratássemos por fora para ela acompanhar nossa filha. Desistimos!”

Nas últimas duas tentativas, Aline encontrou duas escolas que aceitavam alunos diagnosticados com TEA, porém existia um processo seletivo pelo qual sua filha precisaria passar. Ao contar sobre esse processo, Aline explica que a criança especial pode entrar em crise sensorial em casos de estresse: “nossa filha já vinha de 3 negativas de outras escolas. Ela é super inteligente, esperta, verbalizada…mas aquela situação gerou trauma e desconforto. Ela aceitou fazer o teste, porém enquanto mãe e pai desistimos de levar isso para frente, pois o medo de causar mais transtorno seria imenso.”

Por medo de que a filha entrasse em alguma escola estando em um processo judicial, Aline e seu marido não denunciaram nenhuma das três escolas. Depois dessas negativas, a família desistiu da rede privada e hoje sua filha estuda na rede municipal. O motivo dessa escolha, alega, é que as escolas particulares não cumprem o que diz a lei.

Outras dificuldades

Com Rafaelle Silva, mãe de um adolescente de 14 anos, a trajetória de negativas começou de uma forma diferente. Quando seu filho recebeu o primeiro diagnóstico de um neurologista, aos 5 anos, foi identificado traços de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Porém, para que ele recebesse os benefícios de um aluno autista como uma monitora - algo que só foi aprovado para portadores de TDAH anos mais tarde (mais precisamente em 2021), o diagnóstico final foi dado como autista.

Durante o seu crescimento, ele passou pela perda do avô e Rafaelle foi orientada pelo neurologista a começar um acompanhamento psicológico. Para entender melhor o paciente, a psicóloga solicitou um questionário da escola em que ele estudava na época e o resultado foi uma surpresa para Rafaelle, pois o laudo da escola apontava que seu filho tinha atraso na coordenação motora, entre outras observações negativas. A maior surpresa para ela era que seu filho sempre tinha boas notas, e nesse momento ela descobriu que quem fazia as provas do filho era a própria regente da classe.

Em busca de desenvolver melhor a educação do filho, neste momento já diagnosticado com autismo, Rafaelle, juntamente ao seu marido Luiz, deram início ao tratamento psicológico e o retiraram da escola.

Ao mudar para uma nova escola, a escolha dos responsáveis foi de repetir os anos perdidos, mas, apesar de acreditar que ali poderia ser uma nova chance e com mais inclusão, Rafaelle conta que lá "não tinha nada de inclusão, pois eles segregavam os alunos".

Após um ano lutando para garantir um acompanhamento adequado para o filho, os pais ouviram da própria diretora que talvez não valeria a pena investir em uma escola particular para o filho, dizendo que às vezes os pais criam muitas expectativas e os filhos não conseguem corresponder. "Naquele dia parecia que o nosso mundo ia cair", conta. Assim recomeçava a busca por uma nova escola.

No ano seguinte, em meio a procura de uma boa escola, Rafaelle recebe mais uma negativa ao perceberem as questões de seu filho. Mas, ao mesmo tempo, também recebeu uma carta da mesma escola onde a diretora disse que acreditava não valer a pena investir em uma educação particular para o filho. Desta vez, a direção havia mudado e estavam dispostos a promover uma educação completamente inclusiva. "Aqueles foram os melhores anos para ele. Tudo o que podia ser feito para desenvolvê-lo foi feito". Porém, com a chegada da pandemia, a escola quebrou.

Para que a sua educação não fosse interrompida, os pais o inscreveram na Escola Estadual Coronel Teixeira Alves, onde ele recebeu o melhor apoio escolar, mesmo que à distância. Apesar disso, com o retorno das aulas presenciais, Rafaelle e Luiz ficaram com receio do filho ficar em uma escola grande e voltaram para uma escola particular. Nesta mudança mais uma vez encontraram uma escola sem inclusão, pois nela não havia monitores para oferecer educação especializada.

Rafaelle acredita que essa falta de professores capacitados, ou até mesmo de monitores, está ligada à falta de investimento: "Eu acredito que seja por conta do custo. O custo de um professor qualificado é caro. O salário de uma das professoras que o meu filho tinha era de R$500 além das passagens…um profissional se especializa para ganhar um bom salário pelo menos né?"

Levantando essa questão, ela acredita também que pode não compensar para a escola aceitar um aluno com necessidades especiais, pois isso demandaria a contratação de um professor exclusivamente para este aluno. “Se um professor cuida de uma classe inteira, não deve compensar, imagino, para uma escola contratar um professor para um aluno apenas”.

Realidade constatada

Para saber como anda a situação da inclusão nas escolas relatadas, o Portal entrou em contato com as escolas respectivas para saber a disponibilidade de vaga para matrícula, posteriormente informando que se tratava de vaga para aluno com autismo. A maioria informou possuir vaga e, logo após a informação sobre a especificidade da vaga, informava não haver ou não ter certeza se existia. Algumas dessas escolas pediram para retornar depois.

No total, os depoimentos permearam 8 escolas particulares de Juiz de Fora. O Portal cobrou um posicionamento em relação ao comportamento dessas escolas ao Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino na Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe) e, em nota, eles informaram não ter conhecimento sobre esses relatos. Além disso, informaram que dessas escolas, apenas três fazem parte do sindicato e elas são orientadas ao atendimento à pessoa com deficiência de forma inclusiva.