Troca de experiências e olhar para a história da população preta marcam o sábado da 19ª edição do Feijão de Ogun

Evento segue ao longo do sábado (27) e domingo (28), com apresentações culturais, Feira de Etnodesenvolvimento e Economia solidária e a distribuição do Feijão de Ogun em instituições de atendimento à população em situação de rua

Por Renan Ribeiro

Feira de Etnodesenvolvimento acontece até domingo (28) no Parque Halfeld

Promovendo encontros, apresentações culturais, diálogos e reflexões, a 19ª edição do Feijão de Ogum iniciou a programação deste sábado com o Encontro de Mães do Axé- Cambonas, Ekedys, Makotas, Ajoiés e Iyarobás, no Parque Halfeld, local que também recebeu a 2ª Feira de Etnodesenvolvimento e Economia Solidária e ainda com a Caminhada Juiz de Fora Negra, que partiu com um grupo da Praça da Estação, ponto simbólico de chegada à cidade.

De acordo com a ativista do Movimento Negro Unificado (MNU), fundadora do Instituto Feijão de Ogun e presidente do Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial em Juiz de Fora (Compir), Marilda Simeão, a mensagem que o Feijão de Ogun traz, nesse momento, é a de que esse território pertence à população negra também. “É a mensagem é de que as nossas histórias deverão ser contadas por nós. A partir do momento que tiramos os nossos fios de contas para fora, que nós dizemos o que somos, essa história passa a ser contada. Quando nos escondemos, o inimigo fica maior aos olhos dele.”

Marilda, que é membro da organização da programação, no balanço das atividades já realizadas, destaca que a retomada do encontro presencial, após o período de isolamento, em função da pandemia de Covid-19 é fundamental. “Nós do Candomblé e das religiões de Matrizes Africanas, trabalhamos com a troca, com a oralidade, com o tato, o contato, o olhar nos olhos. A questão virtual ainda é muito nova. A maioria dos nossos é mais velho, e isso impediu que esse encontro fosse real. Em 2020, fizemos ele virtual, mas não é a mesma coisa. Temos a necessidade do toque, do contato, do fluir, do vento, somos a natureza, fazemos parte da natureza, estar nela e o coletivo. Sem o coletivo não se constroi, só me fortaleço porque o outro está do meu lado, o outro me dá força.“

Nesse sentido, Marilda avalia a programação como vitoriosa. “O chão que nós calçamos lá atrás, é sólido a ponto de chegarmos onde estamos hoje. Esses quatro dias de programação estão sendo um sucesso.” Ela conta que para a organização, a abertura, que contou com a apresentação de um filme sobre o Bairro Dom Bosco, que incentivou a discussão sobre os olhares dos moradores de lá, incluindo questões sobre territorialidade, especulação imobiliária, memória, ancestralidade, musicalidade e valores civilizatórios, seguidos de uma marcha que tomou as ruas do centro da cidade na quinta-feira (25), foi algo marcante para a organização.

“É saber que Juiz de Fora ainda resiste, que esse povo preto está tentando parar de se esconder. As religiões de matriz africana existem e estão aí. É engano seu, racista, achar que nós não existimos, posso estar longe dos seus olhos. Mas na quinta, fomos para a rua e ficamos visíveis para todos. Não tem como contar quantos nós somos. Então, não tem como nos matar. Estamos e vamos continuar resistindo, porque é só assim que a gente existe.” salientou Marilda Simeão.


A ativista Marilda Simeão sintetizou a mensagem que o Feijão de Ogun deixa para a população preta de Juiz de Fora: “Tem um provérbio africano, que diz o seguinte: “O caçador só é vitorioso, porque a caça ainda não fala, ela não tem direito de falar.” Que essa caça, que somos nós, que somos caçados o tempo inteiro, como bandidos, miseráveis, traficantes, usuários de drogas, alcoólatras, vagabundos, que essa caça possa ter fala, direito de falar, porque o caçador só é vitorioso, se a caça não tem direito à fala.”


Percorrer as ruas de Juiz de Fora em busca da história por outra perspectiva

A história do ponto de vista das vivências de pessoas pretas não costuma estar acessível e esse conhecimento, por muito tempo, ficou de lado. A turismóloga, guia de turismo e produtora cultural da Da Mata, Pâmella Stefanie do Nascimento, conta que mesmo depois de quatro anos dentro da Faculdade de Turismo, essas histórias não chegaram. “Eu tive que sair da faculdade para elas chegarem até a mim de interesse próprio. Então que interesse é esse das pessoas em conhecer. Hoje a gente tá aqui com uma feira, no centro de Juiz de Fora diversos afro empreendimentos, afroturismo. E assim, movimenta, é uma forma também de divulgação e das pessoas também conhecerem, porque muitas vezes as pessoas não conhecem mesmo.”

Pâmella ao lado do historiador e produtor cultural, Beto da Mata, guiaram um grupo de pessoas pelas ruas do Centro de Juiz de Fora, resgatando uma história que não costuma ser encontrada nos espaços de Educação. “A gente tem por exemplo a festa no Borboleta que é a conhecida Festa Alemã e tudo mais, tem outras festas identitárias e precisava dessa festa bem negra mesm, bem do nosso povo e com todo mundo de diversos campos, diversos olhares diferentes, de diversas matrizes religiosas também”, frisou.

Pâmella e Beto fazem esse passeio e contam um pouco da história negra - vastíssima- como destaca Beto, pela cidade. “Ninguém aguenta mais esse negócio de princesinha de minas . Tá chato, sabe? saturado. A gente chegou num beco sem saída. A modernidade tem uma coisa muito problemática que é sempre ter que ficar se reconstruindo em cima de si mesmo e sempre num ritmo muito acelerado, cada vez mais acelerado”, reflete Beto. Para ele, é importante demarcar uma outra proposta de temporalidade.

“A gente fala muito no nosso roteiro, uma das narrativas que a gente usa, que são várias, a gente encontra no Parque Halfeld porque aqui é o local onde muitos tempos se cruzam. O tempo da igreja, o tempo da modernidade, o tempo da política que está logo ali. A caminhada Juiz de Fora negra se insere muito nisso. Assim como em todas as nossas produções, mostramos que existe outra forma de existir e que essa forma tá longe de ser minoritária, essa forma corresponde com a forma de vida da maioria da população simplesmente”, afirma Beto.

O historiador ressalta que é essencial alterar o olhar. “O que está errado é o que está hegemônico agora e quando a gente constrói a nossa produtora, o nosso negócio é pensando totalmente em hegemonia. O nosso nome é Da Mata Produções Culturais, inspirado na Zona da Mata. Agente trabalha com historias negras, questões negras, produtos negros, não por trabalhar com um nicho étnico, a gente trabalha porque demograficamente nós somos a maioria, a gente é a hegemonia”
A Da Mata -Produções Culturais promove caminhadas negras mensais em Juiz de Fora. O contato pode ser feito pela página da Diáspora Black e nas redes da iniciativa @damatacultural.